À MEDIDA QUE OS PROTESTOS contra a violência policial começaram a se espalhar por todos os estados dos EUA e imagens dramáticas brotaram em várias cidades do país, o presidente Donald Trump e seu procurador-geral inventaram uma história ameaçadora sobre esquerdistas oportunistas que estariam explorando um trauma de âmbito nacional para semear o caos e a desordem. Eram os antifascistas conhecidos como “Antifa”, que, segundo o governo, seriam terroristas internos e deveriam ser alvo de vigilância policial adequada.
Mas enquanto a Casa Branca ditava o ritmo da perseguição contra um movimento de esquerda sem lideranças, os agentes de segurança pública em todo o país compartilhavam relatos detalhados sobre grupos de extrema direita que vinham tentando atacar os manifestantes e a polícia durante as históricas manifestações no país, como revela um conjunto de documentos recém-vazados.
Em meio ao constante fluxo de ameaças pela extrema direita, ocorreram repetidos encontros entre as forças da lei e os integrantes fortemente armados do chamado “movimento Boogaloo”, que defende os confrontos armados com os policiais como forma de desencadear uma guerra civil. Enquanto boa parte do aparato policial americano se ocupava da perseguição aos provocadores Antifa, as aspirações violentas aparentemente se materializaram numa série de ataques direcionados que, na Califórnia, mataram um policial federal e um xerife suplente, e feriram diversos outros agentes de segurança.
Esse repositório de material das forças policiais foi recentemente hackeado e publicado online com o título “BlueLeaks”, oferecendo uma visão inédita da comunicação entre as forças de segurança locais, estaduais e federais diante dos protestos no país. Em uma análise de quase 300 documentos que fazem referência a “Antifa”, o Intercept encontrou repetidas ocorrências em que atividades antifa e de esquerda nos protestos foram tratadas em termos caricaturalmente ameaçadores, em paralelo com relatos substanciais de violência letal e ameaças de grupos de direita, que não receberam praticamente nenhuma menção das principais autoridades do governo Trump.
“Ao longo dos documentos pode-se ver órgãos de contraterrorismo usando o termo ‘extremismo’ de forma tão ampla que chega a significar praticamente qualquer coisa que represente divergência”, disse ao Intercept Hina Shamsi, diretora do Projeto de Segurança Nacional da organização ACLU. “Há situações em que pessoas envolvidas em violência supremacista branca recebem o benefício da dúvida quanto a serem potenciais casos isolados, enquanto pessoas não-brancas e aqueles que se opõem às injustiças do governo são tachados como ameaça por simples associação de culpa”.
Michael German, ex-agente do FBI especializado em terrorismo doméstico e atualmente membro do Brennan Center for Justice [Centro Brennan de Justiça], disse que os materiais estavam cheios de exemplos de politização da inteligência das forças de segurança, de forma a colocar em risco tanto os manifestantes, quanto a polícia. “O terrorismo se distingue de outras formas de violência por sua natureza política e, em razão disso, o contraterrorismo também é frequentemente muito politizado”, explicou ao Intercept. “Estamos vendo aqui como essa politização do contraterrorismo se reflete nos documentos de inteligência que estão sendo distribuídos para informar as forças de segurança locais e estaduais que atuam in loco”. E acrescentou: “No geral, o que se vê é uma estranha sensacionalização das ameaças Antifa – o que não ocorre quando se trata dos documentos Boogaloo”.
German argumenta que o impulso de pintar ambos os lados do espectro político com as mesmas cores, embora apenas a extrema direita esteja efetivamente matando pessoas, é uma das características mais perigosas das forças de segurança atuais nos EUA. Em sua avaliação dos documentos produzidos em resposta aos recentes protestos, German disse que as supostas “ameaças” dos Antifas eram tratadas com exagero, que vandalismo era frequentemente enquadrado como terrorismo, e que geralmente não havia qualquer indício de atividade criminosa grave.
“É conversa fiada, do tipo ‘relatos de inteligência dão a entender'”, disse ele. Em 2 de junho, por exemplo, o Departamento de Segurança Interna, DHS, circulou um tweet entre os órgãos de segurança de todo o país, relatando que os Antifa estariam armazenando tijolos para “alimentar os protestos”. Essa informação de inteligência chegou até uma das centrais de informação policial do estado do Maine. Na semana passada, a revista Mainer rastreou a fonte original do tweet: um motociclista de extrema direita, apoiador de Trump, que adota a alcunha “o Homem-Lobo” e alegava que o Facebook insistia em excluir suas provas de infiltração de tijolos “porque são apoiadores do BLM [o movimento Black Lives Matter]”.
“Esses grupos fortemente armados estão bem ali, e têm um histórico muito mais extenso e direto de violência do que qualquer coisa que o antifa ou os movimentos de base anarquista façam”.
Mesmo que os grupos Antifa estivessem distribuindo tijolos, disse German, “esses grupos fortemente armados estão bem ali, e têm um histórico muito mais extenso e direto de violência do que qualquer coisa que o Antifa ou os movimentos de base anarquista façam”. Ao contrário das informações que circulam sobre os Antifa, boa parte dos relatórios de inteligência que se referem às ameaças de extrema direita nos documentos do BlueLeaks estão estritamente focados em eventos específicos, observou German. “É assim que deveria ser”, diz ele. Radicais de extrema direita vêm atacando e matando policiais há gerações, sem contar outras pessoas em geral, explicou German, e os próprios documentos do governo mostram que essas ideias vinham se infiltrando pelos recantos extremistas da direita ao mesmo tempo em que Trump e o procurador-geral dos EUA, William Barr, se preparavam para perseguir a esquerda.
