Isabela Fernandes

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VPNs protegem a sua privacidade e podem ser indispensáveis para muita gente – inclusive ministros do STF

Ainda pouco utilizados no Brasil, VPNs protegem a privacidade dos usuários na internet e deveriam ser incentivadas.

Crédito: Pedro Ladeira/Folhapress

Na última sexta-feira, 30 de agosto, o ministro do Supremo Tribunal Federal, o STF, Alexandre de Moraes determinou o bloqueio do funcionamento do X em todo o Brasil. Essa decisão é acertada.

Elon Musk, sócio-majoritário do X, vem desrespeitando as decisões judiciais brasileiras. Além de não cooperar com a justiça, ele agiu proativamente para dificultar a execução das decisões do poder judiciário brasileiro ao extinguir a subsidiária do X no Brasil.

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O Marco Civil da internet obriga entidades estrangeiras a terem representantes no Brasil exatamente para que elas não fiquem fora do alcance da fiscalização e do controle do poder público. E deixa bem claro que “a sociedade estrangeira autorizada a funcionar ficará sujeita às leis e aos tribunais brasileiros, quanto aos atos ou operações praticadas no Brasil”.

O Twitter não está acima da lei no Brasil. Enquanto possuía uma representação no país, a empresa recebeu ordens do STF para bloquear contas que cometeram crimes de acordo com a lei brasileira.

Outras empresas, como o Youtube, Meta e Google, receberam ordens parecidas e cumpriram dentro dos prazos estabelecidos, enquanto Elon Musk se negou a cumprir a ordem emitida pelo STF.

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No momento em que o STF começou a aplicar uma multa diária pelo descumprimento da ordem, Musk explicitamente disse que fecharia a filial no Brasil para continuar a descumprir a lei.

O STF então deu o prazo de 24 horas para o Twitter indicar uma nova representação no país. Quando o prazo acabou, o STF tomou a decisão de bloquear o funcionamento da plataforma, até que a lei seja cumprida e as multas pagas.

Essa atitude do STF está corretíssima: o Twitter e o Elon Musk não estão acima da lei e devem ser punidos.

O que são VPNs e porque Moraes errou ao proibí-los

Acontece que na mesma ordem o STF incluiu o uso das VPNs (virtual private networks, ou seja, “redes virtuais privadas”). Esta não foi uma decisão feliz, porque quem está sendo punido é o usuário e não o Elon Musk ou a empresa Twitter, que são os que não estão cumprindo a lei.

Apesar disso, o uso de VPNs explodiu. Um site especializado identificou uma alta de 1.600% na procura por VPNs no Brasil.

A princípio o STF chegou a exigir que a Apple e o Google bloqueassem os usuários brasileiros de baixarem VPN das suas lojas de aplicativos. Mas depois reverteu essa decisão.

As VPNs, tal como o Tor, são aplicativos que permitem ao usuário acessar um site ou serviço com um IP (internet protocol, ou “protocolo de internet”, uma espécie de endereço do seu computador) de fora do país. Ou seja, o bloqueio do Twitter no Brasil é feito para pessoas que estão acessando o serviço desde um IP brasileiro.

Quando alguém acessa o Twitter com um IP dos EUA ou da França, ele não está bloqueado. Até mesmo porque a justiça brasileira não tem jurisdição nesses países e não pode controlar o que as pessoas de lá fazem na internet.

Mas uma VPN pode ser usada para diversas finalidades além de tentar acessar o Twitter. Seria um abuso o STF pedir para a Apple e o Google impedirem que usuários brasileiros possam simplesmente baixar esse tipo de aplicativo.

O STF parte da premissa de que todo mundo que baixar uma VPN está cogitando acessar o Twitter. Além de falsa essa premissa, é completamente ilegal esse tipo de ação no Brasil. E deve ter sido por isso que no mesmo dia o STF recuou com esse pedido.

Mas ele manteve uma outra parte da sua decisão que pune o usuário. A aplicação de uma multa diária de R$50 mil às pessoas que utilizarem qualquer tecnologia, Tor ou VPN por exemplo, para acessar o Twitter.

VPN, uma ferramenta indispensável para proteger seus dados

Acontece que existe uma lista enorme de razões que levam as pessoas a usarem uma VPN ou o Tor. Existem muitos casos onde as pessoas estão simplesmente tentando proteger a sua privacidade na internet.

