Esqueça Janones, Lulaverso, Felipe Neto e Anitta. Ninguém foi tão eficiente na propagação de mensagens durante as eleições presidenciais de 2022 quanto a extrema direita. A conclusão é de um estudo inédito lançado nesta quarta-feira, dia 12, pelo Instituto Igarapé, que analisa e propõe políticas públicas em áreas como democracia e segurança pública.
O estudo Pulso da Desinformação, que levou em consideração posts no Facebook, Instagram, TikTok, Twitter, WhatsApp, Gettr e Telegram, constatou que o número de postagens e interações de segmentos da extrema direita foram superiores à esquerda, ao centro e mesmo à direita moderada. No Facebook, por exemplo, a esquerda publicou 491.183 vezes – mais do que a extrema direita – mas teve 40% menos engajamento. “Esse desempenho desequilibrado ajuda a explicar como, apesar de toda a resistência, tanta desinformação ainda tenha chegado aos eleitores”, diz o estudo.
Como o próprio nome sugere, o estudo analisou a propagação de campanhas de desinformação – mentiras intencionais, notícias falsas, teorias conspiratórias e afins – no período eleitoral. Segundo a análise, a extrema direita investiu de forma coordenada em quatro narrativas entre os meses de agosto e outubro do ano passado: reduzir a confiança no sistema eleitoral (quase um terço das publicações), atacar as instituições democráticas, difamar adversários políticos e incitar sua base de apoiadores. Essas narrativas, muitas vezes, ultrapassavam a barreira da internet – o estudo menciona o caso em que um pesquisador do Datafolha foi agredido por um bolsonarista.
As empresas de tecnologia, como sabemos, repetidamente falharam no combate à desinformação. Com a falta de regulação sobre o papel das plataformas na moderação de conteúdo, afirma o estudo, coube ao Tribunal Superior Eleitoral e ao Supremo Tribunal Federal o papel de combater a desinformação, com ordens de remoção de conteúdo, desmonetização de canais e sanções a autoridades que espalhavam mentiras. A “abordagem judicial mais incisiva”, como classifica o estudo, no entanto, teve um custo: “exacerbou a polarização política e atraiu acusações de censura por críticos de direita”.
Os pesquisadores mostraram que, ao longo dos meses, explodiram as publicações que questionavam a lisura das eleições e as instituições – e a reação dos órgãos contra essas mentiras ajudava a alimentar essa mesma narrativa. “Críticos contestaram o tribunal por supostamente adotar juízos enviesados e restringir a liberdade de expressão. Quanto mais decisões o TSE proferia para remover conteúdo, mais elas eram criticadas por serem supostamente tendenciosas”, escreveram os pesquisadores.
As ações despertaram, então, mais uma onda de desinformação: comentários sobre a “regulação da mídia”, em que a extrema direita acusava o Judiciário de censura em uma suposta “ditadura” em curso no Brasil. Entre os exemplos desse tipo de conteúdo mencionados pelos pesquisadores, há um documentário classificado como “tendencioso” na Brasil Paralelo e uma ofensiva de desinformação sobre Lula na Jovem Pan.
No segundo turno, os pesquisadores monitoraram também pela primeira vez uma campanha articulada de desinformação da esquerda, como as narrativas que associavam Bolsonaro ao canibalismo, à pedofilia e à maçonaria. Na época, a pesquisadora Letícia Cesarino falou com o Intercept sobre o tema. “Não vejo outro jeito de furar essa fronteira. Em estado de exceção, infelizmente, o que vale é lógica de guerra. No caso, obviamente, uma guerra comunicacional”, ela declarou.
A campanha de Bolsonaro contra-atacou com estratégias para mobilizar eleitores, especialmente no Nordeste e entre mulheres e pessoas negras. Nessa mesma época, também prevaleceram as narrativas do medo – aqueles delírios de que Lula transformaria o Brasil em uma Venezuela e associações entre a esquerda, o narcotráfico e a exploração de crianças. O Instituto Igarapé cita como exemplo a narrativa que Damares Alves, então recém-eleita senadora, propagou sobre um suposto tráfico de crianças na ilha de Marajó. A denúncia jamais foi comprovada.
Nos dias seguintes à eleição de Lula, as campanhas de desinformação continuaram. O alvo, então, passou a ser a suposta intervenção das Forças Armadas, o que levou bolsonaristas fanáticos a pararem as estradas e levarem caos a todo o Brasil.
Os pesquisadores reconhecem que as principais redes sociais em uso no país avançaram no combate à desinformação, com parcerias com autoridades, TSE e organizações da sociedade civil. Esses esforços, no entanto, não foram suficientes. “Mesmo conteúdos retirados do ar tendem a ser replicados em larga escala e ecoados em outras plataformas. Frequentemente, capturas de tela do Twitter se espalham pelo Instagram, assim como os vídeos do TikTok são replicados no WhatsApp”, explicam. Segundo eles, a produção de fake news segue uma lógica própria, que não fica restrita a uma ou outra plataforma. “Muitas narrativas online foram lançadas no YouTube apenas para serem fragmentadas e abreviadas para compartilhamento em outras plataformas”.
Para os pesquisadores, é preciso criar mecanismos para “capturar e conter notícias falsas e conspirações antes que se tornem virais” – um trabalho árduo, que ainda não tem respostas prontas, e vai precisar de colaboração intensa entre governo, empresas e sociedade civil, com limites e estratégias para a “regulação responsável” de conteúdos nas redes sociais.
“Traçar regras, limites e estratégias para a regulação das redes sociais é urgente. Em 2022, enquanto o mundo observava o Brasil e se perguntava se a maior democracia da América Latina poderia resistir à onda de desinformação, o país apresentou uma lição objetiva de resiliência institucional e adaptabilidade em um mundo digital em rápida evolução. A desinformação, contudo, não vai desaparecer”, diz Carolina Taboada, pesquisadora do Igarapé, e uma das autoras do estudo.
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