Embora a direita trate os Antifa como bicho-papão há anos, o discurso do governo subiu de tom no final de maio, quando Trump tuitou que iria classificar o movimento como organização terrorista. Em seguida a esse tweet, Barr publicou uma declaração do Departamento de Justiça, o DOJ, relatando que os investigadores federais iriam atuar para “identificar organizadores e provocadores criminosos” que estariam “sequestrando” os protestos, e alertando que “a violência incitada e praticada pelos Antifa e outros grupos semelhantes ligados aos protestos é terrorismo doméstico e será tratada de forma adequada”.
Nas semanas que se seguiram à declaração de Barr, o Intercept publicou relatos sobre agentes do FBI em diversos estados abordando indivíduos com supostas relações com os Antifa, em busca de entrevistas e possível atuação como informantes. Enquanto isso, o Comitê de Trump “Make America Great Again”, um braço oficial do presidente que visa a arrecadar doações, vem publicando anúncios convocando os doadores a mandarem dinheiro em apoio à campanha do governo de combate aos Antifa.
No entanto, o material vazado mostra que, em 29 de maio, dois dias antes do tweet de Trump dizendo que os Antifa seriam considerados uma organização terrorista, e da declaração do DOJ dada por Barr, os próprios analistas do DHS emitiram um relatório de inteligência aberto, detalhando como um canal de supremacistas brancos no Telegram, um serviço criptografado de mensagens, estava encorajando seus seguidores a se beneficiarem do tumulto atacando a polícia com coquetéis Molotov e armas de fogo.
“O uso de armas de fogo influencia muito a escala e a intensidade desses eventos”, uma fonte escreveu em 27 de maio no grupo, denominado “National Accelerationist Revival” [Resgate do Aceleracionismo Nacional], aconselhando os seguidores a romper as linhas de frente dos policiais com “coquetéis, serras elétricas e armas de fogo”. Naquele momento, segundo o relatório do DHS, o grupo incluía mais de 3.400 seguidores. “Saques e furtos são bacanas e os brancos deveriam fazer isso muito mais”, prosseguiu a fonte. “Quando as leis não te beneficiarem mais, vá contra elas em benefício próprio. Se não estiver com vontade de comprar alguma coisa, roube. Se não estiver com vontade de dirigir devagar, dirija rápido. Se não gostar de alguém, agrida”.
“Nós devemos comemorar a destruição do Estado policial”, escreveu. “É tão necessário derrubar o Estado policial e o sistema de controle quanto espalhar o ódio racial”.
Em um documento separado, distribuído no dia seguinte, o DHS alertou sua força de trabalho de que o “período de trevas” do país logo iria piorar, à medida que “os movimentos violentos de protesto” crescessem. Extremistas internos se beneficiariam do tumulto para “tomar o controle de instalações públicas e atacar as forças policiais”, previa o DHS, destacando que os protestos que se seguiam à morte de civis por policiais “apresentavam um alto risco de progredir para ataques premeditados ou aleatórios dirigidos aos agentes das forças de segurança em todo o país”. O documento prosseguia descrevendo como “usuários de um canal de Telegram extremista de supremacia branca tentaram instigar seus seguidores a se envolverem em violência e iniciarem o ‘boogaloo’ – um termo usado por alguns extremistas violentos para se referir ao início de uma segunda Guerra Civil – atirando contra a multidão”.
Entre os desdobramentos mencionados no boletim estava o assassinato de um segurança do tribunal federal em 29 de maio, em Oakland. O suspeito seria depois identificado como Steven Carrillo, um sargento de 32 anos de uma unidade de segurança de elite da Força Aérea. De acordo com as autoridades, Carrillo viria a emboscar e matar um suplente de xerife e ferir várias outras pessoas em um segundo ataque dirigido, dias depois. No mês passado, o FBI relatou nos autos do processo que o aviador tinha um colete à prova de balas com uma insígnia Boogaloo. Depois de uma troca de tiros com a polícia, Carrillo teria usado seu próprio sangue para rabiscar frases associadas ao movimento no capô do carro que ele havia roubado.
No período que antecedeu o ataque inicial, segundo as autoridades federais, Carrillo fez vários comentários num grupo de Facebook com seus supostos cúmplices, defendendo que os protestos eram a oportunidade ideal para matar agentes de segurança – a quem ele se referia como “galera da sopinha”, em referência à “sopa de letrinhas” das patentes nas forças policiais – e desencadear uma conflagração mais ampla em âmbito nacional. “Vá aos protestos e defenda a nossa própria causa”, Carrillo teria escrito na manhã dos ataques. “Mostre a eles os verdadeiros alvos. Use a raiva deles para alimentar nosso fogo. Pense fora da caixa. Temos uma turba de gente indignada para usar a nosso favor”.
