João Filho

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Bolsonaro fez o brasileiro odiar vacina – agora, as doenças estão voltando

Ex-presidente fez do boicote aos imunizantes uma política pública, derrubando a cobertura vacinal entre crianças. Agora, a poliomielite voltou.

Ilustração: Intercept Brasil; Agência Brasil

Ilustração: Intercept Brasil; Agência Brasil

Há menos de um mês, Bolsonaro contou mais uma de suas mentiras sobre a vacina contra covid. Alegou que há nela grafeno, uma substância que se acumularia nos testículos e nos ovários. Isso, obviamente, não faz o menor sentido. Trata-se apenas de mais uma dose do puro suco do chorume negacionista que tomou conta do país. A diferença é que, dessa vez, Bolsonaro resolveu pedir desculpas pela barbaridade. O motivo é claro: quem não tem foro privilegiado, tem medo.

O negacionismo de Bolsonaro e de sua turma durante a pandemia deixou um legado aterrorizante para o país. Se antes éramos referência internacional em política de vacinação, hoje somos um exemplo negativo. O Brasil sempre ostentou um dos maiores índices de cobertura vacinal do mundo, mas isso já não é mais uma realidade. 

A queda na cobertura vacinal não começou exatamente no governo Bolsonaro. A vacinação de crianças até 2 anos, por exemplo, vem apresentando queda desde 2011. O movimento antivacina, que sempre foi forte na Europa e nos EUA, começou a crescer no país. O bolsonarismo não iniciou o negacionismo vacinal, mas ajudou a legitimar e disseminar esse movimento que atenta contra a saúde sanitária do mundo. O país passou os últimos 3 anos vendo o seu presidente fazendo do boicote às vacinas uma política pública. O candidato antivacina obteve mais de 58 milhões de votos na última eleição. O impacto disso é imenso. Se antes o negacionismo sobre as vacinas era algo incipiente no Brasil, depois da tragédia bolsonarista ele está consolidado. Doenças que já estavam praticamente erradicadas voltaram a circular. A poliomielite, que estava erradicada desde 1989, voltou a dar as caras.

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O governo Bolsonaro destruiu o Plano Nacional de Imunização, o PNI. Em 2017, o Brasil ainda tinha a a segunda maior cobertura vacinal infantil do mundo – só perdia para a China. Hoje, o país tem a segunda pior taxa de vacinação infantil da América Latina, perdendo apenas para a Venezuela. Em julho do ano passado, A Organização Mundial da Saúde, a OMS, afirmou que o Brasil está entre os 10 países com o maior número de crianças com a vacinação atrasada.

De acordo com a Sociedade Brasileira de Imunizações, entre os motivos para a queda na vacinação estão a falta de informação da população, a pouca confiança em governantes e o crescimento do movimento antivacina. Essas foram as consequências de se aposentar o Zé Gotinha e praticamente paralisar as campanhas de vacinação. Lembremos que, durante a pandemia, quando foi cobrada a presença de Zé Gotinha na comunicação do governo, Eduardo Bolsonaro ironizou ao postar uma imagem do personagem segurando uma agulha em forma de fuzil

Se antes o negacionismo sobre as vacinas era algo incipiente no Brasil, depois da tragédia bolsonarista ele está consolidado.

Os resultados do abandono do Plano Nacional de Imunização chocou a equipe de transição do governo Lula no fim do ano passado. Segundo o ex-ministro da Saúde Arthur Chioro, que fez parte do grupo, a baixa cobertura vacinal “gerou uma situação de absoluta insegurança sanitária. Esse não é o diagnóstico apenas do grupo de transição. É o diagnóstico apontado pelos gestores estaduais e municipais e especialistas”.

Para a reconstrução do Plano Nacional de Imunização, a ministra Nísia Trindade iniciou mais do que uma campanha, mas um movimento nacional pela vacinação com o Zé Gotinha voltando a ser protagonista e com a presença de artistas brasileiros no material informativo. O objetivo é retomar as altas coberturas vacinais e retomar o apreço que o brasileiro sempre teve pelas vacinas.

Em 2019, antes da pandemia, escrevi sobre a relação íntima dos governos de extrema direita com o movimento antivacina. Cheguei a elogiar a atuação do então ministro Mandetta, que se mostrava preocupado com a queda no índice de vacinação e não seguia a onda antivax de Olavo de Carvalho, que até então era o grande guru do governo: “O ministro parece ter juízo nessa seara. O risco é que, se por algum motivo Mandetta cair, há chance de um nome antivacina substituí-lo”. Batata! Mandetta caiu por defender a vacina, virou persona non grata no bolsonarismo e foi substituído por sucessivos lacaios do negacionismo. O resto é história. 

Entre tantas coisas que o bolsonarismo destruiu em 4 anos, a cultura de vacinação está entre as mais abjetas.

Entre tantas coisas que o bolsonarismo destruiu em 4 anos, a cultura de vacinação está entre as mais abjetas. Bolsonaro ajudou a transformar um assunto que era ponto pacífico entre os brasileiros em matéria de opinião, de debate. Defender as vacinas virou coisa de esquerdista. Se o Brasil parecia ser um país imune à estupidez do movimento antivacina, depois de Bolsonaro virou um dos seus principais celeiros. Além do ex-presidente e seus aliados, médicos, influencers e outras figuras obscuras da extrema direita fizeram uma campanha pesada contra as vacinas nos últimos anos. 

Para reverter isso, não basta apenas uma campanha maciça de conscientização. É fundamental que o país puna rigorosamente os principais agentes do negacionismo que contribuíram para a morte de milhares de brasileiros durante a pandemia. Os graves crimes contra a saúde pública não podem ficar impunes, senão correremos o risco de ter que lidar mais uma vez com esses criminosos no futuro. Bolsonaro continua cometendo esses crimes, mas agora pede desculpas. Que da próxima vez ele peça da cadeia. 

JÁ ESTÁ ACONTECENDO

Quando o assunto é a ascensão da extrema direita no Brasil, muitos acham que essa é uma preocupação só para anos eleitorais. Mas o projeto de poder bolsonarista nunca dorme.

A grande mídia, o agro, as forças armadas, as megaigrejas e as big techs bilionárias ganharam força nas eleições municipais — e têm uma vantagem enorme para 2026.

Não podemos ficar alheios enquanto somos arrastados para o retrocesso, afogados em fumaça tóxica e privados de direitos básicos. Já passou da hora de agir. Juntos.

A meta ousada do Intercept para 2025 é nada menos que derrotar o golpe em andamento antes que ele conclua sua missão. Para isso, precisamos arrecadar R$ 500 mil até a véspera do Ano Novo.

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