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14 de outubro de 2023
PARA: Todos os meios de comunicação brasileiros
Em face dos inegáveis e horríveis crimes de guerra israelenses contra civis e dos preocupantes indícios de que Israel pretende agravar drasticamente a crise humanitária, nós, abaixo assinados, estamos conclamando que a mídia brasileira — a GloboNews, O Globo e a Globo, em particular — reconsidere sua legitimação editorial ao que observadores internacionais neutros afirmam ser crimes de guerra e crimes contra a humanidade perpetrados pelo governo de Israel.
Grande parte da imprensa brasileira tem distorcido consistentemente fatos importantes, ecoado acriticamente a propaganda israelense, minimizado ou excluído vozes palestinas importantes da cobertura e favorecido as vozes de comentaristas que tem um viés inegavelmente pró-Israel que muitas vezes cruza a linha do racismo, islamofobia e acaba em Fake News. Essa política editorial não é moral ou factualmente justificável diante de tais horrores e precisa acabar.
Nenhuma ação do Hamas, por mais deplorável que seja, justifica a selvageria que está sendo infligida ao povo inocente de Gaza. A oposição às políticas de Israel não é conivência com o assassinato de civis pelo Hamas, nem é inerentemente antissemita, como muitas vezes é falsamente sugerido no debate em curso nestes meios de comunicação.
Quando, na semana passada, Israel lançou seu quinto grande ataque contra 2,3 milhões de palestinos em Gaza, o tom da cobertura da mídia brasileira muitas vezes se desviou para a apologia direta dos crimes de guerra israelenses, incluindo o bombardeio indiscriminado de civis desarmados em Gaza, a desumanização do povo palestino e a deslegitimação de seu direito à liberdade.
A GloboNews tem se destacado pela veiculação reiterada de comentários lamentáveis e indefensáveis, além de distorções absolutas.
Na sexta-feira, 13 de outubro de 2023, o comentarista Jorge Pontual disse na GloboNews que “o dano causado pelos bombardeios a Gaza com a morte desses civis que foram chacinados pelo Hamas, não tem comparação. Tem que entender isso”.
O “dano” que ele se refere inclui o assassinato de ao menos 2.215 palestinos e 8.714 outros feridos em ataques aéreos contra Gaza, onde não existem abrigos antibombas, pois Israel restringiu a entrada de materiais de construção há anos. Mais de 60% das vítimas são mulheres e crianças. Dezenas de palestinos foram mortos e centenas foram presos por Israel na Cisjordânia ocupada, que está sob um rígido bloqueio militar. Mesmo protestos palestinos pacíficos foram recebidos com balas israelenses.
Surgiram também inúmeros relatos e provas preocupantes de fontes confiáveis de que Israel tem alvejado profissionais médicos e jornalistas e bombardeou escolas, hospitais e prédios residenciais, massacrando famílias inteiras em um piscar de olhos. Esses são crimes de guerra indefensáveis, cometidos no contexto de décadas de ocupação ilegal, de acordo com o consenso internacional, que é descaradamente ignorado por Israel, pelos Estados Unidos e por alguns países aliados.
Enquanto se prepara para uma invasão terrestre catastrófica, Israel ordenou que metade da população de Gaza fugisse de suas casas em 24 horas ou morreria. Esse é o maior deslocamento de palestinos desde a limpeza étnica de 700 mil palestinos em 1948, perpetrada por paramilitares israelenses e que ficou conhecida como a “Nakba”, ou a Catástrofe. Na sexta-feira, dia 13, Israel prometeu uma passagem segura para os civis que deveriam se deslocar, mas depois bombardeou repetidamente os refugiados aterrorizados, matando pelo menos 70 deles. A história parece se repetir diante de nossos olhos.
Israel e os Estados Unidos estão fazendo lobby para que o Egito estabeleça cidades com barracas para refugiados no deserto de Sinai, ao sul de Gaza, e permita que os palestinos evacuem através de sua fronteira. Observadores internacionais temem que esta proposta seja uma tática para tornar permanente a expulsão dos refugiados palestinos de sua terra natal histórica, como já aconteceu no passado.
“Uma realocação forçada sem nenhuma garantia de segurança ou retorno e sem atender às necessidades da população protegida corre o risco de ser considerada uma transferência forçada, o que é uma grave violação da lei humanitária internacional e codificada como um crime de guerra“, disseram as organizações de direitos humanos Oxfam, Mercy Corps, Plan International, Save The Children, o Conselho Norueguês de Refugiados e outras em uma declaração conjunta. “Os acontecimentos recentes indicam que o pior ainda pode estar por vir.” Declarações semelhantes foram feitas por representantes das Nações Unidas.
Enquanto essas organizações humanitárias pedem aos líderes mundiais que “exijam que o governo de Israel revogue imediatamente sua ordem” e “exijam que todas as partes concordem com o cessar imediato das hostilidades”, a GloboNews está favorecendo repetidamente um ponto de vista mais belicoso, que desconsidera descaradamente o direito internacional.