Aproximadamente às 21:44 h, Carrillo e Robert Alvin Justus Jr., acusado de ser seu comparsa, chegaram numa van branca à frente do Edifício Federal Ronald V. Dellums. A porta lateral do veículo se abriu e Carrillo abriu fogo. David Patrick Underwood, de 53 anos, foi morto a tiros. Seu parceiro foi ferido. “Você viu como eles caíram, porra?” É o que Justus depois se lembraria de ouvir Carrillo exclamar, enquanto a van arrancava no meio da noite.
Enquanto Carrillo estava foragido na Califórnia, o escritório do FBI em Minneapolis circulava “discussões online” não confirmadas, entre indivíduos não identificados, indicando que “os Antifa queriam ‘massacrar’ as forças da Guarda Nacional no Capitólio Estadual de Minnesota” em um inédito ataque usando explosivos em um veículo. No relatório de 1º de junho, o escritório de Minneapolis observou que as informações de inteligência recebidas se baseavam em fotos de veículos da Guarda Nacional que não pareciam vir de Minnesota, que teriam sido produzidas por um escritório externo, e que “dadas as atuais circunstâncias na região metropolitana, o Escritório de Campo do FBI em Minneapolis alerta que a fonte poderia ter fornecido as informações para influenciar seus destinatários”.
Naquela mesma manhã, Trump tuitou uma citação de Brian Kilmeade, um dos apresentadores do programa “Fox and Friends”: “Não vejo qualquer indicação de que haja quaisquer grupos de supremistas (sic) brancos misturados no meio. Essa é uma Organização ANTIFA. Aparentemente a primeira vez que vimos isso de forma relevante foi no movimento Occupy Wall Street. É a mesma mentalidade”. O presidente endossou a análise de Kilmead, e escreveu em maiúsculas: “É VERDADE!” Mais tarde, no mesmo dia, Trump apareceu no Roseiral da Casa Branca para anunciar que iria mobilizar forças militares para suprimir “a violência e restaurar a segurança na América”. O presidente não hesitou em apontar o papel dos “anarquistas profissionais, turbas violentas, (…) incendiários, saqueadores, criminosos, desordeiros, Antifa, e outros” na criação de tumultos. “Um policial federal na Califórnia, um herói afro-americano, foi morto a tiros”, disse ele, referindo-se a Underwood e ao ataque dirigido em Oakland.
Trump não fez qualquer menção aos grupos de extrema direita. Por trás das câmeras, porém, o DHS reconhecia os “relatos dos meios de comunicação” que indicavam “que neonazistas e outros grupos paramilitares de extrema direita estavam convocando ataques terroristas durante a agitação em curso pelos Estados Unidos”.
“Várias contas de Telegram ligadas a uma rede mais extensa de grupos radicais paramilitares de extrema direita indicaram que os tumultos em curso estariam dispersando as forças policiais, criando a oportunidade ideal para iniciar um ataque estratégico”, reportou o órgão em um resumo dos relatórios de inteligência vindos de várias partes do país, publicado na manhã seguinte. “Uma das contas, com milhares de seguidores e ligações com diversos grupos terroristas neonazistas como ‘The Base’ [A Base] e o ‘Nordic Resistance Movement’ [Movimento de Resistência Nórdico], convocou ataques a infraestruturas críticas”. O órgão observou que o Twitter recentemente removera uma conta antifa falsa “criada por um conhecido grupo supremacista branco” que havia feito uma convocação à violência.
“Embora a conta tivesse apenas algumas centenas de seguidores, é um exemplo de como os supremacistas brancos estão tentando inflamar as tensões nos Estados Unidos”, relatou o DHS.
De acordo com a lista de distribuição ao final do relatório, o documento foi compartilhado com a Sala de Crise da Casa Branca, com a sede do DHS, com os centros federais de operações interagências, e com parceiros locais e estaduais. O Intercept enviou listas detalhadas de perguntas sobre os documentos do acervo BlueLeaks para a Casa Branca, o Departamento de Justiça, DOJ, e o Departamento de Segurança Interna, DHS. Nenhum dos órgãos respondeu. O FBI recomendou ao Intercept uma entrevista que o diretor Christopher Wray deu à Fox News no final de junho, em que ele procurou distanciar o órgão do discurso mais estridente de Barr ou Trump contra os Antifa. “Nossos esforços estão voltados para identificar, investigar e impedir os indivíduos de incitarem violência e se envolverem em atividades criminosas”, consta da declaração dada pelo FBI. “Não estamos focados em manifestações pacíficas”.
Uma Obsessão Antifa
Apesar do aparente fluxo de informações de inteligência indicando que a extrema direita estava tentando usar os protestos como oportunidade para atacar as forças policiais e semear a desordem, o FBI, em 2 de junho, ainda não tinha certeza se o ataque em Oakland estava ligado às manifestações. “Neste momento, o FBI não tem condições de determinar se o incidente está relacionado à agitação civil na região de Oakland”, observou o órgão num extenso relatório de situação. A prisão de Carrillo ainda seria dali a quatro dias.
