A patient arrives at the 28 de Agosto Hospital in Manaus, Amazon State, Brazil, on January 14, 2021, amid the novel coronavirus, COVID-19, pandemic. - Manaus is facing a shortage of oxygen supplies and bed space as the city has been overrun by a second surge in COVID-19 cases and deaths.

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Não há mais jatinhos para salvar os endinheirados de Manaus que voam em busca de oxigênio

Voos para pacientes em busca de oxigênio chegam a custar R$ 162 mil. Mas não há vagas.

A patient arrives at the 28 de Agosto Hospital in Manaus, Amazon State, Brazil, on January 14, 2021, amid the novel coronavirus, COVID-19, pandemic. - Manaus is facing a shortage of oxygen supplies and bed space as the city has been overrun by a second surge in COVID-19 cases and deaths.

A crise do coronavírus

Parte 144


Em abril, quando o sistema de saúde no Amazonas entrou em colapso pela primeira vez, faltaram leitos nos hospitais, vagas nas UTIs e covas nos cemitérios. Mas os melhores hospitais do país seguiam apenas um táxi aéreo de distância. Até essa semana.

Na quinta, entrei em contato com cinco empresas do Amazonas que transportam pacientes para outros estados e nenhuma tinha aeronaves disponíveis. “Está muito complicado”, me disse um funcionário de uma das empresas de táxi aéreo com quem falei. “Não vou conseguir atender. Amanhã estoura a jornada de trabalho dos pilotos e estou sem outra tripulação para substituir”, me disse outro. Uma das empresas informou só ter vagas para terça-feira. O preço do transporte de Manaus para São Paulo, principal destinos dos doentes, varia de R$ 105 mil a R$ 162 mil. Mas não há voos nem se você pagar mais. A fila do SUS da elite manauara é a fila do jatinho.

Situação bem diferente da vivida pouco tempo atrás, quando o ex-senador e ex-prefeito de Manaus, Arthur Virgílio embarcou em um voo privado para São Paulo assim que viu a covid-19 agravar. O tucano se internou por 31 dias no Sírio Libanês, um dos hospitais mais caros do país. Agora, enquanto pacientes morrem asfixiados na capital do Amazonas por falta de oxigênio, nem a riqueza poderia salvá-lo – faltam vagas até nas UTIs aéreas.

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No fim da tarde de quinta, enquanto eu fazia ligações, as pessoas começaram a compartilhar um vídeo do ministro da Saúde Eduardo Pazuello. Era parte do seu discurso em um evento na cidade, no dia 11. Apesar de ter nascido no Rio, Pazuello viveu a infância na capital nortista e ainda tem filha, irmã e sobrinhos morando lá. “Quando cheguei na minha casa ontem, estava a minha cunhada. O irmão [dela] não tinha oxigênio nem para passar o dia. [Eu disse] Ah, acho que chega amanhã. [Ela perguntou] O que você vai fazer? [Eu disse] Nada. Você e todo mundo vai esperar”.

A família do ministro é rica. Tem postos de combustível e também é dona de uma das mais antigas empresas de navegação do estado, fundada em 1948 pelo patriarca, Nissim Pazuello. Se está difícil até para os ricos e parentes do ministro da Saúde, imagine para os pobres.

A empresa White Martins, principal fornecedora de oxigênio para os hospitais do Amazonas, informou que a demanda está muito acima da sua capacidade. Até então, o máximo que ela havia produzido localmente era 30 mil metros cúbicos por dia. Agora, a empresa tem que produzir 70 mil metros cúbicos por dia para salvar os doentes na cidade. Para piorar, a BandNews FM descobriu que dias antes do colapso do oxigênio nos hospitais, o governo federal havia aumentado o imposto de importação sobre os cilindros usados no armazenamento de gases medicinais.

A situação em Manaus era previsível. Pesquisadores do Amazonas alertavam desde agosto para tudo que está acontecendo agora e recomendavam que o governo decretasse lockdown o quanto antes. Como mostrei no começo de outubro, parte dos dados que endossaram a ideia de que a cidade tinha chegado à propalada “imunidade de rebanho” estavam errados. Mas os especialistas não foram ouvidos.

O último alerta epidemiológico divulgado pelo cientista Jesem Orellana, da Fiocruz Amazônia, mostra que o número de leitos ocupados com pacientes confirmados ou suspeitos de covid-19 aumentou 636% desde setembro. Somente nos primeiros 12 dias de janeiro, morreram 446 pessoas. Esse número é maior do que a soma de todos os óbitos registrados em julho, agosto e setembro do ano passado–  399. Uma quinzena mortal.

Em um vídeo publicado no Instagram, o médico intensivista Anfremon D’Amazonas contou o que presenciou em uma manhã no Hospital Universitário Getúlio Vargas. A equipe, diz, teve que fazer o racionamento do pouco oxigênio disponível “de acordo com a gravidade do paciente”. Das 27 pessoas internadas, três morreram. “Os pacientes morriam e não tinha o que fazer. Você sabe que eles precisam de oxigênio naquele momento e você não tem para ofertar. A deterioração de uma pessoa sem nível adequado de oxigênio é muito rápida. A pressão começa a cair e o doente morre. Foi assustador”. Assista.

No final de dezembro, quando admitiu  tardiamente que a situação estava se agravando no estado, o governador Wilson Lima, do PSC, tentou decretar o fechamento do comércio, mas recuou após um dia de protestos pela flexibilização das atividades não essenciais. Deputados bolsonaristas como Eduardo Bolsonaro, Bia Kicis, Carla Zambelli, e o ex-ministro Osmar Terra, consideraram que o recuo do governador foi uma vitória do povo e comemoraram no Twitter.

A despeito dos deputados, duas semanas depois, dezenas de amazonenses estão chorando pelos parentes que morreram dentro dos hospitais. Eram pacientes que tinham leitos mas não tinham oxigênio. Morreram sufocados.

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