Na contramão de seus discursos contra a esquerda na última campanha presidencial no Brasil, a Igreja Universal do Reino de Deus, do bispo Edir Macedo, declarou apoio ao presidente Nicolás Maduro, da Venezuela, e defendeu o fim do bloqueio e sanções ao país.
Ex-pastores que conhecem os meandros e o modo de atuar da Universal com quem o Intercept Brasil conversou acreditam que o principal objetivo de Macedo é a obtenção de concessão de TV no país – o que já foi sinalizado por Maduro às igrejas evangélicas.
No dia 6 de março, Maduro e sua mulher, Cilia Flores, participaram de um ato com pastores e pastoras evangélicos de 23 estados venezuelanos. O evento foi divulgado pelo próprio governo de Maduro. Segundo a divulgação oficial, 17 mil religiosos teriam participado do evento.
O bispo da Universal Ronaldo Santos, representante da igreja no país, foi um dos oradores. Posou ao lado de Maduro e deu um abraço no presidente venezuelano ao final.
“Meu Deus, podemos ter sanções, bloqueios, de todas as partes do mundo, mas não do céu. O céu está aberto sobre esta nação, sobre este país”, disse Santos. E continuou: “Então meu Pai, eu te peço: derruba os bloqueios, as sanções, todo o meu Deus que tem impedido este país de se manter à tona, de avançar”.
Durante o governo de Hugo Chávez, que comandou a Venezuela de 1999 até sua morte, em 2013, a Universal teve dificuldades ao tentar se expandir no país. Ex-pastores contam que Chávez chegou a confiscar um terreno da igreja onde seria construída uma catedral.
Agora, para atrair o apoio dos evangélicos, Maduro prometeu reduzir impostos para as igrejas e também lançou no ano passado o programa “Minha Igreja Bem Equipada”, para oferecer mobília aos templos cristãos e dar bônus de US$ 10 a pastores. Também criou o “Dia do Pastor ”, em 15 de Janeiro, dia da morte de Martin Luther King.
Questionada pelo Intercept, a Igreja Universal do Reino de Deus afirmou que a instituição em cada país “dispõe de total e absoluta autonomia administrativa, sempre observando as leis e as tradições locais” e que perguntas deveriam ser encaminhadas à Universal venezuelana. Tentamos contato, mas não obtivemos resposta.
De olho na TV
Os evangélicos somam hoje entre 15% e 20% da população venezuelana e se dividem, principalmente, entre batistas e pentecostais. Os primeiros, além da Conferência Episcopal da Igreja Católica, se opõem a Maduro.
Já os segundos se aliaram ao governo. Assim como seu antecessor Hugo Chávez, Maduro buscou o apoio pentecostal para confrontar as igrejas Batista e Igreja Católica.
Em 2019, o chavismo, o movimento político criado por Hugo Chávez, fundou o Movimento Cristão Evangélico pela Venezuela, o Mocev. Ele tem a coordenação de Moisés Garcia, um pastor e deputado pelo partido de Maduro, o Psuv.
“Maduro está aglutinando o apoio das igrejas pentecostais como contraponto à Conferência Episcopal Católica e aos evangélicos batistas, que não estão aderindo a esse movimento. É a tática de fortalecer quem está ao seu lado, os pentecostais, para confrontar o outro lado”, me disse o ex-pastor da Universal Ronaldo Didini, que foi o braço direito de Edir Macedo na TV Record nos anos 1990.
Didini foi o responsável por implantar a emissora em Angola e Moçambique. Para ele, a Igreja Universal espera ser beneficiada com a concessão de emissoras de TV na Venezuela em troca do apoio ao governo.
“Foi com esse tipo de aproximação que a igreja conseguiu que o sinal da Record fosse transmitido em Angola e Moçambique”, observou. “A estratégia usada em Angola durou até um certo ponto. Em Moçambique, perdura até os dias de hoje. Se na Venezuela essa estratégia terá êxito, só o tempo dirá”.
Maduro, segundo a TV estatal venezuelana, ordenou a instalação de uma comissão técnica liderada pela Comissão Nacional de Telecomunicações e pelo Movimento Evangélico Cristão da Venezuela, com o objetivo de permitir à comunidade cristã o acesso à radiodifusão, “sem burocracia e sem demora”.
Para Universal, é ‘impossível ser cristão e de esquerda’ (mas só no Brasil)
Aqui no Brasil, os afagos entre Maduro e a Universal renderam. Sites e canais evangélicos, como o do ex-pastor da Universal Davi Vieira, e o do ex-diácono da Assembleia de Deus André Carpano, passaram a fazer duros ataques à Universal e ao bispo Edir Macedo devido ao apoio a Maduro – a quem classificam como “ditador”.
“A Universal é capaz de tudo para se manter no poder. Ela vai se aliar a qualquer um, custe o que custar, para que continue crescendo no mundo. A Venezuela é um país que vem sendo castigado e destruído há anos, um governo que vem acabando com a população. E o Edir Macedo, por meio de seu bispo no país, fez um pacto com o ditador Maduro”, atacou Vieira.
’A estratégia usada em Angola durou até um certo ponto. Em Moçambique, perdura até os dias de hoje. Se na Venezuela essa estratégia terá êxito, só o tempo dirá.’
“Se você tinha alguma dúvida de que a Igreja Universal, o bispo Edir Macedo e toda a sua cúpula supostamente tinham alguma ligação com o capiroto, agora você pode ter certeza que isso é um fato. Agora, a Universal a Universal fez uma aliança com ninguém menos que o ditador Maduro”, criticou Carpano.
Em janeiro de 2022, o bispo Renato Cardoso, genro de Edir Macedo e o segundo nome hoje na hierarquia da Igreja Universal, divulgou um texto no qual apontava cinco motivos para comprovar que é impossível alguém ser cristão e de esquerda.
“A esquerda prega contra o casamento convencional e incentiva questões como a liberdade do uso de drogas, que causam mal individual e social e desestruturam as famílias”, escreveu Cardoso.
Em outro item, formas de governar, o religioso critica a China e a Coreia do Norte, “países esquerdistas que não permitem nem mesmo que existam templos cristãos”. “A esquerda gosta de mentir que luta contra a ditadura, mas o marxismo, base do esquerdismo, produziu historicamente as maiores ditaduras que oprimiram o povo”. Convenientemente, nenhuma palavra sobre a Venezuela.
Em 2018 e 2022, a Igreja Universal se engajou fervorosamente nas campanhas de Jair Bolsonaro à presidência da República. Mas, como o Intercept antecipou, se Lula vencesse, a igreja passaria a apoiar o governo. Hoje, o partido Republicanos – o braço político da igreja, que conta com 41 deputados federais –, é da base do governo Lula.
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