Ilustrações: Lucas Thaynan e Edson Borges

Prefeitos do Nordeste ficam milionários e aumentam patrimônio em até 36 vezes nos últimos quatro anos

R$ 150 mil a R$ 4 milhões: conheça os prefeitos que multiplicaram seu patrimônio enquanto governavam cidades com PIB abaixo da média.

Ilustrações: Lucas Thaynan e Edson Borges

Eleições 2024

Parte 14


Com uma população de menos de 14 mil habitantes, o município de Mogeiro, no interior da Paraíba, se destaca entre as cidades do Nordeste quando o assunto é a evolução patrimonial do prefeito. É nesta cidade que Antonio Ferreira, do PL, que concorre à reeleição, aumentou em 36 vezes o seu patrimônio durante seu último mandato. 

Enquanto em 2020 ele declarou R$ 202,6 mil à Justiça Eleitoral, em 2024 informou ter R$ 7,4 milhões em bens. Um aumento de 3.555,15%.

Esse é um dos casos encontrados por um levantamento feito pela Agência Tatu, em parceria com o Intercept Brasil, que mostra a enorme evolução no patrimônio de alguns prefeitos nordestinos. A maioria governa cidades pequenas, com PIB abaixo da média nacional. O prefeito de Recife, João Campos, do PSB, é o único que governa uma capital a figurar na lista. Ele atribui o aumento a uma herança de seu pai, Eduardo Campos, morto em um acidente de avião em 2014. Leia abaixo.

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A reportagem analisou o patrimônio dos prefeitos de todas as cidades do Nordeste, comparando os dados de 2020 com os de 2024. Foram considerados aqueles que, em 2020, possuíam menos de R$ 999 mil em bens e, em 2024, ultrapassaram a marca de R$ 1 milhão. Todos foram procurados pela reportagem, mas só Dona Ana, de Mucugê, na Bahia, respondeu. 

Ilustrações: Lucas Thaynan e Edson Borges

De R$ 150 mil a R$ 4,5 milhões: Antonio Ferreira, do PL, de Mogeiro (PB)

Quando concorreu pela primeira vez ao cargo e foi eleito, em 2008, Antonio Ferreira não declarou bens ou sua ocupação. Já na reeleição de 2012 informou apenas ter uma caminhonete avaliada em R$ 50 mil. 

Em 2020, quando voltou a concorrer ao cargo, Antonio já declarou ser sócio e ter R$ 150 mil de capital social da empresa CEI Editora e Distribuidora, que tem CNPJ ativo desde 2005 e atua com comércio varejista de livros, jornais, revistas e papelaria, com sede no Centro de Campina Grande. 

Antonio Ferreira. Foto: Divulgação.
Antonio Ferreira. Foto: Divulgação.

Agora, o candidato declarou que o capital dessa mesma empresa soma R$ 4,9 milhões, mas há registro na Receita Federal de que chega a R$ 7 milhões.

Antonio Ferreira também é representante legal de sua filha Maria Eduarda Almeida de Melo Ferreira, que aparece como sócia da AJF Representações. A empresa está ativa desde 2020 e tem um capital social estimado em R$ 2,3 milhões. O empreendimento está endereçado na capital paraibana, com atividades de intermediação e agenciamento de serviços e negócios. 

Outra empresa ativa no nome de Antonio Ferreira é denominada AJF Participações, que não consta na declaração de bens do candidato. Essa foi aberta em maio de 2022, tem capital social estimado em R$ 1 milhão e atividade descrita como holdings de instituições não-financeiras.

A cidade de Mogeiro fica a 88 km de João Pessoa e possui um Produto Interno Bruto per capita de R$ 12.416,64, valor bem abaixo da média brasileira:R$ 42.247,52. 

De acordo com o IBGE, apenas 10,25% da população tem emprego formal e o salário médio mensal dos trabalhadores é de 1,5 salário mínimo (R$ 2.118). O último salário do prefeito registrado, de 2021, era de R$ 17 mil, segundo o Portal da Transparência do município.