Na esteira da declaração de Barr sobre os Antifa, o FBI observou que seus escritórios de campo tinham sido “encorajados a angariar fontes de informações de inteligência associadas a atividades extremistas violentas ou ilegais”. O órgão acrescentou ainda que “qualquer tentativa das forças de segurança de deter indivíduos” portando abertamente armas de fogo nos protestos, ou uma atuação mais intensa da Guarda Nacional, poderia atrair ainda mais milícias antigoverno para as ruas. O relatório de 16 páginas do FBI não citava pelo nome o movimento Boogaloo, nem qualquer um dos tantos outros grupos extremistas domésticos da extrema direita americana. Por outro lado, mencionava com destaque os Antifa e os anarquistas mais de meia dúzia de vezes.
Em Newark, no estado de Nova Jersey, a polícia e os investigadores do FBI identificaram um “indivíduo possivelmente relacionado aos ‘Antifa'” que foi preso por portar uma faca, uma machadinha e um vidro de gasolina. Embora as acusações contra o homem não fossem claras, o FBI relatou que teria “obtido um de seus posts de Facebook que continha um vídeo dele nos protestos incitando outros a saquearem lojas enquanto ele vigiava”. Uma vez que ele se descrevia como “antigoverno e antiautoridade”, o FBI relatou que seu escritório de Newark “acredita que o perfil seja condizente com os ‘Antifa'”. Enquanto os agentes o investigavam em Newark, o escritório de campo do FBI em Spokane, Washington, estava atrás de um “grupo antifa” que estaria se dirigindo a Minneapolis passando por Idaho. Em Denver, enquanto isso, o FBI investigava a suposta transferência de “materiais que incitam a violência” para “membros antifa”, e, na Filadélfia, as autoridades estavam “tentando confirmar se algum dos indivíduos presos pelo Departamento de Polícia da Filadélfia tinha filiação ‘Antifa'”.
O quadro que o FBI pintou do país era caótico, com mais de trinta equipes da SWAT em diferentes situações de destacamento. O relatório indicava “diversos tiroteios envolvendo policiais” nas 12 horas anteriores à sua distribuição, incluindo o assassinato de um policial em Las Vegas e um “assaltante” que teria disparado contra agentes de polícia e uma patrulha da Guarda Nacional no Kentucky. Cerca de 200 pistolas e rifles haviam sido roubados de pontos em São Francisco e Albuquerque, no Novo México, relatou o FBI; ainda não se sabia por quem.
Embora diversos grupos tivessem sido ligados aos tumultos, o FBI observou que “boa parte da violência e do vandalismo são praticados por atores individuais oportunistas, que agem sem orientação específica”. A despeito disso, o órgão pretendia “continuar a agressivamente (…) buscar corroborar se de fato existe um esforço organizado para incitar violência, seja por grupos criminosos conhecidos ou extremistas violentos domésticos”, o que aparentemente incluía verificar “informações de inteligência não confirmadas sobre a alegada participação de grupos socialistas da Venezuela e da Nicarágua”. Segundo o relatório, que menciona mais de 4 mil prisões em todo o país, o FBI classificou quase 200 incidentes como “ameaças relacionadas a protestos” e estava investigando 40 “casos associados a protestos violentos”.
Com a histeria antifa de Trump em Washington, D.C., relatos de esquerdistas à espreita começaram a aparecer por toda parte. No Colorado, um morador de Denver relatou ter seguido até seu condomínio de apartamentos uma “pessoa suspeita”, que parecia estar tentando colocar fogo no edifício. “Tenho quase certeza de que ele é membro de algum grupo tipo Antifa”, escreveu o morador, acrescentando que havia “dois esconderijos antifa no nosso quarteirão”. “Eu sei disso porque eles passam na frente da nossa casa dizendo que podem oferecer abrigo, comida, suprimentos etc. E também porque eles se escondem embaixo da nossa varanda quando o carro da Swat passa, e ficam discutindo seus planos e aonde vão. Eles têm um número de telefone central e ligam para se atualizar e saber para onde devem ir”, disse o morador. “Por favor, cortem essa merda pela raiz. É a segunda vez em dois dias que alguém tenta colocar fogo no nosso prédio/nos prédios da vizinhança. Tirem esses terroristas da nossa cidade, por favor!”
“Por favor, cortem essa merda pela raiz. É a segunda vez em dois dias que alguém tenta colocar fogo no nosso prédio/nos prédios da vizinhança. Tirem esses terroristas da nossa cidade, por favor!”
O Centro de Análise de Informações do Colorado, CIAC, uma central de informação policial, listava o tipo de atividade descrita na reclamação como “terrorismo”. Procurado pelo Intercept, o CIAC não se manifestou sobre o assunto.
Não eram apenas os moradores que se preocupavam com os Antifa. O CIAC também recebeu uma solicitação do Departamento do Xerife do Condado de Douglas em busca de “informações sobre a ANTIFA, e a possibilidade de atos visando a nossa área de operações”. Em Nebraska, estado vizinho, o escritório do FBI em Omaha estava verificando informações que indicavam que “um indivíduo não identificado, que alegava ser um membro da ANTIFA” teria publicado um anúncio no Craigslist oferecendo “pagar $25 por hora para até 1.000 indivíduos, para ‘causar o máximo de caos e destruição possível'” em “protestos noturnos violentos”. No estado da Virgínia, o FBI avisou que faixas pretas pintadas em edifícios federais eram um sinal de que vandalismo antifa poderia vir a ocorrer.