Uma VPN permite que você utilize a internet sem que sites e empresas tenham acesso a como você as usa. Assim, ele impede que uma empresa mande anúncios indesejados ou, pior, que alguém tenha acesso a dados pessoais sigilosos e/ou sensíveis.

No Projeto Tor, nós coletamos algumas histórias de usuários que demonstram isso. Um pai de dois adolescentes usa o Tor para fazer buscas sobre problemas que os seus filhos e amigos estão se deparando (como sexo, drogas, bullying) para poder conversar abertamente com os seus filhos.

Ele usa o Tor para evitar que sites como o Google (e outros) saibam dos problemas que os seus filhos estão enfrentando, para que eles não sejam expostos. Ele também incentiva os filhos a usarem o Tor para pesquisas pelos mesmos motivos.

Outra pessoa comentou que usa o Tor para pesquisar sobre doenças mentais, como, por exemplo, depressão, que ocorrem na família dela. Ela não quer que ninguém saiba sobre essas doenças e por isso utiliza a nossa ferramenta para garantir a proteção da sua privacidade.

Não me parece justo gastar milhares de reais dos cofres públicos para punir o usuário.

Uma pessoa que é profissional da medicina atende em uma cidade muito politizada, onde muitos de seus pacientes atuam em áreas de legislação que podem influenciar grandes empresas. Ela utiliza o Tor para fazer pesquisas sobre doenças e tratamentos, bem como para analisar detalhes dos históricos de saúde de seus pacientes.

Ela está ciente de que seu histórico de buscas pode ser correlacionado com as visitas dos pacientes, e informações sensíveis sobre a saúde deles podem ser expostas. Por esse motivo, ela usa o Tor para proteger a privacidade dos seus pacientes.

Uma decisão inexequível

E como o STF pretende aplicar essa punição? Não cabe ao STF monitorar todas as contas brasileiras no Twitter. O STF vai pedir para o Twitter enviar a informação das contas brasileiras que estão ativas durante esse período de suspensão? Ora, se o Twitter não vem cumprindo nenhuma ordem do STF (por isso mesmo que ele foi suspenso), é pouco provável que responda a tal pedido.

Mas digamos que o STF consiga saber que uma conta brasileira publicou um tweet durante esse período de suspensão. E que este tweet veio de um IP do exterior. Como que o STF vai saber se a pessoa não estava no exterior quando tweetou? Mesmo se ele conseguir identificar que esse IP pertence a um serviço de VPN ou à rede Tor, como que ele vai saber se a pessoa não estava no exterior ao fazer isso?

O STF vai pedir para as empresas de VPNs monitorarem os seus usuários brasileiros e entregar a informação daqueles que utilizaram o seu aplicativo para acessar o Twitter? Mesmo que as empresas de VPN colaborem com o STF, no caso do Tor é diferente: ele não possui informação de usuário, ou seja, não tem como entregar esses dados para o STF.

E o custo relacionado ao trabalho que o estado brasileiro terá para fazer esse controle e punir os usuários? Não me parece justo gastar milhares de reais dos cofres públicos para punir o usuário enquanto quem realmente cometeu o crime e desobedeceu o judiciário foi Elon Musk.

Digamos que uma conta de perfil conhecido, como a do vice-governador de Minas Gerais, Mateus Simões, que tweetou uma mensagem que fala de forma explícita que está usando VPN para furar o bloqueio seja do conhecimento do Tribunal.

O STF precisa ter acesso ao Twitter para poder comprovar isso. Como que ele vai fazer? Vai usar o Tor ou uma VPN? Ou vai basear a multa integralmente em matérias dos jornais, sem nenhuma outra comprovação? Não me parece cabível o STF punir os jornais que publicaram um print do tweet do vice-governador. Afinal, eles provavelmente utilizaram VPN para ver esse tweet.

Convenhamos que faltou orientação técnica para ajudar o ministro Alexandre de Moraes a entender que não faz sentido essa multa, principalmente, a parte prática de efetivar essa decisão.

Esse é um ótimo exemplo da importância de uma assessoria de pessoas com o conhecimento técnico tanto no judiciário quanto no legislativo. E infelizmente esse é um problema antigo.

Juízes e parlamentares não são obrigados a ter esse tipo de conhecimento, mas precisam de assessoria para tomar decisões sobre a internet e outras tecnologias. Idealmente, eles deveriam usar VPNs e/ou o Tor ao trabalharem em temas sensíveis!

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