Natasha Lennard

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Ameaças de Trump aos grupos antifa afrontam os negros e põem todos os protestos em risco

Supremacistas brancos são responsáveis por 70% dos assassinatos ligados ao extremismo nos EUA, mas são os antifa que Trump quer chamar de “terroristas”.

Manifestantes levantam os punhos durante protesto próximo ao local onde George Floyd morreu sob custódia da polícia, no dia 26 de maio, em Minneapolis, Minnesota.

Ameaças de Trump aos grupos antifa afrontam os negros e põem todos os protestos em risco

Manifestantes levantam os punhos durante protesto próximo ao local onde George Floyd morreu sob custódia da polícia, no dia 26 de maio, em Minneapolis, Minnesota.

Foto: Kerem Yucel / AFP via Getty Images

No domingo passado, em meio à maior revolta popular do país em pelo menos uma década, o presidente dos Estados Unidos postou um tuíte típico de Donald Trump. A postagem parecia combinar uma profunda ignorância – ou desconsideração – a respeito dos mecanismos oficiais do governo dos EUA, uma mentalidade mostrando uma forte conexão com a sua base de supremacistas brancos, um desejo de distrair e distorcer os fatos, e uma confiança sombria e autoritária nas consequências que suas violentas declarações on-line podem ter. “Os Estados Unidos da América vão classificar os ANTIFA como uma organização terrorista”, escreveu ele.

Em um sentido prático, o tuíte provavelmente se mostrará falso. Nenhum estatuto legal a ser acionado poderia designar os antifa – abreviação de “antifascista” – como uma organização terrorista. Trump não mudou, com um tuíte, o status legal da atividade antifascista ou dos seus afiliados. Ele, no entanto, sinalizou a estratégia que planeja adotar para desacreditar a poderosa luta de libertação liderada por negros, enquanto encoraja e legitima ainda mais as repressões policiais e os vigilantes supremacistas brancos contra grandes grupos dissidência antirracistas e de esquerda.

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Culpar os antifa é uma jogada tão cínica quanto previsível para o presidente e seus bajuladores. Enquanto isso, vozes liberais – alegando apoiar a justiça racial e opor-se fortemente a Trump – têm oferecido apoio tácito e explícito à narrativa de que há “agitadores externos” em meio aos movimentos. Isso também não chega a surpreender.

Primeiro, no que diz respeito às limitações da tentativa de Trump de usar os antifa como bode expiatório e classificá-los como organização terrorista: por um lado, como já foi afirmado à exaustão, antifa não é uma organização, mas um conjunto de práticas, implantadas por ativistas por quase um século, que visam criar prejuízos materiais significativos para quem se envolve em atividades fascistas. Existem grupos que se reúnem sob a bandeira “antifa”, mas não há nenhuma liderança centralizada ou hierarquia entre seus membros.

Em segundo lugar, os EUA não têm legislação para designar grupos como organizações terroristas domésticas. O governo classifica formalmente apenas grupos estrangeiros como “organizações terroristas”; o fato de ações acontecerem internacionalmente por coletivos autônomos denominados “antifa” não seria suficiente para obter um selo oficial de terrorismo do Departamento de Estado. No entanto, a lei federal usa categorias de terrorismo doméstico para organizar e descrever casos, e uma série de leis antiterrorismo estão disponíveis para uso contra “extremistas domésticos”. O tuíte de Trump, mesmo que ilógico, foi significativo.

As declarações de Trump contra os antifa possuem violência retórica e provocam violência física, em vários sentidos. Por um lado, é um costume histórico dos racistas sugerir que as comunidades negras não poderiam se erguer e auto-organizar uma grande ação revolucionária. Em todas as grandes cidades, está bem claro que os levantes estão sendo liderados por jovens negros. A criação do mito do “agitador externo” é uma afronta à ação das comunidades que se organizam na linha de frente dessas batalhas. A estratégia de dividir e conquistar é tão antiga e batida quanto qualquer dicotomia entre “manifestante do mal versus manifestante do bem”, que novamente nos distrai da praga da violência policial que está presente em todos os momentos dos protestos antirracistas. Essa era uma estratégia usada pela Ku Klux Klan. Na década de 1930, a Klan publicou panfletos no Alabama, afirmando que “os organizadores dos protestos são pagos pelos comunistas e estão apenas tentando” colocar os negros “em apuros”. Como James Baldwin escreveu em 1961, “é uma ideia que contém uma agressão gratuita, sugerindo que os negros não podem agir a menos que sejam manipulados”.