Por todo o país, da Califórnia ao Texas e à Virgínia Ocidental, agentes de segurança investigavam pistas e buscavam perseguir instigadores antifa. Os documentos publicados pelo BlueLeaks sugerem que alguns departamentos de segurança pública estariam obcecados em retratar dissidentes antifa, anarquistas e de esquerda como uma séria ameaça terrorista. No início de junho, o Departamento de Segurança Interna e Planejamento do estado de Nova Jersey, NJOHSP, emitiu um relatório de duas páginas detalhando como observadores do National Lawyers Guild, uma associação progressista de advogados e defensores públicos, atuante desde a década de 1930, e que envia representantes para monitorar a atividade policial em protestos públicos, seriam na verdade “um subgrupo anarquista extremista”.
“Os ‘advogados’ podem ser identificados por seus chapéus ou roupas verdes neon; no entanto, esses indivíduo [sic] podem ou não ser advogados registrados”, advertiu o departamento. “Seu papel é registrar informações sobre as interações de membros da Antifa durante uma prisão. Esse indivíduo grava a interação com a ajuda de outro integrante, enquanto anota informações. O ‘advogado’ também obtém informações sobre as autuações, e são famosos por discutir com a polícia sobre prisões e interações”.
O escritório de Nova Jersey relatou que os antifascistas estariam empenhados em se infiltrar em protestos relacionados ao assassinato de George Floyd pelo policial Derek Chauvin, em Minnesota, “para promover sua ideologia violenta” e “continuar a atacar as instituições do Governo; usar táticas de protesto violentas contra grupos adversários, incluindo agentes de segurança; e atingir figuras políticas que representem opiniões divergentes”.
Essa não foi a primeira vez que o departamento de segurança interna de Nova Jersey voltou olhares desmedidos para membros da esquerda. Em um relatório de 2018, o departamento elaborou uma tabela com as maiores ameaças terroristas ao estado. Os extremistas anarquistas estavam em terceiro lugar, na seção “moderada”, abaixo da Al Qaeda na Península Arábica, mas acima do Estado Islâmico. Anarquistas voltaram a entrar na lista em 2019, dessa vez subindo para a segunda posição, logo abaixo de “Extremistas Violentos Domésticos”. Eles caíram para o terceiro lugar em 2020, no entanto, quando “Extremistas Supremacistas Brancos” finalmente chegaram às primeiras posições da lista, depois de vários séculos de terrorismo organizado e assassinatos.
O Intercept perguntou ao NJOHSP sobre os motivos para considerar os anarquistas uma ameaça à segurança pública maior do que grupos terroristas que já mataram milhares de pessoas, e se o departamento já teria colaborado em investigações sobre observadores externos. O departamento respondeu que “não revela detalhes e fontes operacionais ou de investigação”.
As centrais de informação governamentais que produzem o tipo de “inteligência” encontrado no vazamento BlueLeaks têm sido um problema há anos, considera Freddy Martinez, um analista de políticas na organização Open the Government [Abram o Governo], um coletivo apartidário e sem fins lucrativos que trabalha para desvendar o sigilo governamental pós-11 de setembro por meio de pesquisa e coleta de arquivos públicos. Martinez foi um dos autores de um relatório publicado no início deste ano detalhando como a rede bilionária de centrais de informação do governo “exibe um padrão persistente de violação da privacidade e das liberdades civis dos americanos, produzindo informações pouco confiáveis e ineficazes, e resistindo aos padrões de prestação de contas para órgãos públicos”.
Os documentos do BlueLeaks mostram que os problemas com as centrais de informação vão além da eficiência, argumentou Martinez. “Seria fácil dizer apenas que as informações são imprecisas, erradas, caras – o que eu considero verdade –, mas elas também descrevem de alguma forma quais são as prioridades do governo federal no combate ao terrorismo”, disse ele. “O governo está ciente do que estão fazendo. Está intencionalmente dizendo: ‘Bem, vamos criminalizar a dissidência de toda forma possível’”.
German, o ex-agente do FBI, descreveu como relatórios sensacionalistas, incompletos ou tendenciosos vindos das centrais de informação pode ter um impacto perigoso na prática, particularmente em situações complexas e inflamadas durante protestos. “Eu sempre tento ler os relatórios me colocando no lugar de um jovem policial que não sabe nada sobre esse assunto”, disse ele. “Tudo o que eles me dizem é que devo ter muito medo destas pessoas e imaginar o pior em tudo o que elas fazem”.
“Conseguimos entender por que a ação deles é tão agressiva e violenta”, disse ele. “Eles estão mortos de medo, e estão assim porque há uma câmara de eco na mídia de direita, nas declarações da Casa Branca e, infelizmente, na inteligência policial”.
Identificando o Inimigo
Enquanto os agentes de segurança se esforçavam para encontrar casos que reforçassem a imagem da ameaça antifa retratada pelo procurador-geral, surgiram diversas provas, no fim de maio e início de junho, de que extremistas de direita estariam acumulando armas, planejando ataques terroristas e matando policiais.
