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Militar do Gabinete da Intervenção Federal no RJ é sócio de empresa que ganhou mais de R$ 400 mil do governo

Indicado para monitorar contratos e ordenar despesas da intervenção chefiada por Braga Netto é sócio da esposa em empresa que fornece medicamentos ao governo.

Tropas do Exército que saíram de Deodoro pararam no bairro de Anchieta. Foto: Danilo Verpa/Folhapress)

Após mais de quatro anos de sua desativação, o Gabinete de Intervenção Federal no Rio de Janeiro continua a drenar os cofres públicos e a acumular indícios de corrupção. Criada durante o governo de Michel Temer, a estrutura foi oficialmente extinta em 31 de dezembro de 2018. Deste então, no entanto, com a justificativa de que ainda existem contratos em andamento, o gabinete segue ativo, atualmente empregando cinco militares. Um deles, o tenente-coronel Juliano Pelucio, é sócio de uma empresa que recebeu mais de R$ 400 mil do governo federal nos últimos nove anos.

Pelucio iniciou sua atividade empresarial em abril de 2011, quando já integrava os quadros das Forças Armadas. Com a esposa Andrea Martineli Pelucio, fundou a Bella Pharma Martinelli & Pelucio, uma revendedora de medicamentos com sede em Campo Grande, no Mato Grosso do Sul, e capital social de R$ 30 mil. No quadro societário, ela aparece como sócia-administradora. Ele, apenas como sócio. 

De acordo com informações consultadas pelo Intercept no Portal da Transparência, a empresa do tenente-coronel e de sua esposa têm negócios com o governo desde 2014. No total, a firma já recebeu R$ 404.892,53 em pagamentos feitos pelo Executivo na compra de medicamentos e participou de seis licitações – duas delas feitas pelos Comandos da Marinha e da Aeronáutica. Os principais clientes de Pelucio no governo são o Ministério da Saúde e o Ministério da Educação, por meio da Empresa Brasileira de Serviços Hospitalares, que gere os hospitais universitários.

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Os militares, em especial os oficiais da ativa, sejam das Forças Armadas ou das Polícias Militares e Corpos de Bombeiros, são impedidos de exercer atividade empresarial. Segundo o Código Penal Militar, é proibido “comerciar ou tomar parte na administração ou gerência de sociedade comercial, ou dela ser sócio ou participar, exceto como acionista ou cotista em sociedade anônima, ou por cotas de responsabilidade limitada”. A pena para a infração é a suspensão do exercício do posto, de seis meses a dois anos, ou reforma.

A burla, no entanto, é comum. De acordo com um levantamento do site Metrópoles, publicado em 2020,  8.432 militares apareciam em dados da Receita Federal como sócios de empresas. No entanto, apenas  14 militares da ativa conseguiram a proeza de Pelucio: ter a empresa contratada pelo próprio Poder Executivo. 

Um atenuante, no caso do tenente-coronel, seria que formalmente ele configura apenas como sócio da Bella Pharma, não como sócio-administrador, posto ocupado pela esposa. Isso porque a  lei do funcionalismo público federal admite que servidores ocupem quadros societários, desde que não tenham funções administrativas. No caso dos militares, porém, a permissão não existe.

O tenente-coronel Pelucio e a mulher: ele sócio, ela a administradora do negócio.

Pelucio foi indicado ao Gabinete de Intervenção Federal do Rio de Janeiro pelo então comandante do Exército, Edson Leal Pujol, em agosto de 2019. À época, ele já tinha quase uma década de experiência com compras públicas – não nas Forças Armadas, mas em sua empresa. Como chefe de gabinete e ordenador de despesas da intervenção, Pelucio desempenha atividades que incluem o controle e acompanhamento de entregas remanescentes dos contratos públicos, operações administrativas e a instauração e acompanhamento de processos administrativos. 

A história do Gabinete de Intervenção Federal é marcada por sucessivas datas de encerramento adiadas. Inicialmente, por decisão tomada ainda durante o governo Temer, a previsão era de que o grupo de servidores responsável pela operação fosse extinto em junho de 2019. A data mudou depois para 31 de março de 2020 e, em seguida, para 1º de dezembro de 2020. Naquele mês, uma nova portaria determinou a continuidade das atividades por mais um ano. Essa prorrogação foi estendida novamente até dezembro de 2022 e, nos últimos dias do governo Bolsonaro, foi definida para junho de 2023.

Sob a gestão do presidente Lula, a equipe foi reduzida, passando de 13 militares para cinco. O prazo para o seu término, porém, foi novamente prorrogado: agora, até 20 de dezembro de 2023. Em junho, o General Tomás Paiva, comandante do Exército nomeado no atual governo, designou os cinco militares que vão prosseguir ocupando os cargos do Gabinete de Intervenção até sua extinção – um deles, o sócio da Bella Pharma Martinelli & Pelucio.

Entre os temas monitorados pela equipe de Pelucio, está o contrato de mais de R$ 40 milhões, atualmente sob investigação pela Polícia Federal, que envolve a empresa estadunidense CTU Security. O acordo, firmado sem licitação em 2018, previa a entrega de 9.360 coletes à prova de bala para a Polícia Civil do Rio de Janeiro, a um custo médio de R$ 4,3 mil por colete. No primeiro mês do governo Bolsonaro, o Executivo chegou a pagar R$ 35.944.456,10 à empresa. No entanto, três meses depois, o pagamento foi cancelado e o contrato suspenso.

Tenente-coronel foi designado para atuar como ordenador de despesas, responsável por autorizar os gastos de dinheiro público.

Nesta terça, militares que integraram o Gabinete de Intervenção e empresários foram alvo da Operação Perfídia – não é possível saber se Pelucio é um dos funcionários contra os quais foram expedidos mandados de busca e apreensão. Com a investigação, a PF apura crimes de contratação indevida, dispensa ilegal de licitação, corrupção e organização criminosa na contratação da CTU Security LLC. O general Walter Souza Braga Netto, nomeado interventor pelo então presidente Michel Temer, é investigado e teve o  sigilo telefônico quebrado pela justiça.

O que a investigação da PF já demonstrou é que Braga Netto continuou mantendo contato com lobistas e intermediários de empresas suspeitas de corrupção na compra dos coletes à prova de balas após se tornar ministro da Casa Civil do governo Bolsonaro, em 2020. À época, Pelucio já integrava o quadro de funcionários do Gabinete de Intervenção – inclusive, foi designado para atuar como ordenador de despesas, sendo responsável por autorizar ou não os gastos de dinheiro público.

As investigações que levaram à Operação Perfídia incluíram um relatório do Tribunal de Contas da União que aponta “desvios de finalidade” nos gastos do gabinete. Por exemplo, compras de camarão e de tortas holandesas com o dinheiro que deveria ir para a segurança pública fluminense. “Ao administrador público é imposto o poder-dever de fiscalizar e de revisar os atos de seus subordinados”, afirmou o TCU – nesse caso, sugerindo uma carapuça que serve a Pelucio, mas também a Braga Netto, Michel Temer e Jair Bolsonaro.

O Intercept procurou o Gabinete da Intervenção, mas não houve resposta. Não foi possível localizar os responsáveis pela Bella Pharma Martinelli & Pelucio em seus contatos informados no cadastro da Receita Federal.

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