Quando Trump fez críticas aos “anarquistas da esquerda radical” nos últimos dias, ficou claro que esses supostos infiltrados são brancos. Há pouca dúvida de que anarquistas brancos estão participando dos protestos e, às vezes, agindo entre os militantes. Tendo participado de uma organização anarquista nos EUA há uma década, posso garantir que existem muito poucos esquerdistas radicais para dar conta da dimensão das insurreições que estamos vendo. E, mais diretamente, os negros por trás das ações radicais nesse movimento não precisam ser instigados pela esquerda branca. Quando políticos como o prefeito de Nova York, Bill de Blasio, culpam os “anarquistas” pelos protestos violentos em suas cidades, a sugestão implícita é que a revolta contra a constante violência da qual as vidas negras são vítimas seria, de alguma forma, ilegítima ou inexplicável – só poderia ter origem externa ao movimento. Além disso, a maioria dessas alegações é comprovadamente falsa. O governador do Minnesota, Tim Walz, disse no sábado que 81% dos detidos em protesto não eram locais, mas diversos relatos da imprensa indicaram que mais de 80% dos detidos tinham endereços locais.

“Culpar anarquistas e antifa, sem absolutamente nenhuma evidência, é uma maneira de fazer as manifestações parecerem extremistas e marginais, quando na verdade se tratam de levantes populares”, explica Scott Crow, anarquista de Austin, em comunicado da plataforma anarquista Agency. “Este é um momento de indignação em massa contra um sistema injusto.”

Está claro que há forte discordância entre os participantes dos protestos sobre quais são as táticas preferíveis e aceitáveis. Debates sobre destruição e pilhagem de propriedades e até sobre o significado de “violência” nesses levantes históricos estão longe de serem resolvidos. Dificilmente vou resolvê-los aqui, e nem vou repetir argumentos que eu e tantos outros defendem sobre como a demanda liberal por civilidade causa violência. Basta dizer que o governo, sua polícia e o capital protegido por eles não estão interessados em preservar e respeitar a vida negra. Os efeitos devastadores e a mortalidade desproporcional da pandemia de coronavírus entre as pessoas de cor, obrigados a trabalhar e abandonados à morte, deixam cada vez mais claro o que já estava bem exposto.

Uma mulher recebe primeiros socorros após um motorista atropelar uma multidão de manifestantes em Charlottesville, Virgínia, no dia 12 de agosto de 2017.

Uma mulher recebe primeiros socorros após um motorista atropelar uma multidão de manifestantes em Charlottesville, Virgínia, no dia 12 de agosto de 2017.

Foto: Paul J. Richards/ AFP/ Getty Images

Enquanto isso, os supremacistas brancos e a extrema direita cometeram mais de 70% dos assassinatos ligados ao extremismo no país durante a última década. Por outro lado, nenhum assassinato foi atribuído ao ativismo antifascista. O FBI sob Trump também tomou medidas para confundir se está ou não investigando organizações de brancos supremacistas. Concordando ou discordando das táticas de confronto tipicamente associadas aos antifa, o foco do governo Trump nessas atividades é, sem dúvida, em defesa da supremacia branca.