Além de Antonio, mais seis candidatos figuram na lista de prefeitos que concorrem à reeleição e que, em quatro anos, se tornaram milionários, conforme aponta o levantamento feito pela Agência Tatu em parceria com o Intercept Brasil. 

Ilustrações: Lucas Thaynan e Edson Borges

Outro caso é o da prefeita da cidade baiana de Nova Viçosa, Luciana Machado, do União Brasil. Ela aumentou seu patrimônio em mais de 18 vezes, saindo de R$ 622 mil em 2020 para R$ 11,5 milhões em 2024, um crescimento de 1.758,19%. 

Pecuarista, Machado disputou o cargo de prefeita pela primeira vez em 2016 pelo PP, quando declarou R$ 321 mil em bens ao TSE. Naquele ano, ela não se elegeu.

Entre as declarações à Justiça Eleitoral de 2016 e 2020, seu patrimônio aumentou 93,74%, ou seja, praticamente dobrou. Já enquanto prefeita do interior baiano, essa evolução foi muito maior. O salário da gestora é de R$ 19,5 mil, de acordo com o Portal da Transparência da cidade. 

Durante todo esse período, Luciana manteve as mesmas informações na declaração: pecuarista, com ensino médio completo e casada. O aumento mais expressivo foi com os 45,98% da participação do capital social na empresa Patrimonial Futuro, do segmento de produção rural, o equivalente a R$ 10 milhões. A empresa foi criada em 15 de julho de 2022 tendo como sócio-administrador o marido da prefeita, o deputado estadual Robinho, também do União da Bahia. A sede fica na Avenida Luís Viana, uma das principais de Salvador.

O nome da prefeita também esteve ligado a outro CNPJ. A empresa, que também era chamada Patrimonial Futuro, iniciou as atividades em março de 2022, mas foi encerrada quatro meses depois, em 1º de julho, 15 dias antes da abertura da atual Patrimonial Futuro, que segue ativa.  

Nova Viçosa está localizada no extremo sul baiano, a 800 km de Salvador, e tem 39.509 habitantes. O PIB per capita de 2021, o mais recente disponível segundo o IBGE, foi de R$ 13.040,80, ocupando o 4.146º lugar entre 5.570 municípios brasileiros. 

Ainda de acordo com o IBGE, o salário médio dos trabalhadores formais em Nova Viçosa é 1,7 salário mínimo (R$ 2.400,40).

De R$ 242 mil a R$ 2,6 milhões: João Campos, do PSB, prefeito de Recife (PE) 

O prefeito do Recife, João Campos, do PSB, também ficou milionário entre 2021 e 2024. Na campanha anterior, o filho de Eduardo Campos, ex-governador de Pernambuco morto em 2014, declarou patrimônio de mais de R$ 242 mil e, agora, informou R$ 2,6 milhões. O aumento é de 975,62%%

Em 2020, João disse ter um imóvel de R$ 40 mil, um veículo de R$ 32 mil, R$ 15 mil em espécie e R$ 154 mil em “outros bens e direitos”. Nesta eleição de 2024, o prefeito declarou ter R$ 100 mil em “quotas ou quinhões de capital”, R$ 40 mil em imóveis e R$ 2,5 milhões em “outros bens e direitos”. 

João Campos. Foto: Divulgação
João Campos. Foto: Divulgação

O recifense entrou na política em 2018, aos 24 anos, quando se candidatou e foi eleito deputado estadual. Formado em engenharia civil, ele declarou ter na época R$ 123 mil. Como prefeito, o salário bruto de Campos é R$ 25 mil.

Entre os prefeitos nordestinos que se tornaram milionários nos últimos quatro anos, João Campos é o único de uma capital. Recife tem 1,4 milhão de habitantes e o segundo maior PIB per capita entre os demais municípios citados na reportagem, com R$ 33.094,37, ocupando o 1.889º lugar no ranking nacional. A cidade tem mais de 52% da população ocupada em trabalho formal, com renda média de 3,2 salários mínimos (R$ 4.518,40). 

O prefeito explicou que o crescimento patrimonial se refere à indenização por seguro em razão da morte do pai, que morreu em um acidente aéreo em 2014, quando disputava a presidência do Brasil.

