Sabendo que não poderia ser preso graças a um habeas corpus garantido pelo STF, o general Pazuello esteve à vontade na CPI para contar uma série de mentiras na tentativa de blindar Jair Bolsonaro. Não foi uma ou outra, mas um festival de mentiras inacreditáveis que só enganam aqueles que estão com os olhos vendados pela ideologia de morte do bolsonarismo. O general lançou mão da tática Chitãozinho e Xororó: negou as aparências e disfarçou as evidências.
Diante de tantas mentiras explícitas, não restou outra opção para a base governista da CPI a não ser continuar tentando encobrir suas práticas negacionistas. Pazuello e sua tropa de choque passaram os dois dias de depoimento defendendo a “negação do negacionismo”, como afirmou Renan Calheiros. O relator chegou a requisitar ao presidente da comissão a contratação de uma agência de checagem para que as mentiras pudessem ser contestadas em tempo real.
No começo do primeiro dia de depoimento, Pazuello parecia confiante e seguro no papel de guardião de Bolsonaro. Mas essa segurança foi derretendo ao longo do dia, e ele foi deixando escapar informações ruins para o presidente, como o fato de que os dois só se reuniam para tratar da pandemia a cada 15 dias. Só esse fato já confirma o desleixo e a negligência no enfrentamento de um vírus mortal que mata seus compatriotas.
A tensão acumulada durante o depoimento culminou com o general tendo um piripaque ao final do dia. Ele passou mal e teve que ser atendido pelo senador Otto Alencar, que é médico e um dos opositores mais duros do bolsonarismo nessa CPI. Aquela segurança demonstrada no início do depoimento foi para o espaço e se mostrou meramente performática — fruto do trabalho de um bom media trainer.
No dia seguinte, os senadores de oposição estavam mais preparados para o confronto. Armaram-se com vídeos, áudios e documentos para combater as falácias do general. A CPI passou a contar com uma espécie de VAR, que a cada mentira de Pazuello era acionado pelos senadores para fazer a checagem. As verdades expostas em alto e bom som jogaram o general nas cordas. A oposição derramou os fatos sobre a sua cabeça, dando pouco espaço para ele dourar suas mentiras.
Quando confrontado com áudios e vídeos de declarações do presidente que contradiziam seu depoimento, Pazuello se mostrou ainda mais tenso. O general fez uma defesa patética do presidente, beirando o inacreditável: disse que as falas mentirosas de Bolsonaro devem ser encaradas como vindas de um “agente político”, e não como declarações oficiais de um presidente da República. Segundo a tese estapafúrdia, não seria possível cobrá-lo pelas mentiras ditas nas redes sociais, já que se trataria apenas de um político fazendo política.
Pazuello garantiu aos senadores que Bolsonaro nunca falou para que ele não comprasse a Coronavac do Instituto Butantã, mas, quando trouxeram uma fala pública do presidente mandando cancelar a compra da vacina, Pazuello se saiu com essa: “Uma fala na internet não é uma ordem (…) Bolsonaro nunca falou para que eu não comprasse. Ele falou publicamente, mas para o ministério ou para mim, nunca falou”. Na prática, o ex-ministro da Saúde disse indiretamente que é normal um presidente contar mentiras que matam para a população nas redes sociais. Seria cômico se essa estratégia não estivesse sendo executada para encobrir as provas de um genocídio.
Em outro momento, Pazuello negou que o seu ministério tenha recomendado o uso de cloroquina e outros medicamentos sem eficácia comprovada. Disse que apenas garantiu a “autonomia médica” em relação ao uso desses remédios. Era mentira, claro. Documentos, vídeos e declarações aos montes comprovam que o uso do medicamento foi uma política de estado liderada pelo presidente e seu ministro da Saúde. Eles trabalharam inclusive para que os medicamentos fossem distribuídos nas Farmácias Populares em todo o país.
O senador Otto Alencar, do PSD da Bahia, fez uma série de perguntas técnicas e básicas sobre o coronavírus, que qualquer um que lidera o combate à pandemia, sendo médico ou não, deveria saber. Pazuello não conseguiu responder nenhuma delas, o que levou Alencar a concluir: “O senhor não sabe nem o que é a doença. Não sabe nada da doença. Não poderia ser ministro da Saúde, pode ter certeza absoluta”.
O senador emedebista Eduardo Braga perguntou sobre o fato do ministro não atender um pedido de intervenção federal no Amazonas feito por ele durante o auge da crise. Naquele momento o estado vivia o segundo pico da doença e sofria com a falta dos cilindros de oxigênio, o que levou muitas pessoas a óbito por asfixia. O general tentou escorregar afirmando que a decisão foi tomada numa reunião com outros ministros e que estes teriam rejeitado as justificativas para o pedido do governador. Na sequência, Randolfe Rodrigues, da Rede, perguntou se Bolsonaro estava presente nessa reunião. Pazuello, que havia omitido a presença do presidente, se viu obrigado a confirmá-la. Não assumiu que a decisão de largar o Amazonas à própria sorte foi dele ou do presidente, mas uma “decisão de governo”. Ora, quem é o governo? Muitas pessoas morreram asfixiadas no Amazonas por uma decisão direta de Bolsonaro e seus comparsas ministeriais.
Essas foram apenas algumas das mentiras contadas por Pazuello. Segundo contagem do relator Renan Calheiros, foram ao menos 15 mentiras flagrantes e incontestáveis. O debate com o negacionismo é sempre muito difícil. Quem não tem compromisso com a verdade já sai ganhando porque não há compromisso com os fatos, mas com a performance. Os negacionistas criam um mundo paralelo e ficam ali dando voltas dentro dele, jurando que a Terra é plana mesmo diante de imagens que comprovam a sua esfericidade. Não é mera ignorância ou desfaçatez. Negar a realidade é o único método possível para manter o bolsonarismo poder. Não sendo possível explicar o inexplicável, a estratégia que sobra é criar um mundo paralelo e defendê-lo até o fim.
A CPI não apresentou grandes novidades. O negacionismo e a negligência do presidente sempre estiveram escancarados nas suas declarações públicas. Mas o depoimento de Pazuello certamente causará grande desgaste político ao bolsonarismo. As quase 500 mil famílias que perderam seus parentes vivem no mundo real. Só aqueles 24% que ainda aprovam o governo acreditam nesse mundo alternativo.
Pazuello bem que tentou se safar e proteger o presidente na CPI, mas não conseguiu nem uma coisa nem outra. A verdade é a kryptonita do bolsonarismo. O depoimento do general deixou ainda mais claro que tanto ele como o presidente são os principais responsáveis pela tragédia sanitária que vive o país.
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