João Filho

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A onda bolsonarista virou marola nestas eleições

Principais aliados pularam fora, inclusive do Centrão, e apenas uma minoria dos candidatos pelo PL colocou Bolsonaro nos santinhos.

A onda bolsonarista virou marola nestas eleições

O triunfo do bolsonarismo nas eleições de 2018 fez com que uma penca de azarões extremistas e outsiders da política fossem eleitos. O PSL, que deu guarida aos bolsonaristas, deixou de ser um partido nanico e irrelevante para se transformar em uma das maiores bancadas da Câmara. Dos 27 governadores eleitos, 12 estavam alinhados a Bolsonaro. A onda extremista tomou conta do país e levou nossa democracia para a beira do abismo.

Mas a onda acabou para os surfistas da extrema direita. Bolsonaro destruiu o país em todos os setores e governou enfiando a faca no pescoço da democracia. Ele hoje é o candidato mais rejeitado entre os presidenciáveis. Quem quis colar sua imagem na dele em 2018, agora não quer mais.

A eleição dos bolsonaristas foi marcada pelo discurso antipolítica. A rejeição ao “sistema” era a principal e melhor carta do bolsonarismo. Eles não têm mais essa carta para usar nas eleições deste ano, já que Bolsonaro se meteu em uma relação pornográfica com o Centrão em um nível de corrupção que não se viu nem nos piores momentos dos governos anteriores. Além de perder sua melhor cartada, o bolsonarismo não possui obras e realizações relevantes para mostrar ao país. Não é mais um bom cabo eleitoral e não repetirá o sucesso anterior, principalmente nas eleições para cargos executivos. A onda bolsonarista se transformou em marolinha nestas eleições.

Bolsonaro tem encontrado dificuldades em fazer com que seus candidatos a governadores utilizem sua imagem nos materiais de campanha. Diferentemente da última eleição, hoje o que não falta é candidato bolsonarista tentando descolar a imagem do presidente das suas candidaturas.

O governador do Rio de Janeiro, Claudio Castro, por exemplo, tem feito campanha nas ruas sem citar Bolsonaro nos discursos e sem usar sua imagem. O governador mineiro Romeu Zema, um bolsonarista fiel, rompeu com o presidente após deixar claro que não o aceitará em seu palanque. Bolsonaro perdeu um palanque importante no segundo maior colégio eleitoral do país e se viu obrigado a se contentar com o do seu correligionário Carlos Viana, que aparece com pouco mais de 3% das intenções de voto.

RIO DE JANEIRO, RJ, 22.08.2022 - GOVERNO-RIO: O governador do Rio de Janeiro, Cláudio Castro (PL), durante campanha eleitoral no centro da cidade, nesta segunda-feira. (Foto: Paulo Carneiro/Photo Press/Folhapress)

Candidato à reeleição no Rio pelo mesmo partido de Bolsonaro, Cláudio Castro não quer aparecer ao lado do presidente.

Foto: Paulo Carneiro/Photo Press/Folhapress


Em Goiás, Ronaldo Caiado, um antipetista ferrenho que surfou com gosto a onda bolsonarista em 2018, tem demonstrado claramente que o alinhamento ao bolsonarismo não se repetirá na campanha deste ano. Em 2018, Bolsonaro ganhou de goleada no estado goiano, batendo Haddad de 65% a 34%. Hoje, Lula e Bolsonaro aparecem empatados tecnicamente nas pesquisas. O palanque de Bolsonaro na disputa ao governo goiano será o do Major Vitor Hugo, que aparece com míseros 4% das intenções de voto. Caiado tem 48% e pode liquidar a fatura no primeiro turno.

Muitos candidatos do partido do presidente perceberam a barca furada que é o bolsonarismo nesta eleição. Vários não colocaram a imagem do presidente nos seus materiais de campanha. Um levantamento feito pelo Globo mostra que das 14 principais candidaturas do PL aos governos estaduais e ao Senado, apenas cinco citam o nome de Bolsonaro em apenas 10% de suas publicações no Facebook nos últimos 3 meses.

O PL decidiu então lançar mão de chantagem para enquadrar seus candidatos. A cúpula do partido sinalizou aos seus candidatos que irá usar as verbas da campanha como instrumento de pressão. Numa reunião realizada há poucas semanas em Brasília, ficou definido que os candidatos a cargos no Congresso Nacional e governos do estado do PL, PP e Republicanos serão monitorados. Decidiu-se que só um terço da grana será liberada para os candidatos. O resto só será liberado para quem pedir votos e usar a foto do presidente em seus materiais de campanha.

