Foi voltando de uma panfletagem a pé pelo bairro onde mora em Natal no meio de setembro que a candidata do MDB a deputada estadual Anne Marjorie sentiu-se terrivelmente só e esgotada. “Vinha pela rua escura sem ninguém e caiu a ficha: meu deus, estou completamente sozinha”, contou ao Intercept. “Não era apenas naquele momento, era para tudo. Não tenho apoio nenhum”. Logo a solidão transformou-se em pânico, e ela quase desistiu ali mesmo, mas decidiu continuar sua campanha, ainda que sem um único real.
Advogados, passagens rodoviárias e aéreas, anúncios na internet, postagens constantes nas redes sociais, fotos e vídeos bem produzidos, produção cinematográfica para o programa de TV e YouTube, impressão e distribuição de santinhos, faixas e cartazes, cabos eleitorais, pesquisas de opinião. Tudo isso custa caro, mas quase 30% dos candidatos nas eleições deste ano ainda não receberam nenhum recurso para suas campanhas – nem dinheiro público, nem privado. Das mais de 29 mil candidaturas registradas no Tribunal Superior Eleitoral, o TSE, apenas 20.896 tinham declarado o recebimento de algum recurso à Justiça Eleitoral até quinta-feira, dia 15. É o que revelam dados levantados pelo Intercept em parceria com a plataforma 72 horas, formada por especialistas na análise de dados eleitorais e organizações e movimentos da sociedade civil.
Conhecida no Rio Grande do Norte por seu trabalho como apresentadora de TV e rádio e por sua atuação na defesa de mulheres e crianças vítimas de violência doméstica, ela própria uma sobrevivente desse horror, Anne Marjorie achou que seria diferente. “Por eu ser uma pessoa com trabalho social e na mídia bem conhecidos, acreditei que o partido iria investir na minha campanha. Infelizmente, não foi o que aconteceu”, lamentou a candidata. Ela ainda não recebeu nenhuma transferência do MDB, tampouco doações. Assim, chega na reta final da campanha sem nenhum centavo.
De acordo com Marjorie, a direção do MDB havia se comprometido a enviar R$ 1 milhão a serem divididos pelos 24 candidatos a deputado estadual pelo partido – cerca de R$ 40 mil para cada um. Mas o dinheiro não chegou e, agora, a informação interna é de que não vem nada mesmo. Pior: a eleição deixa ela com dívidas. A contratação de uma contadora, obrigatória para a prestação de contas na Justiça Eleitoral, custou R$ 1,5 mil. Quando checaram o CNPJ da campanha, descobriram que a candidata ainda deve R$ 4,2 mil de impressão de santinhos produzidos à sua revelia. “O partido disse lá atrás que ia imprimir esse material, mas não disse que iria empurrar a conta para a gente e, ainda por cima, não mandar nenhum recurso”.
Agora, com a sala cheia de caixas com os 210 mil santinhos enviados pelo MDB para sua casa no início do mês e sem ter como distribuí-los a tempo da eleição, Marjorie contempla o prejuízo. “Desorganizou muito minha vida. Tive que deixar meu trabalho na TV e no rádio e parar com campanhas publicitárias, o que também me deixou sem renda todo esse período”, afirmou. A situação não é pior porque um amigo que ela contratou por R$ 2,6 mil para ajudar na produção dos vídeos de internet da campanha resolveu doar o serviço, devidamente declarado ao TSE.
A candidata conta que chegou a ser ameaçada durante uma panfletagem sozinha em um shopping da cidade, e que o homem ainda descobriu seu celular para reforçar a agressão em uma ligação pouco depois – situação em que também não teve nenhum apoio do MDB. Apesar de todas as agruras, ela acredita na chance de ser eleita e promete não desistir da política se não for.
Vaquinha de R$ 700
Até o começo da semana, tudo que a advogada e candidata a deputada distrital Thay Evangelista tinha para gastar em sua campanha eram R$ 720, arrecadados em uma vaquinha virtual organizada por amigos. Assim, vem tocando sua comunicação eleitoral exclusivamente com a ajuda de voluntários. Na segunda-feira, dia 12, finalmente chegou o dinheiro prometido por seu partido, o Avante. Mas o valor decepcionou: R$ 3 mil.
“O partido tinha prometido R$ 50 mil para cada campanha para a Câmara aqui do DF”, explicou. “Tem candidato que já declarou mais de um milhão. Assim fica difícil competir”, disse. Jaqueline Silva do Agir, por exemplo, já declarou R$ 1,2 milhão de arrecadação e R$ 700 mil de gastos em sua campanha. “Isso faz toda diferença, ainda mais em um lugar pequeno que nem o DF. Você vê a campanha dos outros na rua e você, nada”.
‘Tem candidato que já declarou mais de um milhão. Assim fica difícil competir.’
Thay diz que chamou a atenção do Avante por ser uma advogada, negra, jovem – ela tem 32 anos – e conhecida por seu trabalho na OAB do Distrito Federal. Por isso, depois de aceitar o convite para lançar seu nome, ficou muito empolgada com a missão e achou que contaria com estrutura do partido para a campanha. Fora o (pouco) dinheiro, ela afirma que recebeu do Avante cerca de 8 mil santinhos para distribuir.
