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Nesta semana, depois da tentativa frustrada de votar o PL das Fake News, o presidente da Câmara Arthur Lira caiu na real. Disse que as big techs fizeram “o horror” com a Câmara e operaram para “colocar o Congresso de joelhos” na tentativa bem-sucedida de segurar a votação. Lira sugeriu, até, entrar com uma ação contra elas. “É como se tivessem impedido o funcionamento de um poder”, disse.
Bem-vindo ao lobby mais poderoso do mundo, Lira.
Em novembro de 2021, muito antes de criticar as gigantes de tecnologia, o presidente da Câmara recebeu um prêmio em “defesa da transformação digital” dos deputados membros da Frente Digital, grupo parlamentar que defende os interesses de empresas do setor.
Lira postou foto e, 20 dias depois, sentou com lobistas das big techs e membros da Frente Digital. Os deputados estavam ali para apresentar alterações favoráveis às empresas no PL das Fake News, que já tramitava, e pedir que a votação fosse adiada. Deu certo. O projeto não foi votado até hoje.
Eu contei essa história em novembro de 2021. Um ano depois, a mesma Frente Digital organizou um tour de deputados para conhecer a sede de empresas do Vale do Silício. A viagem também foi tema de uma reportagem aqui no Intercept. Me chamou a atenção o deslumbramento com a mentalidade do Vale do Silício e a disposição dos deputados em servir como relações públicas das megacorporações do setor, como Meta e Uber.
A viagem, paga com dinheiro público, aconteceu às vésperas de discussões importantíssimas para o setor. O PL da Fake News era uma delas; mas havia, ainda, o Marco Legal da Inteligência Artificial e o PL do iFood, que discute a relação entre entregadores e empresas intermediárias. Há quem trate como trivial esse tipo de relação promíscua entre empresas privadas interessadas em regulação e os reguladores; aqui, não.
Como o lobby não é regulamentado por aqui, é impossível saber ao certo quanto dinheiro ou influência as big techs têm. Mas seus tentáculos estão no Legislativo, no Executivo (pesquise e veja quantos presidentes, governadores e prefeitos postaram fotos com executivos de big techs), na academia, na mídia e no terceiro setor. Até no Cade, órgão responsável por regular a livre concorrência no Brasil, o Google tem influência.
“O poder econômico tem condições muito mais vantajosas para emplacar suas ideias. Isso já começa com um acesso maior às autoridades públicas”, me disse em 2021 Ana Frazão, professora de direito civil e comercial na Universidade de Brasília e ex-conselheira do Cade. “O lobby é problema quando desequilibra o jogo democrático, fazendo com que só alguns atores tenham acesso a ele”.
Se no Brasil não há transparência, podemos olhar para outros países. Nos EUA, Amazon, Meta e Alphabet (dona do Google) estão entre os 20 maiores gastos com lobby em 2022. Na Europa, sozinhas, Google, Amazon, Meta, Microsoft e Apple gastaram 32 milhões de euros (cerca de R$ 180 milhões). É muito mais do que gastaram as 10 maiores indústrias petroquímicas (17 milhões de euros) e três vezes mais do que a automobilística (9 milhões de euros), segundo a iniciativa alemã Lobby Control divulgou em 2021.
A Europa, vale lembrar, era o epicentro da regulação na área e aprovou recentemente uma legislação que obriga empresas de tecnologia a combaterem e prevenirem conteúdos ilegais – o que inspirou partes do PL das Fake News. Os gastos das empresas eram justificados, afinal.
Aqui, em meio ao fogo cruzado para retardar a votação, você sabe o que aconteceu. Teve anúncio alarmista de página inteira no jornal, link na página inicial do Google, ação com influenciadores nos bastidores, anúncios e até fake news sobre censura da Bíblia espalhada por associação que representa o setor (a mesma que fundou o instituto Cidadania Digital, que assessora a Frente Digital).
Mesmo assim, teve quem comparasse as big techs a uma “padaria” que pendura um cartaz para defender seus interesses. É natural que uma empresa aja mobilizando seus consumidores para se defender, dizem os arautos da autorregulação. Mas o Google não é um comércio qualquer. É uma empresa que concentra 92% do mercado de buscas no mundo, que domina 80% dos celulares no Brasil e usou artifícios anticoncorrência, investigados em vários países – inclusive aqui –, para privilegiar seus produtos. Que tem o poder de decidir quem vai ter audiência ou não, baseado em seus critérios comerciais. Que faturou 279 bilhões de dólares em 2022. E estamos falando só de uma big tech – a Meta tem um poder de fogo semelhante.
Quando negociou com os representantes dessas empresas, Arthur Lira sabia com quem estava jogando. Aqui mesmo nesta newsletter, eu escrevi, em março de 2022, sobre a ofensiva das empresas contra o PL 2630 – elas apelaram dizendo que o projeto colocava em risco pequenos negócios em anúncios nos jornais.
Deu certo – a urgência não foi votada, e o projeto permaneceu na gaveta até agora, quando foi escanteado mais uma vez. Hoje, a maré está contrária aos interesses de Lira, e criticar as big techs é o padrão, mas talvez o tsunami de poder já esteja grande demais. É chato dizer isso, mas nós avisamos.
JÁ ESTÁ ACONTECENDO
Quando o assunto é a ascensão da extrema direita no Brasil, muitos acham que essa é uma preocupação só para anos eleitorais. Mas o projeto de poder bolsonarista nunca dorme.
A grande mídia, o agro, as forças armadas, as megaigrejas e as big techs bilionárias ganharam força nas eleições municipais — e têm uma vantagem enorme para 2026.
Não podemos ficar alheios enquanto somos arrastados para o retrocesso, afogados em fumaça tóxica e privados de direitos básicos. Já passou da hora de agir. Juntos.
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