O desmatamento da Amazônia e do Cerrado se intensificaram de forma alarmante nos últimos anos, atrelado ao crescimento constante da agricultura. E, impulsionado em parte pela busca de retornos de investimento por parte dos americanos que colocam dinheiro em fundos de aposentadoria, esse ritmo agora promete ser ainda mais frenético.
Cientistas alertam que a provável desertificação desses biomas por conta do desmatamento, a seca em todo o continente e as grandes liberações de dióxido de carbono seriam catastróficas. Mas Jair Bolsonaro e seus aliados no Congresso implementaram políticas que visam a atrair ainda mais investidores estrangeiros a olharem para além das cinzas fumegantes da floresta tropical e se concentrarem nas oportunidades de lucros livres de impostos numa indústria de 359 bilhões de dólares – na cotação atual, algo próximo a R$ 2 trilhões.
As grandes empresas financeiras internacionais, aguardando um boom global das commodities, estão ansiosas para aumentar suas carteiras agrícolas no Brasil, líder mundial na produção de soja e carne bovina. Empresas como BlackRock, Vanguard e JPMorgan injetaram 157 bilhões de dólares (cerca de R$863,5 bilhões) em empresas diretamente ligadas ao desmatamento nos cinco anos que se seguiram à assinatura do Acordo Climático de Paris, em 2015.
Dezenas dos maiores investidores do mundo formalizaram uma parceria com o governo negacionista da mudança climática de Bolsonaro para atuar no setor agropecuário. Por meio da Climate Bonds Initiative, a CBI, uma organização financiada em parte por bancos globais, algumas das empresas mais ecológica e eticamente problemáticas do mundo foram rebatizadas como investimentos “verdes”, “sustentáveis” e “alinhados ao clima”, o que significa que fundos de pensão do tipo 401 (k) – um plano de aposentadoria americano financiado pelo empregador –, que supostamente são socialmente conscientes, poderão investir nessas empresas.
No entanto, mesmo investimentos chamados de “verdes” podem financiar mais desmatamento.
No entanto, mesmo investimentos chamados de “verdes” podem financiar mais desmatamento. A maioria dos 56% dos lares americanos que possuem ações, principalmente por meio de fundos mútuos e de índices que distribuem os investimentos por diferentes ativos, estão financiando empresas direta e indiretamente responsáveis pela destruição das florestas do Brasil, empurrando a Terra cada vez mais para perto de um apocalipse climático evitável.
A crescente influência das finanças globais nas práticas agrícolas brasileiras, processo conhecido como financeirização, pode exacerbar os problemas sociais nas regiões afetadas. Como disse a economista política da Universidade de Waterloo, no Canadá, Jennifer Clapp, especialista em segurança alimentar e sustentabilidade global: “este tipo de investimento financeiro também tem sido associado a uma expansão da produção em terras que antes não estavam sob cultivo, o que pode levar ao desmatamento, degradação do solo e perda de biodiversidade”.
Grande Agro, Grandes Impactos
Em julho de 2019, Bolsonaro considerou o ambientalismo como uma “psicose” – “só os veganos”, disse ele, estão preocupados com as questões ambientais. Enquanto isso, enormes parcelas da Amazônia estavam queimando. Os grileiros cortam as florestas ilegalmente e as queimam para convertê-las em novos pastos para o gado. Pelo menos 24.140 km2 da Amazônia foram destruídos sob os olhos de Bolsonaro, taxa muito mais alta do que as dos presidentes recentes que o antecederam.
Grandes processadores de gado como JBS, Marfrig e Minerva não rastreiam se o gado que abatem e exportam é criado em terras ilegalmente desmatadas, embora a metodologia exista para isso. A JBS, maior produtora mundial de proteína, também lidera a taxa de desmatamento de soja e gado do Brasil, medida pelo grupo ambientalista Mighty Earth, com quase 101,2 hectares desmatados de março de 2019 a março de 2021, três quartos dos quais foram classificados como “possivelmente ilegais”. Juntando-se a eles, no topo da lista, estão Bunge e Cargill, produtores de soja sediados nos EUA, que usam 80% da produção como ração animal.
