Uma cena chamou a atenção de quem participava do ato que reuniu dezenas de milhares de pessoas em torno do ex-presidente e pré-candidato Luiz Inácio Lula da Silva na última quarta-feira, 3 de agosto, em Teresina, capital do Piauí. Dezenas de pessoas aguardavam em fila para tirar selfies diante de um banner instagramável com a imagem de Lula, devidamente vestido com gibão e chapéu de vaqueiro. Enquanto isso, jovens com pranchetas nas mãos anotavam em folhas de papel o nome, número de WhatsApp, e-mail e CEP de quem esperava a vez.
Era a estreia de uma das ações mais inovadoras planejadas pela equipe de Lula para o começo formal da campanha pela presidência, a partir do dia 16. A ideia é agrupar centenas de milhares de pessoas comuns, sem vínculo partidário, atuação em movimentos sociais ou histórico de participação política, mas que estejam dispostas a ceder parte de seu tempo para ajudar na eleição de Lula.
Batizada #TimeLula, a campanha é inspirada em iniciativas semelhantes feitas mundo afora, em especial nos Estados Unidos. Antes de chegar ao formato final, a equipe do ex-presidente conversou com responsáveis pelas campanhas de mobilização digital de Gabriel Boric, no Chile, e Gustavo Petro, na Colômbia, além de ativistas do Equador e do México.
Mas não só. Entre os consultados está o americano Ben Brandzel, que se define como escritor, instrutor e ativista internacional na organização de militância digital no campo progressista.
Em 20 anos de atuação na área, Brandzel participou do início do MoveOn, nos EUA, ajudou a fundar a Avaaz.org – ligada à Open Society Foundation, do bilionário húngaro George Soros – e a Online Progressive Engagement Network, ou OPEN, organização que reúne grupos de ativismo digital em 19 países de cinco continentes. Hoje, a OPEN tem braços na Hungria, Nova Zelândia, Polônia, Romênia, Canadá, Israel e França, entre outros, reunindo mais de 20 milhões de colaboradores.
No Brasil, a única organização associada à OPEN é a Nossas, grupo apartidário baseado no Rio e que atua no ativismo digital em várias áreas, como defesa da Amazônia e coleta de agasalhos. No mês passado, a Nossas publicou uma foto da equipe ao lado de Brandzel.
Ele tem se reunido com integrantes da coordenação da campanha de Lula desde fevereiro, e nos últimos meses passou a replicar postagens de Twitter sobre a defesa da Amazônia e da democracia no Brasil de celebridades como os atores Mark Ruffalo e Leonardo DiCaprio.
Eu tentei conversar com Brandzel sobre sua colaboração com a campanha de Lula, mas ele não respondeu às mensagens que enviei por WhatsApp e pelo Twitter.
O que chamou a atenção da campanha de Lula foi a ligação de Brandzel com o ex-presidente americano Barack Obama. Ele coordenou as arrecadações de fundos para a Organizing for Action, a OFA, uma comunidade criada pelo político democrata, durante a campanha pela reforma do sistema público de saúde entre 2009 e 2010.
A OFA, hoje absorvida pelo Partido Democrata, sucedeu a Organizing for America, que surgiu no rastro da revolucionária campanha presidencial de Obama em 2008. Apontada como a primeira experiência relevante de uso da internet em uma disputa eleitoral, a campanha de Obama usou os instrumentos disponíveis numa época em que as redes sociais ainda não tinham a força e capilaridade de hoje para segmentar eleitores por meio do CEP e mobilizar multidões.
Ao longo daquele ano, o exército de voluntários digitais de Obama saiu da internet para atuar no mundo real em ações – consideradas vitais para a vitória eleitoral do ex-presidente – sobre temas como o incentivo ao comparecimento às urnas ou na disputa com Hillary Clinton nas prévias do Partido Democrata.
Em 36 horas, a mobilização inspirada na estratégia digital de Obama atraiu 7 mil voluntários para a campanha de Lula.
É mais ou menos isso que a campanha de Lula quer fazer, só que atendendo às necessidades e características locais. “Estamos construindo uma política de voluntários brasileira, tropical, feita para o Brasil. Não adianta tentar imitar o que foi feito pelo Boric no Chile”, me disse a coordenadora da campanha digital de Lula, Brunna Rosa.