Em Denver, o CAIC relatou uma apreensão policial de “vários fuzis de assalto ao estilo militar em um veículo ocupado por um grupo de indivíduos auto-identificados como antigoverno, que se denominam ‘Boogaloo Bois'”, perto de um protesto em 29 de maio. O relatório, que começava observando que um blog anarquista teria se referido aos policiais como “porcos” e incluído fotos do “A” anarquista grafitado em edifícios, listou oito exemplos de radicais de extrema direita em todo o país “ameaçando veementemente praticar violência contra os protestos recentes”, incluindo o compartilhamento de imagens de estoques de armas e dicas sobre como sabotar veículos policiais, neonazistas encorajando seus semelhantes a “se vestirem como policiais e se filmarem agredindo pessoas negras” e convocações para a formação de pequenas “equipes” que estariam “dispostas a derramar sangue”.
Relatórios semelhantes começaram a surgir entre as forças policiais de Minneapolis e de Austin, no Texas, onde analistas de inteligência emitiram um boletim aconselhando policiais a procurarem três jovens trajando uniforme tático, detidos “em posse de dois fuzis AR, um fuzil AK, duas pistolas e centenas de munições, bem como máscaras de gás”. Os homens deram “declarações conflitantes sobre onde haviam estado e o que estavam fazendo em Austin”, informou o Centro Regional de Inteligência de Austin. “Buscas nas redes sociais mostraram opiniões favoráveis aos Boogaloo Bois, um movimento antigoverno, bem como várias outras opiniões contrárias à polícia”, descrevia o relatório, acrescentando que na página do Facebook de um deles havia um post dizendo que ele não “esperava estar aqui no ano que vem” e outros comentários dando a entender que “ele poderia agir contra” as forças policiais.
Em 4 de junho, os militares americanos opinaram sobre os protestos por meio de um relatório publicado pelo Serviço Naval de Investigação Criminal (NCIS), observando que promotores federais tinham “acusado três homens ligados ao grupo Boogaloo de crimes de terrorismo” com intenção de “desencadear violência” em protestos relacionados à morte de Floyd. Como Carrillo na Califórnia, os três homens – o veterano da Marinha Stephan Parshall, o reservista do Exército Andrew Lynam, e o veterano da Força Aérea William Loomis – tinham relações com as forças armadas dos EUA, apontou o NCIS, acrescentando que havia publicado uma “Mensagem de Alerta de Ameaça” sobre o movimento Boogaloo no início deste ano.
“Movimentos extremistas violentos com motivação racial (RMVE) vinculados ao Boogaloo têm se envolvido em discussões conceituais sobre o recrutamento de integrantes militares ou ex-militares por seus supostos conhecimentos em treinamento de combate”, afirmou a agência de investigação naval. “O NCIS não pode descartar a possibilidade de indivíduos ligados ao Departamento de Defesa serem apoiadores ou integrantes do movimento Boogaloo”.
Uma série de detalhes em torno das prisões de Nevada se relaciona a uma longa história de extremismo militante de extrema direita nos Estados Unidos, explicou Kathleen Belew, professora de história da Universidade de Chicago e autora do livro “Bring the War Home: The White Power Movement and Paramilitary America” [Traga a guerra para casa: o movimento de poderio branco e a América paramilitar]. Os promotores do caso alegam que antes de visarem um protesto do movimento Vidas Negras Importam, em Las Vegas, os três homens discutiram um potencial ataque contra instalações da Represa Hoover. Segundo Belew, a represa é vista como alvo no imaginário coletivo da extrema direita há décadas, incluindo os extremistas ligados ao terrorista de Oklahoma City, Timothy McVeigh. “Isso é muito antigo”, disse Belew ao Intercept. “Não apenas existe um movimento social que esteja tentando matar policiais, danificar infraestrutura e atacar manifestantes – mas é um movimento que vem tentando fazer isso há décadas, talvez há gerações, sem enfrentar grande oposição dos nossos tribunais, da nossa polícia, dos nossos militares, e do nosso Executivo”.
Os documentos vazados, que mapeiam as ações das forças de segurança contra grupos Antifa em contraste com as ações contra grupos como o Boogaloo Bois, refletem uma perigosa tendência americana de estabelecer equivalências, defende Belew. “Muitas pessoas sensatas levam consigo, como parte da forma como aprendemos sobre o funcionamento da política, essa ideia de que há dois lados em tudo”, disse ela. “É uma crença profundamente enraizada em nossa cultura, e há um conjunto histórico de razões pelas quais pensamos sobre política dessa maneira, mas este não é realmente um caso em que existem dois lados equivalentes das coisas”.
Os documentos vazados, que mapeiam as ações das forças de segurança contra grupos Antifa em contraste com as ações contra grupos como o Boogaloo Bois, refletem um perigoso impulso americano de estabelecer equivalências.
“Neste caso há uma longa lista de baixas provocadas pelo movimento de supremacia branca, que declarou guerra contra o país”, disse ela. “E há, me parece, um movimento social bastante localizado de pessoas que se opõem a ele, mas que não atacaram civis, não atacaram infraestruturas, nem tentaram derrubar o país”.