Devido à negligência e a um sistema legal permissivo, os bens produzidos ilegalmente se misturam sistematicamente em cadeias de suprimentos. “Se o mercado não resolve por si só um problema, então deve haver regulamentação”, disse Gerard Rijk, equity analyst da Profundo, uma organização sem fins lucrativos que avalia os riscos de sustentabilidade nas cadeias de suprimentos internacionais. “Vemos que o mercado atualmente não está se ajustando com rapidez suficiente para ficar mais verde”.
Com Bolsonaro, os maus agentes receberam sinal verde para fazer o seu pior. No Congresso, seus aliados impulsionaram uma série de leis para aumentar o desmatamento, como um projeto de lei aprovado pela Câmara dos Deputados em agosto que permitiria que os grileiros ganhassem um título legal para terras públicas roubadas e imunidade para processos de delitos já cometidos no passado. Com um cheiro de impunidade para os grileiros, a violência decorrente de conflitos fundiários subiu aos níveis mais altos já registrados desde que o rastreamento começou em 1985, e os grupos indígenas são o alvo mais comum.
Outra legislação proposta, o Marco Temporal, invalidaria e reduziria significativamente as reivindicações de terras indígenas. É uma proposta vigorosamente apoiada pela bancada ruralista e por Bolsonaro. O volume comercial das principais ações do agronegócio aumentou drasticamente em semanas, quando esses e outros projetos semelhantes avançaram no Congresso.
As mudanças nas regras, dizem os ambientalistas brasileiros, diminuirão os riscos e aumentarão potencialmente o retorno dos investimentos nas formas mais destrutivas do agronegócio, mas com um custo social maior. “O enfraquecimento das regras sociais e ambientais no Brasil”, escreveu a Forest & Finance Coalition em uma carta aos financiadores em agosto, “dificulta o cumprimento das exigências legais atuais e propostas relacionadas à devida diligência nos mercados de exportação, como a UE e o Reino Unido”. A coalizão pediu às instituições financeiras “que se afastem dos investimentos que ameaçam as florestas e os direitos dos povos indígenas, e assim não contribuam mais para o desmatamento e as violações dos direitos humanos no Brasil”.
A maquiagem verde
Devido à pressão pública, muitos investidores e atores do agronegócio tentaram apresentar uma imagem mais “climaticamente correta”, com promessas de evitar investimentos que contribuem para o desmatamento e de mudar para opções ecológicas. Entretanto, especialistas descobriram que esses compromissos voluntários muitas vezes não vão longe o suficiente, se movem muito lentamente ou simplesmente não são seguidos.
A JBS, por exemplo, depois de ser ligada ao desmatamento e ao trabalho escravo através de fornecedores terceirizados, prometeu implementar o monitoramento da cadeia de suprimentos até 2025 – já havia se comprometido a atingir esta meta até 2011 – e caminhar para o desmatamento zero apenas em 2035. As metas não são juridicamente obrigatórias. Os principais acionistas, incluindo as empresas financeiras americanas Fidelity Management, Vanguard e BlackRock, viram a receita líquida de seus investimentos na JBS exceder 48 bilhões de dólares (cerca de R$264 bilhões) no ano passado, um recorde histórico.
Como parte de seu esforço de revalorizar sua marca como uma empresa dedicada à “gestão ambiental”, a JBS emitiu em junho uma “obrigação vinculada à sustentabilidade” de 1 bilhão de dólares (aproximadamente R$5,5 bilhões). O interesse dos investidores excedeu em muito a oferta. Esse tipo de título deveria financiar investimentos que reduzem o impacto ambiental de uma empresa, mas a JBS não mencionou o desmatamento e fez um desenho que omitia sua cadeia de suprimentos, parte da empresa que produz o maior volume de suas emissões, de acordo com o grupo ambientalista Amazon Watch. Uma análise externa encomendada pela JBS concordou em grande parte com essa avaliação e observou que a empresa não seguiu as metodologias estabelecidas.
“Estamos chamando-os de ‘títulos maquiados de verde [greenwashing]’”, disse Merel van der Mark, da organização de vigilância de desmatamento Forests & Finance, porque usam um termo do marketing para falsamente significar práticas ecologicamente destrutivas como se fossem sustentáveis.
