No dia 11 de maio, representantes do Telegram receberam um e-mail do Conselho Administrativo de Defesa Econômica, o Cade, pedindo informações sobre o disparo em massa que a plataforma havia feito dois dias antes para os usuários brasileiros. Na mensagem, o Telegram alertava para os perigos – exagerados, para dizer o mínimo – do PL 2630, o PL das Fake News, que seria votado na Câmara naquela semana.
Em um texto alarmista, o Telegram afirmava que o projeto era “perigoso”, “conferia poderes de censura ao governo”, mataria “a internet moderna”, “criava um sistema de vigilância permanente” e “era desnecessário”. Também incentivava que as pessoas escrevessem para os deputados para mobilizá-los pela derrubada do projeto. Os brasileiros receberam a mensagem massivamente pelo mesmo canal onde a empresa comunica informes.
Mas, para o Telegram, a mensagem não passou de um exercício da “liberdade de expressão”. As justificativas da empresa estão em um e-mail enviado por seus advogados para o Cade, que abriu um procedimento preparatório de inquérito administrativo para investigar possíveis abusos de empresas de tecnologia em campanhas contrárias ao PL 2630.
“O Telegram não utilizou sua plataforma para realizar uma campanha ativa e consistente contra o PL 2630/2020, mas sim para expressar a opinião da empresa sobre um tema que pode impactar o Telegram e seus usuários, em simples exercício à sua liberdade de expressão”, disse a empresa ao Cade. Na mensagem, o Telegram também diz que, ainda se estivesse engajado em uma campanha, a conduta “não seria passível de punição pelo Cade”, pois não houve “dano ou eventual efeito danoso ao processo competitivo ao mercado em que está inserido o Telegram”.
Na ocasião, o ministro da Justiça, Flávio Dino, classificou a mensagem como um “amontoado absurdo“. “O que pretendem? Provocar um outro 8 de janeiro?”, questionou. O Supremo Tribunal Federal ordenou que a empresa apagasse a mensagem e postasse uma retratação, o que foi cumprido no dia seguinte. O MPF, além do Cade, também acionou a empresa cobrando explicações.
O Cade já estava com um procedimento preparatório de inquérito administrativo aberto contra o Google e a Meta para apurar supostos abusos de posição dominante em campanhas contra o PL 2630. Depois de outra denúncia, o Telegram foi incluído no rol dos investigados, mas nega relações com as outras empresas.
A justificativa do app ao Cade, no entanto, deixa claro que o discurso é semelhante – e o Telegram minimizou o efeito das suas mensagens, que foram visualizadas mais de 1 milhão de vezes. Segundo o Telegram, o comunicado foi enviado apenas aos usuários ativos que podem ser afetados pela referida mudança legislativa no Brasil. “Isso, frise-se, constitui apenas uma pequena fração da base de usuários do Telegram”, tentou se defender a empresa.
O Telegram afirma que só divulgou seu posicionamento “com o objetivo de informar os seus usuários da de interrupção dos serviços do Telegram no caso de aprovação do PL”. “Importante esclarecer que o Telegram em nenhum momento estimulou um ‘cerco a deputados’. O que se fez foi propor o debate técnico e saudável sobre uma lei que ainda se encontra em discussão”. O texto da mensagem incluía um link para o site da Câmara, um atalho e um estímulo para que os usuários escrevessem para os parlamentares para pressionar contra o projeto.
O Telegram ainda afirmou que não utiliza sua plataforma como “propaganda política” e que sua missão é “preservar a liberdade de expressão e a privacidade de seus usuários”. A conclusão da empresa foi que o Telegram poderia deixar de operar no Brasil se a lei fosse aprovada, e seus usuários mereciam “saber sobre essa possibilidade e o raciocínio, caso determinada circunstância ocorra, a fim de evitar surpresas”.
O ofício foi enviado ao Cade pouco antes da renúncia dos advogados do Telegram no Brasil. Alan Campos Thomaz e outros do escritório Campos Thomaz & Meirelles Advogados alegaram questões de “foro íntimo” para não representarem mais a empresa. Segundo o Uol, a renúncia aconteceu por causa das intimações pessoais recebidas por Alan Thomaz – ele passou a ser tratado não mais como sócio do escritório que defende a empresa, mas como representante do Telegram no Brasil, e passou a ser parte nos inquéritos.
