As chuvas no Sul voltaram e a cidade de Porto Alegre já está sofrendo com inundações novamente. Algumas famílias tiveram que abandonar suas casas e outras tantas precisaram ser resgatadas.
É estarrecedor assistir à inoperância da prefeitura de Porto Alegre que, mais uma vez, subestimou alertas da previsão climática e não organizou um plano de evacuação adequado.
Enquanto o nível da água subia na última quinta-feira, o prefeito Sebastião Melo sumiu durante todo o dia. Depois, na coletiva de imprensa, confessou que sabia que as chuvas ocorreriam, mas foi surpreendido pelo alto volume.
Segundo ele, os registros apontam que choveu 130 mm em um intervalo de 15 horas. Ocorre que Instituto Nacional de Metereologia, o Inmet, já havia alertado para o grande volume de chuvas, que poderia superar os 100 mm em algumas regiões. Ou seja, o prefeito sabia da possibilidade de uma nova tragédia e nada fez.
É mais um caso clássico de sucateamento de órgão público para privatizar.
Como se já não bastasse o governador Eduardo Leite ter gastado apenas 0,0003% das verbas destinadas à prevenção das enchentes, o prefeito da capital gaúcha também preferiu economizar com a manutenção do sistema antienchente.
O que prefeito e governador têm em comum? A tara pelo estado mínimo, pelo superávit fiscal, pela dilapidação do setor público em favor do setor privado. Porto Alegre está há pelo menos sete anos sob a égide dessa lógica.
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O antecessor de Melo, o tucano Nelson Marchezan Jr, também faz parte dessa turma. Ele foi responsável por extinguir 14 secretarias municipais, entre elas o Departamento de Esgotos Pluviais, o DEP, órgão responsável pelo muro, diques, casas de bombas e toda a estrutura de contenção das águas do Rio Guaíba.
O Departamento Municipal de Água e Esgoto, o DMAE, absorveu essa responsabilidade, mas foi aos poucos sendo sucateado para atender à sanha privatista de Marchezan.
Essa conclusão não é minha, mas do TCE-RS, que apontou em relatório que o ex-prefeito teve “conduta contrária ao interesse público, desarrazoada e imprudente” na gestão do órgão mesmo após ter recebido vários alertas.
A investigação foi motivada por denúncias de que Marchezan havia tirado a autonomia do órgão, fazendo os serviços piorarem. O tribunal comprovou que o quadro de funcionários foi reduzido, assim como a capacitação deles.
Os serviços pioraram e as interrupções do abastecimento de água aumentaram em 40% em relação à gestão anterior. É mais um caso clássico de sucateamento de órgão público para preparar o terreno para o setor privado comprar e lucrar.
Ontem, um manifesto assinado por 42 engenheiros e técnicos especialistas do Rio Grande do Sul apontou que o sistema antienchente de Porto Alegre é “robusto, eficiente, e fácil de operar e manter” e só não funcionou por falta de manutenção adequada.
O documento revela também um déficit de 2.400 funcionários no DMAE. Ou seja, a tragédia em Porto Alegre era fácil de ser evitada, não fosse a tara privatista.
Durante a campanha eleitoral, Melo criticou Marchezan por perder “R$ 121 milhões destinados à reforma das casas que bombeiam a água da chuva”. O prefeito bolsonarista afirmou que as casas de bombas “precisavam ser reformadas para resolver os problemas de alagamento” e prometeu retomar os investimentos no setor.
Depois de eleito, Melo não fez absolutamente nada para resolver o problema. Claro, cumprir uma promessa dessas custa dinheiro e, como se sabe, o que norteia a gestão dessa gente é a obsessão pelo enxugamento dos custos do Estado.
Nessa seara — e em muitas outras — o tucanismo e o bolsonarismo estão juntos e misturados. Além de tudo isso, Melo e sua turma são negacionistas do aquecimento global. O seu grupo político rejeita a ideia de que a ação humana é responsável pelas mudanças climáticas.
É o Estado mínimo a qualquer custo, que tira comida de criança pobre para ver as contas no azul.
O seu vice-prefeito, por exemplo, é um integrante da Brasil Paralelo, a produtora de vídeos que divulga conteúdo negacionista e que serve aos interesses da extrema direita.
Em tempos de tragédias climáticas, o combo negacionismo científico + tara pelo estado mínimo são bombas-relógio para qualquer cidade, estado ou país. E várias delas já estão explodindo. A conta do aquecimento global está chegando para todos e deixando escancarada a maldição que é a lógica ultraliberal somada ao negacionismo.
Haja vista o que aconteceu com o Brasil governado por Bolsonaro durante a pandemia.
Vivemos tempos em que defender essa combinação já não é mais mera questão ideológica, mas uma questão moral. Uma das lições que as últimas catástrofes climáticas nos traz é a de que a lógica do enxugamento do Estado causa danos devastadores para a sociedade.
Não é moralmente aceitável — ou não deveria ser — que governantes busquem bons resultados na planilha de Excel às custas do sofrimento do povo. A Argentina de hoje é um exemplo bem acabado disso.
O ultraliberal Milei — o novo queridinho da extrema direita mundial e de boa parte da imprensa corporativa brasileira — governa exclusivamente visando atingir superávit fiscal enquanto empurra quase 60% do povo argentino para a miséria, a fome e o abandono completo. E, ainda assim, é aplaudido por muita gente.
É a defesa do estado mínimo a qualquer custo, que não vê problemas em tirar comida de criança pobre para poder ver as contas no azul. “Estado bom é estado morto” — esse seria um lema preciso e honesto para bolsotucanismo.
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