João Filho

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O que falta para oposição criar um clima político favorável ao impeachment?

A oposição de hoje não aprendeu nada com os opositores de Dilma? O impeachment de Bolsonaro teria a vantagem de ser dentro da lei, sem forçações de barra institucionais, sem golpe.

O que falta para oposição criar um clima político favorável ao impeachment?

O que falta para oposição criar um clima político favorável ao impeachment?

Foto: Andressa Anholete/Getty Images

Em março do ano passado, Bolsonaro publicou no Twitter um vídeo pornográfico. Você se lembra do episódio Golden Shower, o primeiro grande vexame internacional de um governo com apenas três meses de mandato. Para muitos juristas, o presidente cometia ali o seu primeiro crime de responsabilidade, o que acabou motivando o primeiro pedido de impeachment protocolado na Câmara. De lá para cá, Bolsonaro protagonizou uma série de outros episódios que poderiam ser enquadrados como crimes de responsabilidade. Passado um ano após o primeiro pedido de impeachment, outros 14 crimes de responsabilidade já haviam sido cometidos.  Até os dias de hoje esse número certamente já ultrapassou a marca dos 20, mas eu já perdi as contas.

Bolsonaro já deixou claro qual é o seu projeto para o país: a dilapidação do estado e a depredação da democracia. Trata-se de um projeto até aqui muito bem-sucedido: a saúde, a educação, o meio ambiente, a cultura, enfim, todos os serviços públicos estão sofrendo um processo de desmonte gradual. Gradual, mas acelerado. Ao que tudo indica, sobrará pouco do país ao final do mandato.

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Só um impeachment poderia interromper este mandato que despreza a democracia e asfixia os que mais dependem dos serviços públicos: os mais pobres. Passados dois anos, não vemos no horizonte a possibilidade de impeachment. A principal razão para essa paralisia seria a falta de apoio do Congresso à sua aprovação. De fato, um pedido deste tipo hoje não contaria com o voto da maioria dos deputados e senadores. Faltam as condições políticas. Mas isso não justifica a paralisia da oposição. Apoio político se constrói, não cai do céu. E nada está sendo feito para mobilizar os deputados a mudarem de ideia.

O clamor pelo impedimento de Dilma começou logo após a sua reeleição. Ela contava com popularidade e uma boa base de apoio no Congresso. Mas a oposição soube criar o clima e, com a ajuda fundamental da imprensa, colocou a palavra “impeachment” com força no noticiário. As manifestações de rua foram uma consequência desse processo.

A popularidade começou a desabar, e Dilma foi perdendo aliados políticos depois de um “grande acordo nacional” ser articulado para derrubá-la. Todas as tentativas do governo de frear o aprofundamento da crise econômica foram barradas pelas “pautas bombas”. Isolada politicamente, Dilma acabou sendo derrubada por um motivo ridículo: pedaladas fiscais — algo infinitamente menos grave que todos os crimes de responsabilidade cometidos por Bolsonaro.

A oposição de hoje não aprendeu nada com os opositores de Dilma? O impeachment de Bolsonaro teria a vantagem de ser dentro da lei, sem forçações de barra institucionais, sem golpe. O que falta para nossa oposição começar a criar um clima favorável ao impeachment desse homem que vem praticando atentados sucessivos à democracia?

Rodrigo Maia tem sido muito cobrado por não dar andamento aos pedidos de impeachment, mas todos os líderes oposicionistas deveriam ser igualmente cobrados. Aceitar o impeachment agora, sem uma articulação que garanta sua aprovação, seria um vexame que fortaleceria o bolsonarismo. Era para os líderes partidários de oposição estarem à frente de uma campanha nacional pelo impeachment desde os primeiros sinais de que o presidente desrespeita sistematicamente a Constituição.

Mas sempre houve um consenso silencioso entre essas lideranças de que o ideal seria deixar Bolsonaro sangrar, perder popularidade e, assim, ficaria mais fácil derrotá-lo em 2022. Ficaria isolado com os radicais, veria a crise econômica se aprofundar e perderia apoio popular.

