Fabrício Cardoso de Paiva, um agente licenciado da Agência Brasileira de Inteligência, a Abin, foi quem mandou um cinegrafista apagar as imagens de um tiroteio em Paraisópolis, favela na zona oeste de São Paulo, na semana passada. Paiva é atualmente assessor da campanha a governador do ex-ministro Tarcísio Gomes de Freitas, do Republicanos. Ele também ocupou cargo de nomeação política, a convite de Tarcísio, no Ministério da Infraestrutura desde o início do governo Bolsonaro.
A identificação foi confirmada ao Intercept por uma fonte que trabalha no governo. A voz de Paiva também foi reconhecida por ex-colegas de trabalho. As fontes terão os nomes mantidos em sigilo para evitar retaliações. A Abin, respondendo a perguntas que enviamos, “esclarece que apenas um servidor da agência, que no momento está de licença não remunerada para tratar de interesses particulares, acompanha o candidato Tarcísio de Freitas na campanha eleitoral”. Trata-se, justamente, de Paiva.
A existência do áudio foi revelada em uma reportagem da Folha na última terça-feira, 25 de outubro. Na gravação, é possível ouvir Paiva dizendo ao cinegrafista da TV Jovem Pan, que é alinhada ao bolsonarismo: “Você tem que apagar”.
No currículo apresentado ao Ministério da Infraestrutura, Paiva informa ter se formado na Academia Militar das Agulhas Negras, a Aman, e atuado como oficial de artilharia do Exército entre 1996 e 2009, ano em que se tornou servidor na Abin. Em junho de 2019, foi nomeado gerente de projetos da Subsecretaria de Governança e Integridade do Ministério da Infraestrutura por Tarcísio.
Em dezembro de 2021, Paiva foi agraciado com a Medalha do Mérito Mauá, entregue pelo governo federal como “reconhecimento à contribuição ao desenvolvimento e progresso do setor de transportes”. A escolha, feita pelo próprio Tarcísio, foi chancelada por Bolsonaro.
‘Você filmou os policiais atirando?’
A Folha noticiou ontem que um integrante da campanha de Tarcísio mandou o cinegrafista da Jovem Pan apagar as imagens do tiroteio que terminou com um suspeito morto e interrompeu uma atividade de campanha do candidato bolsonarista em Paraisópolis no último dia 17.
Segundo o jornal, o assessor de Tarcísio – que é Fabrício de Paiva – perguntou ao cinegrafista: “Você filmou os policiais atirando?”. “Não, trocando tiro efetivamente, não. Tenho tiro da PM para cima dos caras”, respondeu o profissional. “Você tem que apagar”, ordenou Paiva.
As circunstâncias da troca de tiros e os autores dos disparos não foram esclarecidas até o momento. Logo após o ocorrido, as campanhas de Tarcísio e Bolsonaro tentaram vender a narrativa de que os tiros haviam sido um atentado contra o candidato a governador. Depois, voltaram atrás.
Em entrevista horas após o caso, o secretário de Segurança Pública de São Paulo, João Camilo Pires, afirmou ser “prematuro falar que ocorreu um atentado”, mas que “nenhuma hipótese seria descartada” nas investigações. Pires é um general de quatro estrelas da reserva do Exército. Ele se formou na Aman em 1976. Como Paiva e Bolsonaro, também escolheu a artilharia.
Três colegas de turma de Pires – os generais de quatro estrelas Fernando Azevedo e Silva, Manoel Luiz Narvaz Pafiadache e Guilherme Cals Teophilo Oliveira – tiveram cargos de nomeação política no governo Bolsonaro. O grupo, inclusive Pires, fazia parte do Alto-Comando do Exército, que foi consultado sobre o tuíte do general Eduardo Villas Bôas que ameaçou o Supremo Tribunal Federal antes da votação de um habeas corpus que permitiria a Luiz Inácio Lula da Silva disputar as eleições de 2018.
Por fim, presidente Bolsonaro se formou na Aman em 1977 – ele e Pires foram, portanto, contemporâneos na academia. As relações criadas nos tempos da Aman costumam acompanhar os oficiais do Exército ao longo da vida.
Procurada para comentar o caso, a Abin confirmou que um servidor dela, licenciado, participa da campanha de Tarcísio. “O trabalho atual deste servidor não é desempenhado em nome da agência, a qual não tem qualquer ingerência sobre a segurança da campanha do candidato. A Abin reitera que não há nenhum servidor em exercício na Agência exercendo a função de segurança de candidatos a governos estaduais”, afirmou.
A agência disse, ainda, que “o policial citado nas reportagens [da Folha] sobre o caso de Paraisópolis, apontado como autor dos disparos, não faz parte do quadro de pessoal”. A Abin é subordinada ao Gabinete de Segurança Institucional, comandada pelo general da reserva Augusto Heleno, um dos mais radicais militares de pijama que servem ao bolsonarismo.
Também procuramos a campanha de Tarcísio, que em nota disse que “as contratações [de assessores] foram feitas por escolha da campanha, que tem a premissa de selecionar todos os prestadores de serviço desde que sejam seguidos todos os ritos estabelecidos pela lei eleitoral, bem como a devida prestação de contas ao TSE [Tribunal Superior Eleitoral]”. “O servidor da Abin que acompanha Tarcísio está em licença não remunerada, portanto, não exerce nenhuma atividade em nome da agência”, acrescentou a nota.
A campanha afirmou ainda que o pedido de apagamento das imagens foi feito “para não expor as pessoas que estavam lá” no local do tiroteio e que ele “foi feito em frente a todos que lá estavam, incluindo jornalistas de outras emissoras”. “Diversos representantes da imprensa que estavam presentes fizeram imagens da situação ocorrida e as colocaram no ar. Nunca houve nenhum impedimento por parte da campanha em relação a isso. Qualquer afirmação que questione isso é uma mentira”, argumentou a campanha de Tarcísio.
Pedimos à campanha um contato para ouvirmos Fabrício Cardoso de Paiva, mas não fomos atendidos. O espaço está aberto para a manifestação dele.
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