Xico Sá

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‘Álbum das eleições’: as figurinhas que nos levaram à desgraça

Tem cromo de Fabrício Queiroz, craque no saque na boca do caixa, do ex-juiz parcial, do coração em formol de Dom Pedro I e, claro, da mamadeira de piroca, figurinha repetida.

‘Álbum das eleições’: as figurinhas que nos levaram à desgraça

‘Álbum das eleições’: as figurinhas que nos levaram à desgraça

Ilustração: Victor Vilela para o Intercept Brasil

No país do dinheiro vivo da família Bolsonaro, o menino goiano João Gabriel, 8 anos, comoveu por carência de umas moedas para comprar os cromos do álbum da Copa. Por isso, desenhou suas próprias figurinhas. Mais grave foi caso de Miguel, 11, que discou o 190 do socorro policial para delatar um crime de fome dentro da sua própria casa, em Santa Luzia, na Região Metropolitana de Belo Horizonte.

No país da fartura de dinheiro vivo da família presidencial, qualquer troco faria a diferença para Gabriel, para Miguel e ainda sobraria para Maria na fila do osso, naquele açougue de Cuiabá, lembra? Antes que a gente esqueça, na Glória, no Rio de Janeiro, o tumulto de gente se forma até agora na espera de pelancas do supermercado. No bairro do Cocó, em Fortaleza, o corre-corre é para seguir o caminhão do lixo e tirar dali, sob o olhar piedoso dos garis, uma “sustança”.

No país do dinheiro vivo da família que promoveu o escândalo imobiliário do momento, o menino João Gabriel poderia desenhar também personagens para o álbum extraordinário e eleitoral do Brasil 2022. A começar por uma figurinha fácil: a do Fabrício Queiroz, ex-assessor do clã Bolsonaro, craque do saque na boca do caixa, candidato a deputado estadual pelo PTB carioca.

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Em tempos de PIX, este gênio das finanças chegou a pagar a sua conta no hospital Albert Einstein, em São Paulo, com R$ 133 mil em maços de cédulas. Detalhe deste cromo: o Queiroz, amigo de pescarias do presidente da República, é mais liso do que a garoupa que estampa o verso da nota de cem reais.

Uma figurinha rara para o nosso álbum seria a do coração de dom Pedro I, músculo no formol da história usado como cabo eleitoreiro bolsonarista. Categoria “extra sticker” do tipo “legends”, como a do conterrâneo sanguíneo Cristiano Ronaldo. Que sina a do jovem imperador lusitano!

Manjada desde o estouro da “nova política” em 2018, a mamadeira de piroca segue como a figurinha mais repetida também destas eleições. A chapa Lula/Alckmin tentou tirá-la de circulação. O ministro do TSE Raul Araújo, porém, liberou geral não apenas a mamadeira, mas todo o “kit gay” utilizado em peças publicitárias da propaganda de candidatos bolsonaristas. O kit, na velha fake news, seria um conjunto de livros e objetos pornográficos adotados nas escolas durante o governo Dilma Rousseff.

No país do dinheiro vivo da família presidencial, só nos resta o jogo do bafo para manter a sanidade até o dia das eleições.

Na terra do dinheiro vivo do clã patriota, o cunhado sai do álbum de família da “vida como ela é” de Nelson Rodrigues para entrar na coleção de figurinhas douradas de 2022. Segundo a reportagem de Juliana Dal Piva e Thiago Herdy, do portal UOL, o cunhado deste episódio é José Orestes Fonseca, casado com Maria Denise Bolsonaro. Jagunço, como o apelidou o presidente, foi o recordista em grana em espécie: conduziu R$ 2,67 milhões para comprar uma casa em Cajati, no interior paulista.

Vamos abrir mais um pacote. Saiu ele, o ex-juiz Sergio Moro, revelado pela série Vaza Jato deste Intercept como o meritíssimo parcial que levou o petista Luiz Inácio Lula da Silva à prisão e abriu as porteiras para a eleição do atual mandatário. Candidato ao Senado no Paraná, Moro, do União Brasil, fez um benevolente silêncio diante do escândalo. É notória a sua nova inclinação ao bolsonarismo nos movimentos de campanha na República de Curitiba.

Difícil mesmo, diria impossível, é tirar o cromo de um dono de jornal da imprensa hereditária brasileira que permita, mesmo quatro anos depois do festival de crimes contra a humanidade, definir Jair Bolsonaro, atualmente no PL, como candidato da extrema direita. A mídia do mundo inteiro o trata com o devido e apropriado rótulo. Aqui, necas, o manual de redação não permite o justo qualitativo.

No país do dinheiro vivo da família presidencial, só nos resta o jogo do bafo para manter a sanidade até o dia das eleições. O bafo, para quem não se lembra, é a brincadeira de bater em um monte de figurinhas com a mão em forma de concha. Leva vantagem o jogador ou a jogadora que conseguir revirar mais figurinhas a cada lance. Só não vale a esperteza de molhar a palma da mão com saliva. O resto vale. Até rachadinha – não a praticada pela turma do Queiroz –, mas a generosa atitude de dividir os cromos raros na roda de amizade.

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