Ela contou que decidiu lançar um formulário nas plataformas do ex-presidente logo depois do lançamento da chapa Lula-Geraldo Alckmin, em 7 de maio. Ali, as pessoas interessadas em ajudar na campanha podiam enviar dados básicos e escolher entre quatro opções de trabalho voluntário: ações de rua e conversas com indecisos, combate a fake news, coordenação de grupos no WhatsApp ou divulgação das propostas do candidato nas redes.
Em apenas 36 horas, a mobilização atraiu 7 mil inscrições. O sucesso fez acender a luz amarela: a campanha ainda não estava preparada para receber e organizar a multidão de colaboradores. Assim, foi feito um freio de arrumação.
A proposta, antes lateral, foi levada para a coordenação da campanha e ganhou apoio do próprio Lula, que nomeou Paulo Okamotto, presidente do Instituto Lula e um dos amigos mais próximos do ex-presidente, para coordenar a iniciativa. Nos próximos dias, os formulários serão divulgados com força total nas redes do ex-presidente e do PT. A expectativa é que a campanha de voluntários ganhe tração a partir do dia 15.
Um voto por dia
Uma cartilha digital que o Intercept leu em primeira mão abre o leque de formas de participação. Além das quatro opções iniciais, os voluntários também poderão produzir conteúdo próprio, compartilhar material da campanha nas redes e moderar e participar de chats e outras iniciativas online.
Os grupos, divididos por localização geográfica e características de cada voluntário, terão mentores, chamados de “técnicos” (a linguagem emula a do futebol, bem ao gosto de Lula), que vão distribuir as tarefas, conteúdos e dar as linhas políticas estratégicas. Para incentivar ,a participação os “jogadores” vão receber estrelas e “compensações simbólicas”. Por exemplo: compartilhar um card da campanha nas redes vale cinco estrelas; usar camiseta com a foto de Lula na feira conta 10 estrelas; fazer panfletagem, 20 estrelas.
O objetivo, agora, é ganhar votos. “Conquistar um voto por dia é uma grande e nobre missão. A pauta da eleição será cada vez mais frequente no nosso dia a dia. Durante uma conversa no ônibus, no trabalho, na igreja, no bate-papo com os amigos e amigas ou mesmo no almoço de domingo com a família, há oportunidades de atuação e de conquistar mais um voto”, diz a cartilha.
“A ideia é abrir um espaço para as pessoas que querem ajudar na campanha espontaneamente, sem precisar passar pela estrutura burocrática e engessada dos partidos”, me disse Okamotto. “Isso ainda vai obrigar a burocracia partidária a rever suas práticas. Precisamos trazer todo mundo, as pessoas comuns”.
Okamotto e Brunna Rosa garantiram que Ben Brandzel e outros estrangeiros ouvidos no processo de construção do #TimeLula não têm uma relação formal com a campanha. Eles disseram que o ativista norte-americano se ofereceu para ajudar espontaneamente, como pessoa física, sem a participação das organizações das quais faz parte e sem nenhum tipo de contrato ou remuneração financeira.
“O que temos feito já há algum tempo é tentar conhecer as experiências de outros países. O Ben está dentro dessa iniciativa”, afirmou Okamotto.
A área de perguntas e respostas da cartilha digital que pude ler revela que o objetivo da ação vai para além das eleições. “Quando acabar a campanha vou poder seguir ajudando? Sim. Nós vamos precisar de muito barulho nas ruas e nas redes para garantir apoio e aprovação das mudanças e leis necessárias para melhorar a vida do nosso povo. Contamos com você até o final”.
Embora o texto obviamente não cite a possibilidade de derrota de Lula, pessoas que participaram do processo de formulação da campanha dizem que a manutenção de um exército digital para se contrapor a um possível segundo governo de Jair Bolsonaro também está colocada.
O desafio é criar em poucos meses algo que o bolsonarismo construiu ao longo de mais de cinco anos: um exército digital orgânico, capaz de dar apoio no ambiente digital às iniciativas políticas de Lula e do PT.
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