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Um documento interno pousou em abril passado na mesa da ministra da Mulher, Família e Direitos Humanos, Damares Alves. A papelada levantava a suspeita de que a Secretaria Nacional da Juventude, subordinada a Damares, estava usando o dinheiro de um projeto do governo para pagar bolsas a funcionários e pessoas ligadas ao ministério.
Tivemos acesso ao documento através de uma fonte que não quer ser identificada por temer represálias. É uma nota técnica elaborada pela Assessoria Especial de Controle Interno da pasta, a partir de uma denúncia anônima, e que aponta indícios de irregularidades nos pagamentos derivados de três convênios que, somados, custaram R$ 21,3 milhões aos cofres públicos desde 2013.
A assessoria de Controle Interno não deixou dúvidas sobre o problema que havia encontrado: afirmou que uma análise preliminar apontou indícios de que os bolsistas eram escolhidos “em processos seletivos com pouca ou nenhuma publicidade e transparência”.
Assim, fez algumas recomendações à ministra. Damares deveria encomendar à Controladoria-Geral da União, a CGU, uma auditoria sobre os acordos ligados ao projeto e mandar suspender as contratações de bolsistas e quaisquer outros pagamentos até que se finalizassem as investigações.
Damares prometeu que seguiria as duas orientações, mas cumpriu só a primeira. Chamou a CGU para apurar o caso, num ofício em que pede ao ministro Wagner Rosário uma auditoria para “tomar as medidas corretivas que se fizerem necessárias”. A medida que cabia a ela mesma, porém, a ministra nunca tomou. As contratações dos bolsistas continuaram até o dia 15 de junho, e os pagamentos também foram mantidos normalmente.
Na primeira semana de agosto, enfim, a CGU, um órgão que fiscaliza a administração federal, entrou no caso. Quatro dias depois, a chefe da secretaria da Juventude, Jayana Nicaretta, foi exonerada do cargo. A publicação saiu no Diário Oficial da última terça-feira, 11, mas é retroativa ao dia 7. Na véspera, Damares havia feito um discurso dizendo que a assessora era vítima de ataques e que iria protegê-la.
A CGU irá investigar problemas ocorridos desde o governo Temer em acordos fechados pela Secretaria Nacional da Juventude com o Instituto Brasileiro de Informação em Ciência e Tecnologia, o Ibict, para um programa chamado de Sinajuve, o Sistema Nacional da Juventude. Dessa confusão de siglas, o que é relevante é que a secretaria de Damares usa o Ibict para pagar bolsistas que em tese trabalham na implantação do Sinajuve.
Em tese porque o pessoal responsável por controlar os gastos do próprio ministério suspeita que pelo menos parte do dinheiro das bolsas está indo parar no bolso de gente que trabalha no ministério de Damares. A área técnica não encontrou publicação de editais ou qualquer outro processo seletivo para os bolsistas e identificou “precariedade nas prestações de contas”.
Confirmamos algumas das denúncias que levaram à auditoria. Também recebemos cópias de e-mails e mensagens de três bolsistas tratando, com funcionários do ministério, de atividades sem relação com o Sinajuve. Uma delas fazia o papel de secretária na organização das escalas de plantão do final de ano da secretaria e agendava reuniões. As outras duas atendiam demandas de comunicação e de redes sociais da Secretaria da Juventude.
No documento interno do ministério, também encontramos pessoas que já tinham vínculo com o ministério quando foram contratadas. É o caso de uma dupla que recebe, desde março, dois repasses ligados ao projeto. Além da bolsa do Sinajuve, ambos são pagos como consultores numa parceria com a Unesco e embolsam mais de R$ 13 mil mensais cada um, na soma dos valores. Um deles figura como assessor da secretaria na agenda de Nicaretta pelo menos desde setembro do ano passado. Ou seja, já trabalhava para o ministério. Questionado, ele nos afirmou que esses serviços anteriores às bolsas eram voluntários – o que não é usual no serviço público.
Não estamos publicando os nomes deles, por ora, por não ser claro se agiram de má fé e sabiam do emprego inadequado do dinheiro usado para pagá-los. O controle interno do ministério apontou indícios de que vários bolsistas “prestam serviços com alguma regularidade” na própria secretaria, mas não fez uma análise caso a caso – trabalho que caberá à auditoria.
Enquanto Damares faz discursos para distrair a plateia, o dinheiro público continua vazando para os bolsistas escolhidos por critérios ocultos. Apenas em julho, 36 bolsistas do projeto continuavam recebendo pagamentos – eles custaram R$ 127,2 mil aos cofres públicos.
Pelos termos do convênio, quem administra o dinheiro é o órgão que executa o projeto, o Ibict. Procuramos o coordenador do Sinajuve no instituto, Milton Shintaku. Por telefone, ele disse que nunca foi comunicado da necessidade de suspender os trabalhos. Em nota, o Ibict também informou que não recebeu a recomendação para cortar os pagamentos.
Enquanto Damares faz discursos para distrair a plateia, dinheiro público continua vazando para os bolsistas escolhidos por critérios ocultos.
O ministério argumentou que caberia a ele apenas a fiscalização do cumprimento do projeto, apesar da verba ter saído de seu orçamento. Mesmo assim, a pasta informou que houve uma recomendação à Secretaria da Juventude para suspender a transferência de recursos ao Ibict e a contratação de bolsistas. Pedimos para ter acesso ao documento com a recomendação, mas ficamos sem resposta.
Jayana Nicaretta comentou o caso e sua demissão por e-mail. Disse que “não houve nenhum pedido para encerrar os contratos ao ministério ou à secretaria” e afirmou que a auditoria da CGU é “atividade comum dentro da gestão pública”. A ex-secretária nega, ainda, que sua saída do cargo tenha relação com esse caso. Formada em engenharia de petróleo, Nicaretta afirma que deve assumir um posto no Ministério de Minas e Energia.
Apresentamos ao Ibict, ponto a ponto, as alegações levantadas na denúncia anônima que deu origem à auditoria. Em nota assinada por Shintaku, o órgão afirmou que o documento tem “inverdades oriundas de pessoas de má fé, que utilizam-se de sua posição para gerar desconfianças” e negou irregularidades.
Sobre a falta de editais para escolher os bolsistas, o Ibict alega que esses processos seletivos não exigem edital, mas que as contratações são regidas por uma portaria interna e feitas com base em análise do currículo Lattes. O órgão afirma, ainda, que não cabe a ele “levantar biografias dos candidatos a bolsa, mas apenas verificar a capacidade [deles] de realizar as atividades de pesquisa”.
Nicaretta afirmou que os bolsistas contribuíam em atividades da secretaria por iniciativa própria. Sobre a contratação de pessoas com ligações com a pasta, ela afirmou que “em poucos casos” era preciso ter pessoas com experiência na área para trabalhar no programa, mas que todas eram qualificadas e a seleção seguiu o rito do Ibict.
Curiosamente, o ministério se calou sobre esse ponto.
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