De R$ 382 mil a R$ 3,3 milhões: João Carlos, do PP, prefeito de Buriticupu (MA)

Com R$ 382 mil declarados em bens, João Carlos foi eleito em 2020 pelo Patriota no município de Buriticupu, no Maranhão. Na época, informou ser solteiro e empresário. 

Em quatro anos, o patrimônio aumentou R$ 3,3 milhões, o que representa 869,89% de crescimento. Entre os bens declarados em 2020, o candidato informou R$ 180 mil em participação na empresa Cross Construções e R$ 90 mil na empresa G Muniz Construtora

João Carlos. Foto: Divulgação
João Carlos. Foto: Divulgação

Em 2024, essas empresas não aparecem na declaração de João Carlos, hoje do PP. De acordo com a Receita Federal, a Cross Construções, com capital estimado em R$ 200 mil, está inapta desde agosto de 2024. Esta classificação é dada para a empresas com alguma pendência com a Receita Federal, como, por exemplo, a não apresentação de declarações e demonstrativos obrigatórios por dois anos consecutivos. Há, ainda, um histórico de dívida ativa na União de R$ 1.080.029,49, de acordo com o programa Regularize da Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional. Já a G Muniz Construtora continua ativa.

Apesar de não terem sido declaradas em 2024, as empresas contam com João Carlos como sócio-administrador.

A lista de bens de João Carlos cita um imóvel na capital São Luís, a 411 km da cidade onde ele é prefeito, no valor de R$ 1,5 milhão, e outro em Buriticupu avaliado em R$ 950 mil. Ele ainda declarou R$ 675 mil em 450 cabeças de gado nelore, R$ 300 mil em dinheiro em espécie e um veículo de R$ 280 mil. 

O prefeito, que tem o salário bruto de mais de R$ 27 mil, é casado com a deputada estadual Edna Silva, do Patriota, eleita em 2022, quando informou ser empresária e ter bens avaliados em R$ 2,8 milhões.

Buriticupu tem 55.499 habitantes com 5.915 pessoas ocupadas, com  renda mensal média de 2 salários mínimos (R$ 2.824). O PIB de 2021 foi R$ 10.165,53, colocando  o município na posição 4.850ª entre as cidades brasileiras. 

De R$ 329 mil a R$ 2,6 milhões: Artur, do PP, prefeito de  Barra (BA)

Os bens declarados pelo prefeito Artur, do município da Barra, são avaliados em R$ 2,6 milhões, o que representa um  aumento patrimonial de 717,67% em comparação com o que o candidato tinha em 2020, que era R$ 329 mil. 

O prefeito informou ao TSE neste ano que possui uma propriedade rural denominada Fazenda Vale Verde avaliada em R$ 1,5 milhão. Segundo ele, na declaração ao TSE, a propriedade foi adquirida em 2000, mas Artur não a declarou ao TSE quando concorreu em 2008, 2012 e 2020. O candidato à reeleição também acumula outras fazendas, imóveis e herança dos pais. 

Artur. Foto: Divulgação.
Artur. Foto: Divulgação

Artur disputa o seu quarto mandato — já foi prefeito entre 2009 e 2016. Em 2008, ele declarou patrimônio de R$ 120 mil. A informação sobre  a remuneração do gestor não está disponível no Portal da Transparência do município.

Barra está a 675 km da capital baiana, no semiárido, e tem 51.092 habitantes. O PIB per capita, de  R$ 7.941,89, é um dos menores do Brasil, ocupando o 5.453º lugar entre os 5.570 municípios. Apenas 7% da população tem emprego formal. 

R$ 579 mil a R$ 4,1 milhões: Dona Ana, do PSB, prefeita de Mucugê (BA)

A 470 km de Salvador, o município de Mucugê é administrado há quatro anos por Ana Medrado, conhecida como Dona Ana, do PSB. Em 2020, quando se candidatou pelo DEM, ela declarou R$ 579 mil reais em bens e informou ser servidora pública civil aposentada, viúva e ter ensino superior incompleto. Já em 2024, os bens informados por ela ao TSE cresceram para R$ 4,1 milhões, um aumento de 621,49%. 