A CBI, com sede em Londres, tenta desenvolver e promover padrões para financiamento “sustentável” ou “verde”. O grupo é financiado por muitos dos grandes investidores da indústria financeira, incluindo BlackRock, State Street Global Advisors, Citigroup, Goldman Sachs, HSBC, Crédit Suisse, Barclays e BNP Paribas.
Embora estabeleça normas e certifique algumas emissões de títulos, a CBI não verifica, nem investiga reclamações de forma independente. Os títulos certificados por ela são revisados por terceiros, comissionados pelo emissor do título. Essa configuração cria um potencial conflito de interesses semelhante ao acordo entre emissores de títulos garantidos por hipotecas e agências de classificação de crédito que ajudou a estimular a crise financeira de 2007, como informou ao Financial Times o CEO da CBI, Sean Kidney.
A JBS é o quarto maior emissor de títulos ligados à sustentabilidade na região da América Latina e Caribe, de acordo com dados da CBI. A maioria dos emissores de títulos verdes no Brasil, como a JBS, não busca a certificação CBI, e alguns não se incomodam com qualquer verificação de seus créditos verdes por terceiros, como informam os dados da iniciativa. Os termos são voluntários, não obrigatórios legalmente e, com frequência, ignoram impactos ambientais maiores para focar em métricas superficiais de sustentabilidade autodefinidas.
Vários grupos comerciais que representam a BlackRock e outros grandes investidores associados à CBI fizeram lobby contra mecanismos que impediriam a maquiagem verde e a favor dos padrões voluntários, em vez de obrigatórios. “Estamos abertos a ambas as abordagens”, disse Leisa Souza, chefe da CBI na América Latina. “É claro que não vamos dizer que tem que haver regulação e isto tem que ser feito assim ou assado, porque, mesmo considerando apenas o mercado como um todo, você sabe, a autorregulação tem funcionado muito bem”.
“É uma temporada completamente aberta. Atualmente não há uma estrutura reguladora robusta ou obrigatória para o que conta como ‘verde’ ou ‘sustentável’”, disse Adrienne Buller, pesquisadora sênior do think tank da Common Wealth. “As empresas privadas conseguem elaborar suas próprias regras e designações, e isso inclui a CBI.”
Financiamento sustentável e negacionistas climáticos
Bolsonaro tem argumentado repetidamente que a pressão internacional para proteger a Amazônia é um ataque velado de nações estrangeiras à soberania do Brasil e à sua indústria agrícola, que ele tem chamado de “o motor de nossa economia”. Simultaneamente, sua administração tem trabalhado arduamente para abrir a região ao capital estrangeiro. A CBI fez parceria com o governo Bolsonaro em seus planos de expandir a capacidade agrícola do Brasil e a infraestrutura relacionada a ela até 2030, projetando “oportunidades no valor de 163 bilhões de dólares [R$ 896,5 bilhões]”.
Em junho passado, a CBI celebrou o anúncio do governo de que pretende emitir títulos certificados por ela para financiar a construção da ferrovia do Ferrogrão, que transportará de forma mais eficiente a soja do coração agrícola para um afluente do rio Amazonas antes de ser carregada em navios para exportação – um plano que encontra a oposição de ativistas do clima e dos direitos indígenas.
Uma análise da Climate Policy Initiative enfatizou que, na ausência de intervenção governamental, o projeto aumentará drasticamente a demanda por terra na área afetada – o que provavelmente desmatará cerca de 1.931 km2 e aumentará as emissões de carbono. O projeto terá também impacto em 16 comunidades indígenas próximas. Em resposta a essas preocupações, Souza, da CBI, observou que uma proposta formal ainda não foi apresentada, portanto, eles não certificaram o projeto. “Se isso avançar, vamos considerar todos os elementos, porque, é claro, não certificaremos algo que tenha um impacto negativo.”
A CBI não compartilhou seu banco de dados de títulos verdes com o Intercept, mas nos materiais de divulgação promocionais, orgulha-se de bilhões de dólares em grandes emissões de títulos ligados à sustentabilidade de muitos dos mais notórios destruidores climáticos do Brasil – destacando uma série de gigantes da agricultura industrial.
Globalmente, o mercado de títulos “sustentáveis” atingiu quase meio trilhão de dólares este ano (R$ 2,75 trilhões). Os chamados fundos mútuos ESG – acrônimo de Environmental (ambiental), Social e Governança corporativa –, que também captam tais investimentos, ultrapassaram 2,3 trilhões de dólares (R$12,65 trilhões) em ativos.