Milhares de mortes não estão sendo evitadas por culpa de um presidente que se recusa a guiar-se pela ciência.

Mas o cenário mudou. Preocupado com a perda de popularidade, o presidente abrigou o centrão debaixo das suas asas e conseguiu dar um certo ar de normalidade para o governo. A sangria foi estancada e hoje Bolsonaro possui uma aprovação popular espantosa (37%) para um governo que, sob qualquer aspecto que se olhe, está destruindo o país de maneira acelerada. Quase 40% dos brasileiros não reconhecem Bolsonaro como o responsável direto pelo aprofundamento da crise econômica, política e sanitária do país.

De todas as tragédias que estão nos sendo impostas, a mais grave de todas está em curso: milhares de mortes não estão sendo evitadas por culpa de um presidente que se recusa a guiar-se pela ciência. Desde o início da pandemia, Bolsonaro foi trocando de ministros da Saúde até encontrar um militar que renega a ciência e o obedece cegamente. Comandou uma intervenção militar no ministério da Saúde durante uma crise sanitária sem precedentes. Logo no início da pandemia, a Anvisa fez uma série de recomendações que o governo não seguiu. Entre elas, o órgão sugeriu que viajantes só deveriam embarcar para o Brasil mediante apresentação de um documento que comprovasse o resultado do teste de coronavírus. Não é preciso ser epidemiologista para saber que essa omissão escancarou as portas para a chegada do vírus em peso.

Quantas milhares de vidas poderiam ser poupadas se não fôssemos presididos por um político que comete sucessivos atentados à saúde pública, seja abraçando pessoas aglomeradas na rua, recomendando remédios sem eficácia comprovada, ou boicotando a vacina de todas as formas. Mesmo diante desse cenário trágico, o presidente da Câmara afirmou na semana passada que não é um bom momento para o impeachment porque a prioridade agora é o combate à pandemia. É como se as omissões de Bolsonaro não fossem o principal entrave para o combate ao vírus.

Há quem diga que Bolsonaro deve continuar até o fim por uma questão pedagógica: o povo precisaria sofrer as consequências dos seus votos e criar maturidade democrática. Eu concordaria se este fosse apenas um mau governo, mas estamos falando de uma tragédia sem precedentes em curso. A sua permanência tem um custo alto para a democracia. Um custo que aumenta à medida que o tempo vai passando. Vale a pena pagá-lo? Eu tenho certeza que não. Na prática, o impeachment de Bolsonaro salvará vidas.

Esperar 2022 para salvar o país é um risco tremendo. Se, na melhor das hipóteses, Bolsonaro não for reeleito, nós já sabemos o que irá acontecer: ele acusará fraude nas eleições e usará a máquina do estado para impedir que outro assuma seu lugar. Já está escrito nas estrelas. Bolsonaro consegue ser ainda mais antidemocrático que Donald Trump, e nossa frágil democracia talvez não seja capaz de suportar esse tranco como foi a norte-americana.

Quem passou o mandato fustigando o povo contra os demais poderes e chegou a decidir que mandaria tropas para o Supremo não deixará de criar empecilhos se perder o cargo nas urnas. Quanto mais tempo demorar o impeachment, menos estado e menos democracia vão sobrar para a próxima eleição.

JÁ ESTÁ ACONTECENDO

Quando o assunto é a ascensão da extrema direita no Brasil, muitos acham que essa é uma preocupação só para anos eleitorais. Mas o projeto de poder bolsonarista nunca dorme.

A grande mídia, o agro, as forças armadas, as megaigrejas e as big techs bilionárias ganharam força nas eleições municipais — e têm uma vantagem enorme para 2026.

Não podemos ficar alheios enquanto somos arrastados para o retrocesso, afogados em fumaça tóxica e privados de direitos básicos. Já passou da hora de agir. Juntos.

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