O principal fator para o aumento patrimonial, de acordo com a declaração da candidata, foi o surgimento de um valor destinado a um empréstimo de R$ 3,5 milhões concedido ao filho Antônio Carlos Hora Medrado. No entanto, de acordo com a assessoria de imprensa da candidata, o valor faz parte da venda de uma fazenda, que é herança deixada pelo marido e teve trânsito em julgado em 2009. Questionada por não ter declarado a herança nas eleições anteriores, a assessoria da candidata informou que a fazenda foi vendida recentemente e que ainda há bens a serem vendidos. 

Dona Ana. Foto: Divulgação.
Dona Ana. Foto: Divulgação.

 A informação sobre a remuneração da prefeita não está disponível no Portal da Transparência do município e nem foi respondida pela assessoria da candidata.

Ana Medrado já foi eleita prefeita de Mucugê em 2004 pelo PFL (atual DEM) – na época, não declarou bens – e também em 2012, pelo PP, quando informou ao TSE ter patrimônio de R$ 284 mil. 

Mucugê tem 12.137 habitantes e o PIB per capita em 2021 foi de R$ 88.818,38, o maior entre os municípios citados nesta reportagem, ocupando o 265º lugar entre todas as cidades brasileiras, acima da média nacional. O Censo 2022 contabilizou 3.447 pessoas com emprego formal no município, com remuneração média mensal de 1,8 salário mínimo (R$ 2.541,60). 

De R$ 945 mil a R$ 3,6 milhões: Ronaldo Lopes, do MDB, de – Penedo (AL)

Entre os prefeitos do Nordeste que tentam a reeleição em 2024 e se tornaram milionários durante o mandato, ainda há o gestor de Penedo, em Alagoas, o engenheiro Ronaldo Lopes, do MDB.

Ronaldo declarou em 2020 ter R$ 945,4 mil ao concorrer ao cargo de prefeito de Penedo (AL), incluindo parte de um apartamento em Maceió, um terreno em Penedo, participação nas empresas Penedo Comunicações, responsável pela Rádio Penedo FM, R$ 100 mil em espécie, dois veículos e saldos bancários. 

Ronaldo Lopes. Foto: Divulgação.
Ronaldo Lopes. Foto: Divulgação.

O candidato afirmou, ainda, ter participação na empresa Enkos Engenharia, mas Ronaldo não figura no quadro societário, conforme pesquisas realizadas. Os administradores e sócios são os seus três filhos: Marcela, Guilherme e Gustavo Ressurreição Lopes. 

Passados quatro anos como prefeito, o patrimônio do engenheiro saltou para R$ 3,6 milhões, um aumento de 280,98%. O salário do gestor municipal é R$ 20 mil, de acordo com o Portal da Transparência

Na Penedo Comunicações, Ronaldo mantém sociedade com a esposa, Maria de Fátima Ressurreição Lopes. Na Rádio Penedo FM, a mãe dele, Maria Pereira Lopes (falecida em 2022), também aparece como sócia. 

Além dos bens que haviam sido apresentados em 2020, Lopes declarou, para as eleições deste ano, a totalidade de um apartamento que antes só tinha a posse de 50%, doação no valor de R$25 mil, R$200 mil em um cofre domiciliar, veículo avaliado em preço superior ao que possuía antes, além da cota em seis terrenos deixados de herança. 

Lopes já exerceu o cargo de vice-prefeito de Penedo entre 2013 e 2020 durante a gestão de Marcius Beltrão, do PDT, hoje seu concorrente na disputa pela Prefeitura da cidade. Na época também integrante do PDT, Lopes declarou R$ 470 mil em bens em 2012 e, quatro anos depois, informou R$ 765 mil ao TSE. 

Penedo tem 58.650 habitantes, com o PIB per capita de R$ 15.371,47, o 3.735º entre os municípios brasileiros. A renda média entre os trabalhadores formalizados é de 2,2 salários mínimos (R$ 3.106,40) — 15% da população tem emprego formal. 

Colaborou Lucas Maia (coleta de dados).

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