
Levou quase três anos, mas o Congresso finalmente analisou o veto do ex-presidente Jair Bolsonaro a trecho da Lei de Segurança Nacional e Crimes contra o Estado Democrático de Direito (14.197/2021) que previa como crime a:
Comunicação enganosa em massa
Promover ou financiar, pessoalmente ou por interposta pessoa, mediante uso de expediente não fornecido diretamente pelo provedor de aplicação de mensagem privada, campanha ou iniciativa para disseminar fatos que sabe inverídicos, e que sejam capazes de comprometer a higidez do processo eleitoral
Pena – reclusão, de 1 (um) a 5 (cinco) anos, e multa.
A manutenção do veto serviu como gasolina na fogueira dos bolsonaristas. Deputados e influencers seguem empenhados em vender não só no Brasil, mas no resto do mundo, a ideia descabida de que o Brasil vive um regime de censura comandado pelo ministro do Supremo Tribunal Federal, Alexandre de Moraes.
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A batalha que travaram foi bem-sucedida. Um total de 347 deputados votou por manter o veto, contra 139 que votaram pela derrubada deste, e 4 que se abstiveram.
Mas isso está longe de significar que a internet seja terra sem lei. Desde o longínquo ano de 1990, a legislação eleitoral já prevê a figura da “utilização indevida de veículos ou meios de comunicação social”, conforme art. 22 da lei complementar n. 64/90.
Bolsonaristas denunciam como censura dispositivos que eles mesmos utilizam.
Com base nisso, a justiça eleitoral como um todo, não apenas o Tribunal Superior Eleitoral, o TSE, vem sancionando a divulgação de fatos manifestamente inverídicos, inclusive por redes sociais, quando estes se mostrarem capazes de exercer influência perante o eleitorado.
Essas sanções se dão por meio de ações civis ajuizadas pelos próprios partidos políticos ou pelo Ministério Público Eleitoral. E podem resultar na remoção liminar de posts ou perfis envolvidos, aplicação de multa, cassação de mandatos e inelegibilidade por 8 anos dos responsáveis.
Bolsonaristas tentam te convencer de que isso é censura, mas a prática está baseada em leis aprovadas pelo Congresso e aplicadas há décadas por juízes eleitorais, desembargadores de Tribunais Regionais Eleitorais e Ministros do TSE. Em muitas situações, essas decisões atingem candidatos ou influencers ligados à esquerda e a pedido dos próprios bolsonaristas.
É o caso da decisão liminar, proferida nas eleições de 2022 pelo ministro Paulo de Tarso Sanseverino e depois referendada pelo plenário do TSE, determinando que o Twitter e o Facebook excluíssem publicações do deputado federal André Janones, do Avante, que atribuíam indevidamente a Bolsonaro ações para a derrubada do piso nacional da enfermagem.
Ou seja, denunciam como censura dispositivos dos quais se utilizam durante as eleições para pedir e obter a remoção de conteúdos de seus opositores. Difícil encontrar uma definição mais precisa de hipocrisia e desonestidade intelectual.
Apesar de insignificante juridicamente, a manutenção do veto é plena de significado político.
Além de ações eleitorais, a divulgação de fake news em período eleitoral também já pode ser punida criminalmente. Os crimes contra a honra do Código Penal, como calúnia, injúria e difamação, continuam válidos e a Lei 14.192/2021, sancionada por Bolsonaro prevê que:
“Art. 323. Divulgar, na propaganda eleitoral ou durante período de campanha eleitoral, fatos que sabe inverídicos em relação a partidos ou a candidatos e capazes de exercer influência perante o eleitorado:
Pena – detenção de dois meses a um ano, ou pagamento de 120 a 150 dias-multa.
(…)
§ 2º Aumenta-se a pena de 1/3 (um terço) até metade se o crime:
I – é cometido por meio da imprensa, rádio ou televisão, ou por meio da internet ou de rede social, ou é transmitido em tempo real”.
Nesse contexto, pode-se até dizer que o dispositivo vetado por Bolsonaro tinha redundância em relação às leis penais-eleitorais já vigentes no Brasil. Talvez alguma novidade estivesse na tentativa de se punir campanhas de massa com pena mais elevada. Mas essas ainda podem ser enquadradas na legislação atual e não se tornaram lícitas em função do veto.
Virada de ventos no Congresso… em sentido à mentira
Apesar de insignificante juridicamente, a manutenção do veto de Bolsonaro a um esforço adicional de proibição e criminalização de fake news em eleições é plena de significado político.
O placar com o qual o Congresso decidiu a matéria dá um sinal inequívoco de que os ventos viraram.
Os fatos falam por si: em 2021, foram os próprios parlamentares que aprovaram a criminalização. O veto veio do executivo em 2024, e esses mesmos parlamentares a rejeitaram. Esforços mais sistêmicos e necessários para o combate às fake news políticas, como o projeto de lei 2630/2020, sobem no telhado.
Fora do Congresso, a notícia reverberou como se a não-derrubada do veto significasse que a disseminação de fake news durante eleições está liberada.
Isso não é verdadeiro, mas será usado por bolsonaristas como desculpa para mentirem nas eleições que se avizinham. Ou para denunciar uma inexistente ditadura quando, por essas mesmas mentiras, receberem decisões desfavoráveis da justiça eleitoral.
Temos uma oportunidade, e ela pode ser a última:
Colocar Bolsonaro e seus comparsas das Forças Armadas atrás das grades.
Ninguém foi punido pela ditadura militar, e isso abriu caminho para uma nova tentativa de golpe em 2023. Agora que os responsáveis por essa trama são réus no STF — pela primeira e única vez — temos a chance de quebrar esse ciclo de impunidade!
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