“A única saída agora é militar”, disse Pontual, ao vivo na GloboNews. “Então um cessar fogo agora seria um erro, seria a vitória do Hamas. E isso não pode acontecer”. A posição de Pontual resultaria na morte sem sentido de milhares de civis e arriscaria a eclosão de um conflito regional mais amplo, com consequências ainda maiores.
O teólogo e pesquisador Ronilso Pacheco apontou ainda que a GloboNews entrevistou fundamentalistas cristãos pró-Israel, como o Pastor Felippe Valadão, investigado pelo Ministério Público do Rio por ataques a religiões de matriz africana.
Extremistas evangélicos acreditam que todos os judeus devem “retornar a terra prometida” a fim de cumprir a profecia bíblica que trará o Fim dos Tempos, no qual todos os judeus serão lançados ao Inferno enquanto cristãos ascenderão aos céus — uma visão de mundo extremamente antissemita que aparentemente é legitimada pela GloboNews.
Outro comentarista de longa data da GloboNews, Guga Chacra, fez comentários que desumanizaram os civis palestinos e deram a entender que as vidas israelenses têm um valor relativo maior, o que justificaria ataques desproporcionais de Israel a Gaza: “Morreram pessoas como todos nós“, disse Chacra, referindo-se às vítimas israelenses do Hamas. “O que o Hamas fez é diferente. O Hamas matou pessoas”. No momento de seus comentários, no domingo, dia 8, Israel já havia matado cerca de 700 pessoas em Gaza, incluindo dezenas de crianças.
O teor desumanizador dos comentários de Pontual e Chacra não podem ter lugar em um debate que respeite direitos e jamais seria permitido se suas posições fossem invertidas. Essas posturas estão em sintonia com as dos representantes do governo de extrema direita de Israel.
“Estamos lutando contra animais humanos”, disse à imprensa o ministro da Defesa de Israel, Yoav Gallant, ao anunciar que estavam “impondo um cerco completo a Gaza. Não haverá eletricidade, nem alimentos, nem água, nem combustível, tudo será cortado”. Até mesmo os hospitais estão sem luz e água potável e os suprimentos estão mortalmente baixos — evacuar os milhares de pessoas feridas e doentes é impraticável, como disse o pessoal do Médicos sem Fronteiras.
Um grupo de especialistas das Nações Unidas rapidamente classificou que a política israelense “equivale a punição coletiva”, acrescentando que “é absolutamente proibida pela lei internacional e equivale a um crime de guerra“.
O duplo padrão de moralidade nos jornais é evidente. “Os ataques da Rússia contra a infraestrutura civil, especialmente a eletricidade, são crimes de guerra. Cortar a água e a luz de homens, mulheres e crianças… são atos de puro terror”, argumentou a presidente da Comissão Europeia, Ursula von der Leyen, em outubro do ano passado sobre a Ucrânia, em um sentimento amplamente compartilhado por muitos dos que atualmente defendem Israel por fazer o mesmo.
O presidente israelense Isaac Herzog — considerado a face “moderada” do governo — apresentou à imprensa uma janela para a mentalidade ideológica que justifica essas atrocidades na sexta-feira, dia 13: “É uma nação inteira lá fora que é responsável”, referindo-se a Gaza e os ataques do Hamas. “Não é verdade essa retórica de que os civis não sabiam, não se envolveram. Absolutamente não é verdade. Eles poderiam ter se levantado, poderiam ter lutado contra aquele regime maligno, que assumiu o controle da Gaza.”
O primeiro-ministro israelense Benjamin Netanyahu prometeu transformar Gaza em uma “ilha deserta” e “mudar o Oriente Médio”. Ele acrescentou, em tom de ameaça, que “o que faremos com nossos inimigos nos próximos dias repercutirá entre eles por gerações“. Fica evidente que “os inimigos” são o povo palestino e não apenas a ala militar do Hamas.
Giora Eiland, general israelense aposentado e consultor de segurança, disse que Israel deve “criar um desastre humanitário sem precedentes” em Gaza. Ele ameaçou abertamente outra Nakba: “Somente a mobilização de dezenas de milhares e o clamor da comunidade internacional criarão a alavanca para que Gaza fique sem o Hamas ou sem pessoas. Estamos em uma guerra existencial”.
Quando a mídia normaliza e endossa acriticamente as ações militares de Israel, as justificando com um enfoque desequilibrado sobre o Hamas, ela está dando poder a essas pessoas para determinar o destino de todo um povo. Há alguma dúvida sobre até onde eles estão dispostos a ir?
Pedimos à mídia brasileira que seja responsável e acabe com essa loucura. Assim como durante a crise da Covid-19, este momento excepcional de calamidade exige que a imprensa se levante em nome da vida e da dignidade humana. É hora de deixar de lado as lealdades políticas, cessar o apoio acrítico ao assassinato em massa de civis e exigir o fim imediato da violência. Essa posição não é pró-Israel ou pró-Palestina — é pró-Humanidade.
Por favor, ouçam antes que seja tarde demais.
Assinado,
Todos os que exigem paz.
Mais de 22 mil brasileiros assinaram esta petição. Atualizações em breve.
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