Com a pandemia ainda em curso, o aumento do desemprego, os maiores protestos por direitos civis vistos em gerações, e a eleição presidencial que se aproxima, o país está enfrentando um conjunto de problemas concatenados que elevam o risco de violência da extrema direita, observou Belew. “Estamos sem um mapa, em vários aspectos”, disse ela, e embora os historiadores sejam orientados a não fazer previsões, ela acrescentou: “devo dizer que, como alguém que estuda isso há mais de uma década, eu nunca estive tão preocupada”. O que é particularmente preocupante, argumenta, é que os registros históricos mostram uma clara ligação entre guerras no exterior e a crescente violência da direita no país – o livro de Belew traça essa história desde a guerra do Vietnã até movimentos de milícias da década de 1990. Uma vez que o país está em guerra há quase duas décadas, um contra-ataque não é uma questão de “se”, mas sim de “quando” e “como”. “Este conjunto de condições é muito, muito preocupante para as pessoas que estão preocupados com a violência do poderio branco”, disse Belew.
Em 6 de junho, o FBI divulgou outro relatório de situação detalhando o estado dos protestos em todo o país. Embora Barr e Trump tenham culpado uma rede obscura de agitadores esquerdistas por coordenar os protestos, o FBI continuou a avaliar que a “maior parte da violência e do vandalismo” parecia “oportunista” em sua natureza. Com mais de 13.600 prisões em todo o país, o FBI informou que o Departamento de Justiça havia acusado 70 indivíduos de crimes de competência federal, a maioria deles envolvendo danos ao patrimônio e atividades ilegais que envolviam a travessia de fronteiras estatais. A Agência de Álcool, Tabaco, Armas de Fogo e Explosivos havia relatado 81 assaltos envolvendo furto de armas, observou o FBI, levando a “uma perda estimada de 1.116 armas de fogo”, bem como “876 incêndios registrados” e “76 incidentes com explosivos”.
Embora o relatório do FBI tenha observado que “extremistas de direita e anarquistas” poderiam estar envolvidos em esforços para “incentivar ainda mais a violência”, mais uma vez apenas o movimento Antifa foi mencionado pelo nome. Em determinado ponto, o FBI sugeriu que vídeos de policiais exibindo o sinal de “OK”, frequentemente usado por nacionalistas brancos e pela extrema direita, poderiam, na verdade, fazer parte de um plano da esquerda para difamar a polícia. “Alguns manifestantes e possíveis membros ‘ANTIFA’ tentaram enganar os policiais, para que fizessem o sinal de ‘OK’ com as mãos”, informou o FBI. “Esses indivíduos planejam fotografar os policiais e usar as fotografias como propaganda para desacreditar os policiais”.
Com a eleição a quatro meses de distância, o governo Trump avançou em um esforço aparentemente coordenado para ligar o nebuloso movimento Antifa a atos de violência cometidos pela extrema direita.
Em 26 de junho, a Fox News publicou um artigo de opinião de Ken Cuccinelli, vice-secretário do DHS, observando que Patrick Underwood, o agente de segurança do tribunal federal assassinado em Oakland, também era um homem negro cuja vida importava. Cuccinelli deu a entender que sua morte havia sido ignorada porque ele era integrante das forças policiais. Jornalistas que acompanham o DHS de perto logo apontaram que Cuccinelli deixara de mencionar que o homem acusado de matar Underwood estava ligado ao movimento Boogaloo, fato sobre o qual o líder do DHS e o governo não se pronunciaram publicamente. Cuccinelli, por sua vez, deixou bem claro quais atores considera responsáveis pelos tumultos no país, em um tweet de 5 de junho, enquanto sua própria agência acionava alarmes internos sobre a extrema direita e a família de Underwood ainda estava de luto: “O silêncio deles é ensurdecedor. Cidades em toda a América queimam nas mãos de Antifas e anarquistas, enquanto muitos líderes políticos se recusam a chamar a coisa do que realmente é: terrorismo doméstico”.
No mesmo dia em que o artigo de opinião de Cuccinelli foi publicado, Barr enviou um ofício aos funcionários de alto escalão do Departamento de Justiça anunciando a criação de uma nova “Força Tarefa contra Extremistas Violentos Antigoverno”. No ofício, o procurador-geral defendeu que tanto os Antifa quanto o movimento Boogaloo “representam ameaças constantes de ilegalidade”. Barr compareceu a uma mesa-redonda sobre policiamento no Arkansas na semana passada, e disse que mais de 150 pessoas foram acusadas em relação aos protestos recentes em âmbito federal. As Forças-Tarefa Conjuntas contra o Terrorismo, JTTFs, que reúnem agentes do FBI e autoridades locais e estaduais, atualmente conduzem mais de 500 investigações, acrescentou Barr, direcionadas a “provocadores de peso”.
“Estamos desenvolvendo inteligência sobre esses provocadores”, explicou Barr, observando que as JTTFs, que eram “anteriormente usadas de fato contra [ameaças] Jihadi auto-radicalizadas”, estão “agora voltadas para grupos como os antifa e os boogaloo bois, e outros envolvidos nessa atividade”.
Shamsi disse que o governo Trump estava usando os Antifa como “isca política”.
