Carla Jimenez

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O fascismo matou Tia Bete 

O assassinato da professora Elisabete Tenreiro mostra que a eleição de Lula não é suficiente para desmontar a bomba-relógio da extrema direita.

Estudantes participam do velório da professora Elisabeth Tenreiro, assassinada por um aluno na última segunda-feira em São Paulo. Foto: Bruno Santos/Folhapress

Estudantes participam do velório da professora Elisabeth Tenreiro, assassinada por um aluno na última segunda-feira em São Paulo. Foto: Bruno Santos/Folhapress

Começo minha coluna de hoje anunciando que será a última para o Intercept. O convite para escrever durante as eleições de 2022 se estendeu até hoje, e estou profundamente grata por essa oportunidade de interagir com vocês, especialmente os que me escreveram com críticas, observações, além de muitas palavras de carinho e incentivo. Obrigada. Vocês me ajudaram no processo de cura de várias das minhas autoilusões, positivas e negativas, e me trouxeram um alento muito importante neste momento. 

Planejava escrever, neste texto de despedida, sobre os episódios de salto alto do governo Lula em seus três primeiros meses. Lembrei da fonte muito próxima ao poder que me falou ainda em janeiro sobre o clima de deslumbre no novo staff da República. Culminou com o recente embate do presidente com Sergio Moro, sobre o qual muitos escreveram — ao ler o texto de sábado do João Filho, aqui no Intercept, pensei: é exatamente o que eu escreveria.

Depois da segunda-feira tenebrosa na Escola Estadual Thomazia Montoro, em São Paulo, não tive como fugir. O macabro episódio teve eco nas pessoas que, como eu, entendem os professores como o símbolo de dignidade de uma nação. Se um aluno mata o mestre por um prazer macabro, é porque estamos sem norte. 

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Há uma dor profunda, um gosto amargo de fracasso diante desse quadro. Nenhuma morte é aceitável quando poderia ser evitada, e o impacto do assassinato da professora Elisabete Tenreiro, a tia Bete, morta a facadas por um estudante menor de idade, derruba a gente. São muitas camadas aqui. Da a violência urbana à falta de segurança, passando pela perda de nossos adolescentes para o exercício de se sentir importante assassinando alguém.

A extrema direita está entre nós e já falávamos nos tempos de eleição que não bastaria eleger Lula. O fascismo está aqui, com deputados, senadores e governadores escroques, muitos com professores como alvos de julgamento, menosprezando o seu papel. Foram eleitos pela população que não compreende a correlação entre seu voto e o fomento do ódio social. São os primeiros a sugerir o clichê da redução da maioridade penal e, se pudessem, implantariam a pena de morte. 

Esse jogo de violência gratuita coopta cada vez mais jovens, numa atroz competição. Marca-se a data para eliminar alguém e ser ovacionado virtualmente. O alerta vem sendo dado por profissionais da educação há algum tempo, como mostrou esse relatório. O documento, elaborado por pesquisadores da área e entregue em dezembro ao governo de transição, revela que, desde o início dos anos 2000, já houve 16 ataques em escolas, dos quais quatro aconteceram no segundo semestre do ano passado. Todos com armas trazidas de casa.

‘Dos anos 2000 até dezembro, houve 16 massacres em escolas – quatro no segundo semestre do ano passado’.

A sensação é de enxugar gelo. Estamos tendo uma conversa parecida com a que houve em setembro, depois dos ataques a duas escolas em Aracruz, no Espírito Santo. Foram quatro mortes causadas por cegos aprendizes da cultura assassina dos Estados Unidos, que soma incontáveis crimes escolares – o último em Nashville, poucas horas depois de a professora Elisabete Tenreiro ser assassinada, quando uma mulher com uma arma e dois rifles entrou na Covenant School e matou três crianças e três funcionários. Segundo o New York Times, é o 13° ataque a escolas neste ano, e ainda estamos em abril.

No Brasil, os episódios começam a se tornar recorrentes, e o alarme está tocando desesperadamente. Não é só uma professora que morre, é também a nossa sensibilidade para enxergar crianças e jovens que se sentem inadequados e sem perspectivas, esponjas da nossa incapacidade de respeitar diferenças e de alcançar a dor de crescimento num país tão desigual. 

Crescer dói, e essa dor só faz sentido se acontecer para o parto do novo, como me disse o sábio jornalista Juan Arias do alto de seus 90 anos. Para nascer um país menos desumano. Não cuidamos dos velhos, não estamos cuidando das crianças, valorizamos bezerros de ouro que berram para impor autoridade. 

É tempo de coragem para acolher novas perspectivas. Para sair da era do conhecimento, da era do consumo, para a era do afeto. Só vamos crescer de verdade com ela, que por ora é só uma semente e precisa germinar. Os protestos de 2013 tinham a valorização da educação e dos professores como um dos poucos consensos. Passada uma década, ela precisa acontecer de fato.

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