“Como esse dinheiro chegou em cima da hora e não dá para muita coisa, penso em colocar tudo em propaganda nas redes sociais e internet para dar um gás no meu nome na reta final”, comentou. A despeito das adversidades, a candidata citou um dado que aparece com frequência nas sondagens de intenção de voto feitas por institutos de pesquisa no Distrito Federal. “Até agora, 70% dos eleitores não decidiram em quem votar para distrital, então o jogo está aberto e tenho chances sim, mas teria muito mais com um pouco mais de investimento”, avaliou. Thay também afirmou que foi para a política para ficar, independentemente do resultado da votação no dia 2 de outubro.
Sair das sombras
Quando decidiu aceitar o convite do PT e sair candidata a deputada federal por São Paulo nessas eleições, a artista plástica Fernanda Prado queria chamar atenção e tirar da invisibilidade os LGBTQIA+ com algum tipo de diversidade física. Cadeirante, Prado nos disse que queria ajudar outras pessoas como ela a se aceitarem e viverem, lição que demorou para aprender. O que ela não imaginou é que, com pouco financiamento, teria dificuldade de tirar a própria candidatura das sombras.
“Eu queria sair para deputada estadual, mas me garantiram que meu perfil era forte e necessário para a chapa de deputados federais do partido”, afirmou Prado. “Disseram que eu ia ter apoio e recurso para campanha, então aceitei”. Já mais para o final de agosto, depois de idas e vindas, ficou decidido que cada um dos 58 candidatos à Câmara dos Deputados pelo PT de São Paulo receberia pelo menos R$ 60 mil do partido para suas campanhas — o teto de gastos para o cargo no estado é de R$ 3,1 milhões. Estudos recentes mostram que eleger um deputado federal no estado custa, em média, R$ 1 milhão, de acordo com os gastos declarados pelos eleitos na última eleição.
“Resumindo: até agora, recebi só R$ 30 mil e estou com medo de não receber a outra metade, já que a data para o depósito já passou e não há previsão de quando será feito”, explicou. De acordo com o TSE, a candidata já declarou R$ 44 mil em gastos nestas eleições. Prado espera não ter que se virar para pagar a conta depois do pleito e questiona a transparência na distribuição dos recursos.
Dos mais de R$ 4,5 bilhões distribuídos aos candidatos nas eleições até agora, 70% coube aos homens.
A colega de chapa Fernanda Curti, por exemplo, recebeu R$ 1,3 milhão do PT. “E quando você tenta falar disso lá dentro parece um tabu, assunto proibido, segredo. Te tratam mal, como se fosse um favor te dar alguma satisfação sobre isso”, criticou. Apesar de tudo, ela também acredita que tem chances e não pretende desistir da política, caso não dê certo dessa vez.
O subfinanciamento de campanha é um problema que atinge mais as mulheres. Dos mais de R$ 4,5 bilhões distribuídos aos candidatos nas eleições até agora — R$ 4,2 bilhões provenientes dos fundos eleitoral e partidário—, 70% coube aos homens. “O que nós vemos neste ano é que aquela onda de renovação política que existiu de 2016 até 2020, com os partidos apostando muito em novos nomes, refluiu”, afirmou Carol Plothow, do Vamos Juntas, uma organização suprapartidária nacional que junta candidatas mulheres do PT ao Novo em uma rede de apoio e capacitação para a jornada eleitoral. O projeto acompanha 125 candidaturas femininas este ano.
Plothow admitiu estar frustrada com a distribuição dos recursos para a maior parte dessas campanhas. “Achamos que a obrigatoriedade de destinar no mínimo 30% do dinheiro do fundo eleitoral para mulheres, que entrou em vigor, faria com que os partidos dividissem os recursos de maneira proporcional entre as candidatas”, disse. “Infelizmente não foi o que aconteceu: o dinheiro foi concentrado em pouquíssimos nomes, e a lei precisa ser aperfeiçoada novamente”.
A situação não surpreende Maria do Socorro Braga, professora de Ciência Política da Universidade Federal de São Carlos, que estuda o financiamento de campanhas eleitorais há muitos anos. “Os partidos querem vencer e distribuem o dinheiro primeiro para aqueles que são conhecidos dentro da engrenagem, ou seja, quem já é político”, explicou. Assim, candidatos em busca da reeleição e veteranos de outras disputas, no geral, costumam ser privilegiados por terem mais chances de serem eleitos.
“Isso cria uma dificuldade muito grande para novas candidaturas e para grupos expressivos na sociedade e até hoje pouco representados na política, como é o caso das mulheres”, avaliou Braga. “O recurso público deveria ter uma distribuição mais equilibrada entre as candidaturas dos partidos e transparência maior. Afinal, o que estamos financiando? É do interesse comum usar esse dinheiro para perpetuar desigualdades?”.
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