Como não existe uma organização antifa formal, o rótulo também é amplo o suficiente para dar guarida a um grande espectro de repressões e retaliações contra quaisquer manifestantes. Após Trump acusar os “ANTIFA”, o procurador-geral Bill Barr deu sequência ao ataque, anunciando que o Departamento de Justiça usará sua rede de 56 forças-tarefa regionais antiterrorismo do FBI para identificar os “organizadores e instigadores criminosos”, nomeando especificamente os “antifa e outros grupos similares”. Ao mesmo tempo, apontar o dedo para os antifa pode ser uma forma retórica de negar a ação dos negros, mas também pode servir para justificar o uso da força da lei federal contra manifestantes negros, como e quando o governo decidir aplicar a eles este amplo rótulo de “antifa”. E os grupos de esquerda que se organizaram abertamente sob a bandeira do antifascismo vão enfrentar novas ameaças das forças da lei, que já aumentaram durante o governo Trump.

Desde o primeiro dia da presidência de Trump, seu regime de extrema direita tem as atividades antifascistas como alvo. No dia da sua posse, mais de 200 manifestantes antifascistas foram presos sob graves acusações de crimes, todas posteriormente não-confirmadas ou retiradas. Após a violência dos brancos supremacistas de Charlottesville, Virgínia, em 2017, Trump atiçou as multidões em seus comícios, cheios de vaidade e com barulhentas condenações aos “anteeefa!”. Em 2019, ele tuitou a ameaça de declarar os “ANTIFA” uma “grande organização do terror”. Seus lacaios no Congresso apresentaram uma resolução não vinculativa, que não teria nenhuma consequência legal, para nomear os “antifa” como um grupo terrorista doméstico. Dezenas de leis de repressão a protestos foram aprovadas pelos legislativos dos estados, pelas quais todo tipo de ação de dissidência coletiva é designada como um tumulto ilegal.

Está explícito para todos: a presidência está comprometida com políticas de racismo fascista, ao mesmo tempo em que nomeia claramente o antifascismo como inimigo. No entanto, os progressistas da suposta resistência atuam como facilitadores da narrativa contrária aos antifascistas. Como observei, continua sendo um marco da convergência do centro à direita o fato de que, no mês seguinte aos eventos em Charlottesville, os seis principais jornais dos EUA publicaram mais artigos condenando as ações antifascistas do que artigos condenando os supremacistas brancos e o fato de Trump não rejeitá-los. Agora, as perigosas declarações do presidente contra os antifa novamente não produziram oposição liberal. De especialistas da MSNBC ao prefeito de Nova York, o que está sendo reafirmada é a infeliz narrativa de Trump sobre esse momento histórico. Mais uma vez, como Martin Luther King Jr. observou em sua “Carta de uma prisão de Birmingham”, de 1963, “o branco moderado, que é mais devoto à ‘ordem’ do que à justiça”, torna-se um “obstáculo” tão grande à libertação negra quando o supremacista branco mais explícito.

Não se trata de uma exceção, mas sim da continuidade de uma regra que é muito anterior a Trump. No entanto, assim como cresce a violência e o extremismo das ações realizadas pela polícia de choque nas ruas das cidades durante esta semana, estamos observando uma escalada perigosa e fascista por parte do Estado. Na noite de segunda-feira, Trump fez talvez sua declaração mais formalmente fascista até o momento. Depois que manifestantes do lado de fora da Igreja Episcopal de St. John, em Washington, D.C., foram alvos de gás lacrimogêneo para que dessem espaço para a sessão de fotos do presidente, Trump ameaçou utilizar as forças armadas dos Estados Unidos contra os manifestantes. “Se uma cidade ou estado se recusar a tomar as medidas necessárias para defender a vida e a propriedade de seus moradores, então vou despachar as Forças Armadas dos Estados Unidos e rapidamente resolverei o problema”, disse ele.

Sem precedentes, as revoltas de hoje são parte do legado da tradição radical negra, e o rótulo de “antifascista” não precisa ser aplicado a elas. No entanto, como conceito, o antifascismo não deve servir ao discurso virulento de Trump. Em todas as grandes cidades onde as ruas foram tomadas, a polícia de choque foi confrontada e os incêndios começaram, o que vimos foi o antifascismo antirracista em ação.

Tradução: Antenor Savoldi Jr.

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