No lugar dele, foi designado o escritório Leonardi Advogados, de Marcel Leonardi, Fernanda Simplicio Maia, Guilherme Viana e Guilherme Nunes Lima. O advogado Marcel Leonardi é ex-diretor de políticas públicas do Google.
Discurso repete Google e Meta
O Google e a Meta, responsáveis por um intenso lobby contrário ao projeto, também enviaram suas justificativas para o Cade. O Google foi acionado porque exibiu, em sua página de buscas – usada por mais de 90% do mercado – um link alarmista contra o projeto de lei. Um estudo do grupo de pesquisas NetLab, da UFRJ, também encontrou indícios de que empresa estaria privilegiando resultados contrários ao 2630 em seus resultados de busca. Para os pesquisadores, a conduta poderia “configurar abuso de poder econômico às vésperas da votação do projeto de lei por tentar impactar a opinião pública e o voto dos parlamentares”.
Apesar de não ser uma resposta coordenada, o Google seguiu a mesma linha do Telegram. “O Google simplesmente exerceu seu mais legítimo e puro direito de livre manifestação”, justificou a empresa. “O posicionamento do Google com relação ao PL das Fake News poderia ser considerado da mesma natureza que qualquer editorial sobre o mesmo tema publicado por jornal de grande circulação”.
Google diz que denúncias contra sua conduta criam ‘efeito inibidor’.
O Google afirma que incluiu o link contra o projeto no dia 1º de maio de 2023, e sua remoção aconteceria no dia seguinte. “Historicamente, o Google tem utilizado esse espaço para manifestação de opiniões públicas e promoção de iniciativas relevantes por ele apoiadas, em áreas como diversidade e inclusão, educação, cidadania, cultura e desenvolvimento econômico”, disse a empresa. Segundo a empresa, a busca funcionou normalmente enquanto o link estava ativo.
O Google afirmou que comprou espaço publicitário para impulsionar seus informes contrários ao projeto. Para justificar, colocou um print que mostra que o relator, Orlando Silva, do PCdoB, fez o mesmo. Sobre resultados enviesados, a empresa atacou o relatório do NetLab: “nenhuma conclusão séria e consistente pode ser extraída de exemplos isolados e descontextualizados, sem uma amostra minimamente relevante ou documentada. O relatório do NetLab mencionado na Representação não descreve a metodologia empregada para a coleta e análise de dados, nem os parâmetros de suas conclusões e declarações”, disse a empresa.
Às vésperas da votação do PL 2630, as big techs se uniram ao bolsonarismo e protagonizaram uma ofensiva contra o projeto de lei. Além do link na página de buscas, teve anúncio alarmista de página inteira no jornal, ação com influenciadores nos bastidores, anúncios e até fake news sobre censura da Bíblia espalhada por associação que representa o setor. O Google, é preciso reforçar, concentra 92% do mercado de buscas no mundo, domina 80% dos celulares no Brasil e usou artifícios anticoncorrência, investigados em vários países – inclusive aqui –, para privilegiar seus produtos.
Mas a empresa ainda disse, para o Cade, que as denúncias em relação ao PL 2630 podem criar um “efeito inibidor” contra a “expressão pública da liberdade de expressão em questões legislativas importantes”.
A argumentação da Meta também segue a mesma linha. Os advogados da empresa – que embolsou com anúncios do Google contra o PL – afirmam que não houve nenhuma violação da lei antitruste, já que o comunicado foi apenas seu “exercício do direito constitucional à liberdade de expressão”, sem qualquer impacto aos concorrentes e ao mercado.
A Meta, ao contrário das ações públicas mais agressivas do Google e do Telegram, publicou só uma nota em sua sala de imprensa. A empresa diz que, mesmo que tivesse usado sua plataforma, isso não seria uma infração antitruste – “uma vez que continuaria a ser o exercício do direito constitucional à liberdade de expressão e, além disso, não teria qualquer impacto à concorrência”. “No entanto, em 2023, a empresa sequer fez campanha envolvendo anúncios em suas plataformas em relação ao PL nº 2630/2020, tendo agido estritamente dentro dos limites da lei, exercendo o seu direito à liberdade de expressão”.
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