A rejeição de Bolsonaro preocupa tanto que até mesmo o PP, partido presidido pelo ministro da Casa Civil, Ciro Nogueira, entrou na justiça do Piauí para proibir a circulação de material de campanha que exiba fotos dos seus candidatos no estado ao lado de Bolsonaro. A coisa está tão feia que até os mais bolsonaristas estão fugindo do presidente como o diabo foge da cruz.

Não estou aqui decretando o fim do bolsonarismo. Bolsonaro aparece nas pesquisas com mais ou menos 35% das intenções de voto, o que não é pouca coisa. Apesar de bastante desidratado em relação à eleição anterior, ainda tem força para eleger uma base razoável de parlamentares e continuará sendo uma corrente relevante no cenário político. O presidente e sua turma saíram do PSL e foram para o PL, em que se firmou uma coligação com PP e Republicanos para a disputa da eleição.

Bolsonaro agora é o próprio Centrão e conta com uma estrutura partidária mais sólida. Mesmo encolhido, o bolsonarismo veio para ficar. Essa é uma realidade com a qual a democracia vai ter que lidar daqui para frente. Dito isso, é inegável que o desastre do governo Bolsonaro e as perdas dos principais trunfos das últimas eleições representam um forte golpe no movimento extremista. O sucesso estrondoso dos radicais de 2018 não se repetirá e isso traz um certo alívio para os que zelam pela democracia.

Os radicais orgânicos continuarão usando a imagem de Bolsonaro para se eleger. Já os candidatos pretensamente mais conservadores e mais moderados, que chafurdaram no bolsonarismo em 2018, dessa vez farão de tudo para se descolar da imagem do presidenciável mais rejeitado pela população.

Outra carta que o bolsonarismo perdeu para 2022 é a do não uso do fundão eleitoral. Nas eleições municipais de 2020, Bolsonaro declarou: “Eu estou vendo uma campanha na internet muito salutar: não vote em quem usa o fundão”. Os bolsonaristas tratavam o uso legítimo de dinheiro público como uma pouca vergonha, uma farra com dinheiro público. Foram eleitos prometendo lutar contra essa e outras práticas da “velha política”. Essa ilusão populista acabou.

Neste ano, além de sentarem no colo do Centrão, boa parte dos aliados mais próximos ao presidente fará uso do dinheiro público para pagar cabos eleitorais, panfletos e propaganda para a próxima eleição.

“Até mesmo seu filho, Eduardo Bolsonaro, que sempre foi um feroz crítico do uso de verbas públicas para bancar campanhas, agora virou o tchutchuco do fundão eleitoral.
Já embolsou meio milhão de reais do PL para usar na campanha. Na eleição anterior, Eduardo foi o deputado mais votado da história, um feito que não irá se repetir este ano.

O mesmo acontece com a deputada Carla Zambelli, cujo discurso sempre esteve marcado pelo não uso de dinheiro público em campanha eleitoral. Neste ano, porém, Zambelli já abocanhou 1 milhão de reais do fundão para turbinar sua campanha. A onda bolsonarista acabou e eles precisam de grana para investir nas campanhas e garantir suas reeleições. Diversos outros candidatos do PL próximos ao presidente já receberam de 500 mil a 1 milhão de reais do fundão.

Os ares mudaram. Imagens recentes como as de Ricardo Salles e Eduardo Bolsonaro sendo confrontados nas ruas eram impensáveis em 2018. Se antes o bolsonarismo era um ideal, uma promessa, hoje tem que fazer prestação de contas. Os outsiders não são mais outsiders, agora eles fazem parte do “sistema” que tanto combateram.

Prometeram destruir a “velha política” e o Centrão, mas acabaram por se lambuzar com as piores práticas políticas e hoje comem na mão do Centrão. Prometeram não usar verba pública nas campanhas, mas passaram a usar. Prometeram acabar com a corrupção, mas fizeram a corrupção dos governos anteriores parecerem fichinha. As contradições entre discurso e prática se escancararam e se refletem no alto índice de rejeição da extrema direita. Sabemos que cara de pau da turma é grande, mas não será mais possível levantar essas bandeiras sem passar por algum constrangimento. O bolsonarismo não morrerá, mas certamente sofrerá um duro golpe. Resta saber qual será o tamanho do estrago.

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