A financeirização prejudica as pequenas fazendas
“A barreira para mudar é o acesso ao capital”, disse Horta, da The Nature Conservancy. Segundo ela, as instituições financeiras estrangeiras são a chave para salvar a Amazônia e o Cerrado, pois podem incentivar a reabilitação de terras empobrecidas e uma gestão mais sustentável da terra, fornecendo financiamento e incentivos para tais abordagens. “É bom para todos”, disse Horta, “e proporciona segurança alimentar e justiça climática porque está protegendo todos”.
Os defensores de longa data da reforma agrária veem as coisas de maneira diferente. “Nunca tivemos uma reforma agrária em larga escala”, disse Kelli Mafort, membro do comitê coordenador nacional do Movimento dos Trabalhadores Sem Terra do Brasil, ou MST. Maior movimento social da América Latina, o MST tem lutado desde 1984 por tais reformas – o desmembramento de fazendas extensas e a distribuição de terras privadas improdutivas ou terras públicas roubadas a camponeses sem terra para realizar uma agricultura orgânica, coletiva e de pequena escala.
A extensão total das 2.400 maiores fazendas – 0,04% do total – é maior do que a extensão das 4,1 milhões de pequenas fazendas juntas – 81,3% do total –, de acordo com dados recentes do governo. As fazendas familiares de pequena escala, incluindo aquelas dirigidas pelo MST, têm um papel de grande porte na produção dos alimentos que os brasileiros realmente comem, enquanto as grandes fazendas extensivas estão desproporcionalmente concentradas na monocultura de rendimento exportável, como soja e carne bovina, bem como cana-de-açúcar e milho para a produção de etanol.
Apesar das colheitas recordes, os brasileiros estão passando cada vez mais fome: 19 milhões de brasileiros não conseguiram colocar alimentos na mesa no ano passado, e mais 117 milhões – a maior parte do país – enfrentam insegurança alimentar.
Desde 2000, investidores estrangeiros compraram mais de 28.489,87 km2 de terras agrícolas brasileiras, de acordo com um relatório da Chain Reaction Research, um think tank especializado no desmatamento e nas commodities. Entre os principais compradores estão a Teachers Insurance and Annuity Association of America, conhecida como TIAA, e a Universidade de Harvard. Os principais atores agrícolas abordaram a especulação de terras pelo capital estrangeiro como um novo negócio lucrativo. Os preços das terras agrícolas dobraram e triplicaram nos últimos anos.
“É uma privatização da reforma agrária”, disse Mafort. Ela destaca a recente legislação que permite aos proprietários de terras dividirem suas fazendas em parcelas e usar os fragmentos como garantia para empréstimos, facilitando, assim, a obtenção de um empréstimo mais arriscado, mas com mais facilidade de se apropriar da garantia em caso de não cumprimento das obrigações.
As grandes fazendas receberão o dinheiro de que precisam a melhores taxas e as operações menores serão empurradas para a beira da insolvência.
“É um risco absurdamente grande para uma atividade que já é extremamente arriscada”, advertiu Anderson Belloli, diretor jurídico da Federarroz, uma associação de produtores de arroz. “A indústria a céu aberto é muito exposta a problemas climáticos e de preços.” Ao contrário da soja, o arroz é cultivado principalmente no extremo sul do Brasil por produtores relativamente pequenos e quase inteiramente para consumo doméstico. Enquanto os produtores de soja estão ganhando rios de dinheiro com suas exportações dolarizadas, os produtores de arroz estão em grande parte lutando para sobreviver.
Belloli disse que os produtores desse produto básico sempre tiveram dificuldade em adquirir crédito a taxas razoáveis. Segundo ele, como os credores governamentais, que tradicionalmente dominam o mercado, recuam e são substituídos por bancos privados, a situação só vai piorar: as grandes fazendas receberão o dinheiro de que precisam a melhores taxas e as operações menores serão empurradas para a beira da insolvência. O governo brasileiro projeta uma redução de 60% no cultivo de arroz até 2030. O feijão e a mandioca, outros produtos básicos da nação, também diminuirão.
Tradução: Anthony David Taieb
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