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Protestos na Nigéria: um país rico em petróleo, pobre em combustível

A população nigeriana passou dez dias nas ruas no começo de agosto, protestando contra o fim dos subsídios aos combustíveis. Lá, como aqui, falta política voltada aos mais pobres.


A Nigéria possui a maior produção de petróleo na África, com uma média de 1,53 milhão de barris por dia. Um número excelente, que dá a sensação de autossuficiência. No entanto, desde maio de 2023, o preço dos combustíveis triplicou.

O país mais populoso do Continente Mãe passa por momentos turbulentos desde a eleição do presidente Asiwaju Ahmed Bola Tinubu, em fevereiro de 2023. Tinubu, do Congresso de Todos os Progressistas, o APC, na sigla em inglês, partido que governa a Nigéria desde 2015, disse em seu discurso de posse, em maio de 2023, que os “subsídios já eram”.

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Os subsídios para os combustíveis vigoram no país desde os anos 1970 e foram institucionalizados pelo Ato de Controle de Preços de 1976. A Nigéria, apesar de possuir um petróleo de excelente qualidade, não possui capacidade de refino.

Isso força o país a vender seu petróleo cru para outras nações e comprar combustível refinado da Noruega, Bélgica, Índia e Reino Unido a preço de mercado. Para tentar amenizar o custo para seus cidadãos, o governo subsidia o preço.

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Para muitos nigerianos, o subsídio era o único benefício que recebiam do governo e ajudava a amenizar o custo de vida no país. Entretanto, o custo de manutenção desses subsídios foi um dos principais temas da eleição passada.

Assim como no Brasil, os combustíveis têm uma importância crucial para a economia nigeriana. Além disso, são usados como fonte de energia nas residências.

Dependência dos combustíveis e salário mínimo

É comum em muitas cidades do país, incluindo Lagos, a cidade mais populosa do continente, e a capital, Abuja, encontrar geradores de energia movidos a gasolina ou diesel. Eles costumam ser usados diariamente, tendo em vista que o fornecimento de energia pelo governo não é constante.

A única coisa que não aumentou foi o salário mínimo.

Dado o contexto, a retirada repentina dos subsídios, sem escalonamento, fez o preço do litro de gasolina triplicar em pouco mais de um ano, passando de uma média de 300 nairas (R$ 1) para quase 900 nairas (R$ 3).

Soma-se a isso a livre flutuação do preço da naira frente ao dólar estadunidense, resultando em desvalorização da moeda e consequente perda de poder de compra do cidadão nigeriano.

Como efeito dominó, se o preço dos combustíveis aumenta, o preço das mercadorias e transportes também aumenta, o que gera aumento da inflação, que chegou a 34,18% em julho, a mais alta dos últimos 28 anos.

A justificativa para a retirada dos subsídios era o alto custo de sua manutenção; estima-se que hoje em dia o país gasta metade dos recursos obtidos com a exploração do petróleo com os subsídios.

A única coisa que não aumentou foi o salário mínimo. Por conta disso, protestos eclodiram em junho de 2024, liderados pelas centrais sindicais que reivindicavam um aumento do salário mínimo de 30 mil nairas, ou R$ 104, para 494 mil nairas, o equivalente a R$ 1.708. O governo ofereceu 70 mil nairas, ou seja, R$ 242, e os protestos cessaram.

Quando as coisas pareciam se normalizar, foram publicadas notícias de gastos do governo para compra de carros, na ordem de 7,3 bilhões de nairas (R$ 25 milhões) à presidência, incluindo um veículo exclusivo à primeira-dama. Tinubu pediu paciência à população nigeriana diante do aumento do custo de vida, mas, irritados, os nigerianos voltaram às ruas em novo ciclo de manifestações.

Os organizadores prometeram 10 dias seguidos de protestos e cumpriram. Os nigerianos foram às ruas do dia 1 à 10 de agosto. Os protestos se tornaram mais violentos, com direito a saques e arrastões em mercados locais, nos estados do norte e nordeste do país, como Kano, Kaduna e Borno.

Essas são regiões em que a oferta de combustíveis é menor e a incidência do mercado paralelo é maior, tornando o preço do combustível mais caro. Além disso, são regiões com forte histórico de pobreza e ações de grupos jihadistas como o Boko Haram, grupo terrorista responsável pelo sequestro de 276 alunas da escola secundária localizada em Chibok, no estado de Borno.

O atual vice-presidente da Nigéria, Kashim Shettima, era o governador à época dos fatos. Passados 10 anos, ainda existem mulheres desaparecidas.

 Guerra de Biafra

Há 50 anos, o petróleo é a principal fonte de renda do estado nigeriano. Por ele, o estado se opôs à secessão da região de Biafra, resultando na morte de milhões de pessoas na Guerra de Biafra. No entanto, a falta de projetos estatais direcionados à autossuficiência energética e elétrica continua a condenar os nigerianos à penúria e à miséria.

É inadmissível que um país como a Nigéria não possua uma refinaria sequer com capacidade de refino de petróleo. Enquanto isso, o refino ilegal de petróleo em áreas petrolíferas segue ceifando centenas de vidas todos os anos.

Mesmo sendo a maior economia e o mais populoso do continente Africano, o estado nigeriano falha de forma sistemática em garantir direitos básicos aos seus cidadãos. Não temos proteção contra a violência policial, contra os grupos jihadistas, não há salários decentes, não há acesso aos combustíveis com preços baixos, muito menos energia elétrica constante. O que resta aos jovens nigerianos?

A nova geração quer mais mudanças e melhorias.

A população, especialmente os mais jovens, clama por um estado presente, que a ajude a superar as dificuldades enfrentadas por um país recém-criado ao tentar conquistar seu espaço no século XXI, marcado pelos avanços tecnológicos.

No entanto, esse objetivo não parece ser compartilhado pelo governo Tinubu, que tenta aplicar velhos remédios liberais, mas sem sucesso.

Classe dominante medíocre

Parafraseando Darcy Ribeiro, a Nigéria possui uma classe dominante ranzinza, azeda, medíocre, cobiçosa e que não deixa o país ir para frente, e Tinubu é um representante autêntico dessa classe.

Ele comanda a política do estado de Lagos, o mais rico do país, há pelo menos 25 anos; ajudou a eleger todos os governadores desde que saiu do cargo de governador em 1999; e foi crucial para a eleição de seu antecessor, o ex-presidente Muhammadu Buhari.

O governo, em uma medida desesperada, reintroduziu em parte os subsídios para conter a alta no preço dos combustíveis. Sua única esperança é que a refinaria privada de Aliko Dangote, o homem mais rico da Nigéria e da África, ajude a aplacar os preços, o que só comprova a ineficiência estatal em liderar projetos de infraestrutura petrolífera.

A situação no país é grave e merece atenção. Mesmo com as medidas supracitadas, o governo teme por mais manifestações dos jovens que estão fartos dos mesmos políticos que só oferecem violência como resposta. A nova geração quer mais mudanças e melhorias; resta saber como Tinubu e o estado nigeriano responderão a estes apelos.

Se isso não for feito, a Nigéria continuará a fracassar em manter seus jovens e perderá talentos em todas as áreas. Não faltam histórias de descendentes de pais nigerianos alcançando sucesso em outros países. Não se pode cobrar patriotismo e senso de pertencimento se o país não oferece meios para isso.

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