“É muito perigoso quando a maior autoridade de segurança do país emprega todo o peso de rótulos de terrorismo vagos e excessivamente amplos, e de autoridades de vigilância e investigação, com objetivos políticos”, disse ela. “Não é de surpreender, diante do que temos alertado ao longo dos anos, que as autoridades estejam sendo usadas de formas profundamente problemáticas. São órgãos policiais envolvidos em investigações discriminatórias não justificadas e estigmatização tendenciosa, o que por sua vez produz informações imprecisas ou pouco confiáveis, que são então usadas por outros órgãos locais, estaduais e federais em diversos contextos. Esse é o problema das JTTFs e das centrais de informação, e da infraestrutura pós-11 de setembro em sua essência”.
Mark Bray, historiador e autor do livro “Antifa: o manual antifascista”, diz que, levando em conta todo o discurso governamental sobre Antifa, ficou pouco impressionado com a profundidade da pesquisa feita pelo governo Trump sobre o esforço de várias gerações para combater o fascismo em âmbito internacional. “O que me chamou a atenção é que, entre as fontes citadas, não há nenhum livro”, disse Bray ao Intercept, depois de avaliar os documentos das centrais de informação de 2016 e 2017 que tentavam explicar o movimento Antifa para as forças policiais. “A maior parte da pesquisa parece ter vindo de alguém que passou um fim de semana pesquisando no Google”, disse Bray.
Não é difícil perceber por que um governo como o de Trump se concentraria nos Antifa como alvo das forças policiais, segundo Bray. “O fato de que se trata de uma política de coalizão da esquerda radical, que não tem uma organização unificada específica, significa que, a partir de uma leitura muito rasa do que seja o Antifa, você pode basicamente definir toda a esquerda radical como mais ou menos Antifa. E, considerando que existe uma ampla identificação com a política do antifascismo, para além da filiação a um grupo específico, é possível perceber como isso pode ser útil”, explicou ele. “Eu acredito que isso seja certamente parte da equação e tenha feito parte da motivação”.
Embora a ameaça de Trump de classificar os Antifa como organização terrorista não tenha se concretizado por relevantes motivos jurídicos e logísticos, German pensa que esse nunca fora realmente o objetivo. “Eles sabem tão bem quanto qualquer pessoa, porque não são estúpidos, que não existe uma organização chamada Antifa”, disse o ex-agente do FBI. “O que eles estão dizendo é um absurdo, mas estão usando Antifa como um guarda-chuva para justificar a violência de militantes e justiceiros contra esses grupos, e também a violência policial contra esses grupos. Eles estão identificando um inimigo – e é isso que é muito perigoso”.
Em uma carta para os diretores da CIA e do FBI na terça-feira (14), os deputados do Partido Democrata Raja Krishnamoorthi, de Illinois, e Peter Welch, de Vermont, ambos membros do Comitê de Inteligência da Câmara, solicitaram informações sobre a disseminação de informações falsas sobre os Antifa. O gabinete de Krishnamoorthi se manifestou em uma declaração enviada ao Intercept, na manhã de quarta-feira (15): “A prevalência da desinformação sobre reuniões e ‘invasões’ falsamente divulgadas como Antifa coloca em xeque a forma como as forças de segurança federais, estaduais e locais estão combatendo e verificando as fontes desses rumores. Nosso inquérito parlamentar pretende explorar mais a fundo o envolvimento das centrais de informação na possível exacerbação desses rumores, que aparentam ter a intenção de fomentar o medo e a desunião nas comunidades locais em todo o país”.
O governo Trump já se beneficiou, para fins políticos, das supostas ameaças que ressoam pelos meios de comunicação conservadores, e os efeitos disso na segurança pública foram trágicos e desastrosos. Durante as eleições intercalares de 2018, o presidente aproveitou a suposta ameaça de caravanas migratórias vindas da América Central em direção ao norte como um sinal de que a esquerda descontrolada estava destruindo o país. Terroristas domésticos de extrema direita usaram o discurso da invasão de imigrantes para justificar ataques contra mexicanos e judeus no Texas e na Pensilvânia, que mataram dezenas de pessoas.
Durante um discurso de 4 de julho na Casa Branca, Trump, para honrar o exército americano e afirmar seu compromisso de proteger monumentos à Confederação, descreveu forma como seu governo está atuando à medida que as eleições de 2020 se aproximam e os protestos continuam em todo o país. “Estamos, agora, no processo de derrotar a esquerda radical, os marxistas, os anarquistas, os agitadores, os saqueadores, e pessoas que em muitos casos não têm absolutamente nenhuma ideia do que estão fazendo”, disse ele.
German, que prestou depoimento recentemente perante legisladores do Oregon sobre o persistente problema da infiltração de supremacistas brancos em órgãos de policiamento, disse que é fundamental entender como a linguagem do presidente será interpretada em diversos recantos da comunidade de agentes de segurança pública.
“Este discurso, reforçado pelo procurador-geral, chega a ouvidos receptivos – a rede de inteligência policial há muito tempo vem demonizando anarquistas e manifestantes contra a violência policial, tratando-os como uma ameaça mais perigosa”, disse ele. “Nós vimos a forma como a polícia respondeu à desobediência civil não-violenta em Standing Rock ou em Ferguson, que se opõe à abordagem passiva que usaram em uma série de protestos violentos de supremacistas brancos. Eles são claramente capazes de regular seu comportamento. Por que eles optam por não fazer isso quando lidam com grupos que se opõem a violência policial é o que me parece que os governos locais precisam entender”.
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