A maioria dos candidatos a prefeito apoiados pela tropa de choque da extrema direita no Congresso saiu derrotada nas eleições deste domingo. Dos 117 políticos que receberam o aval dos deputados Carla Zambelli, Eduardo Bolsonaro, Gustavo Gayer e Nikolas Ferreira, do PL, e da senadora Damares Alves, do Republicanos, 69 foram derrotados (59%). Do total, 36 assumirão o comando de prefeituras, dos quais 10 foram reeleitos. Outros 12 ainda disputarão o 2º turno.
A derrota também enfraquece a estratégia de ampliar a força eleitoral da extrema direita Brasil afora de olho nas eleições de 2026. Levantamento feito pelo Intercept Brasil, que considerou listas públicas e apoios divulgados nas redes sociais citando nominalmente candidatos desde 16 de agosto até 19h de 5 de outubro, mostra que 102 das 117 apostas da tropa de choque tentaram se eleger pela primeira vez. Mas só 24 foram eleitos — 11 disputarão o 2º turno.
Com o aval de Gayer, Nikolas, Zambelli e Eduardo Bolsonaro, o único candidato apoiado por quatro integrantes da tropa de choque da extrema direita segue no páreo. Fred Rodrigues, do PL, avançou para o segundo turno na disputa pela prefeitura de Goiânia com 31,1% dos votos, à frente de Sandro Mabel, do União Brasil, que obteve 27,6%.
Se os novatos não vingaram, o mesmo não se pode dizer dos mais experientes. Dos 12 candidatos que buscavam a reeleição apoiados pela tropa de choque, 10 conseguiram um novo mandato, um perdeu e um disputará o segundo turno: Ricardo Nunes, do MDB, em São Paulo. Já entre os cinco atuais vice-prefeitos que tentavam chegar ao comando do Executivo, apenas dois foram eleitos.
Gayer revelou parte da estratégia da extrema direita nestas eleições em post feito no Instagram na semana decisiva das eleições. No vídeo de sua participação em uma transmissão da Revista Oeste, o deputado federal disse que “serão esses prefeitos que vão usar toda a máquina e estrutura em 2026 para eleger senadores”.
Ele ainda disse que a extrema direita “errou no passado” ao “não se preocupar” em formar uma base de prefeitos e vereadores. E que a estratégia de “aumentar os prefeitos de direita” pelo Brasil passa por escolher nomes “muito bem selecionados” e que tenham um posicionamento em comum em “pautas específicas” para apoiar a campanha de 2026.
‘Na política, sempre está se pensando no hoje e no amanhã.’
O cientista político Jorge Chaloub diz ser razoável que a tropa de choque esteja preocupada em forjar novas lideranças para criar um terreno de apoio em 2026. “Essa fidelidade de agora não necessariamente será mantida até a próxima eleição, mas se você estabelece vínculo de base com um prefeito eleito não deixa de ser um recurso político e uma vantagem para chegar em 2026 visando obter uma votação expressiva para o Congresso ou até tentar se lançar em uma eleição majoritária”, salienta.
Chaloub, que é professor nas universidades federais do Rio de Janeiro e de Juiz de Fora, também observa que, por mais que a extrema direita tenha a intenção de colher o resultado dos apoios de agora na eleição de 2026, o desempenho obtido durante a corrida eleitoral deste ano não significa que a estratégia fracassou totalmente.
“Às vezes, o resultado não se mede só em ganhar a eleição, mas em consolidar um campo ou testar um nome. Em uma disputa municipal, se alguém mais desconhecido obtém um bom percentual de votos, ele pode se credenciar para 2026. Então, o antes e depois da eleição é um indicador importante para saber se a candidatura foi bem sucedida”, ressalta.
O cientista político ainda enfatiza que, por mais relevante que seja, só a declaração de apoio de parlamentares conhecidos da extrema direita não traz garantia de voto aos prefeitos porque as eleições municipais têm uma dinâmica diferente. “As pessoas podem gostar de um parlamentar e achar que o melhor prefeito é outro, sobretudo em cidades não tão grandes e onde a trajetória dos candidatos é mais conhecida dos eleitores”, frisa.
Nikolas perdeu mais do que ganhou em Minas Gerais
O deputado federal Nikolas Ferreira foi quem mais apoiou publicamente candidatos a prefeito: 68 dos 117 nomes endossados pela tropa de choque da extrema direita no Congresso. Destes, 50 foram em Minas Gerais, seu berço eleitoral. O resultado foi mais derrotas do que vitórias, com 20 eleitos, 41 derrotados e sete no segundo turno.
Fora do estado, o “time Nikolas Ferreira”, como ele intitulou na cartilha em que listou os candidatos que teriam seu apoio, incluía candidatos do PL em nove capitais. Dos nove concorrentes, seis avançaram para o segundo turno. Tião Bocalom venceu em Rio Branco, no Acre. Os outros dois perderam: Alexandre Ramagem, no Rio de Janeiro, e Gilson Machado, em Recife.
Nikolas ainda viu sete dos oito que tentavam a reeleição com seu apoio ganharem – o único derrotado foi Markinhu Meireles, do PL, de Itajubá, em Minas Gerais.
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Já Carla Zambelli disse apoiar 30 candidatos a prefeito, a maioria no estado de São Paulo. Na lista publicada em um site próprio, ela elencou que, por serem “candidatos Zambelli”, os nomes escolhidos têm como características, por exemplo, os “valores e princípios conservadores” e a defesa de uma “educação sem ideologia de gênero”. Nas urnas, o resultado foi quatro eleitos, três que passaram para o segundo turno e 23 derrotados.
Gustavo Gayer manifestou apoio a apenas cinco candidatos a prefeito, sendo quatro de Goiás e um de Santa Catarina. Nenhum deles tentou a reeleição. O principal foco do deputado federal foi Fred Rodrigues, do PL, que concorreu em Goiânia e recebeu uma série de postagens nas redes sociais de Gayer. Rodrigues avançou para o segundo turno na liderança. Dos outros quatro apoiados, um se elegeu, um foi para o segundo turno e dois foram derrotados.
Vitória de apoiadores de Eduardo e Damares mostram força do bolsonarismo
Filho do ex-presidente Jair Bolsonaro e um dos propagadores do bolsonarismo pelo Brasil, o deputado federal Eduardo Bolsonaro declarou apoio a 17 candidatos em sete estados: Ceará, Goiás, Mato Grosso, Minas Gerais, Rio de Janeiro, Santa Catarina e São Paulo. Os resultados deste domingo apontaram que oito foram eleitos, quatro acabaram derrotados e cinco disputarão o segundo turno, sendo quatro nas capitais Fortaleza, Goiânia, Belo Horizonte e São Paulo.
Já Damares Alves, ex-ministra do governo Bolsonaro, teve de se desgarrar de sua base eleitoral, já que o Distrito Federal, onde ela foi eleita senadora, não tem eleições municipais.
No total, foram 12 apoios públicos a candidatos — sete do estado de São Paulo e os demais em Goiás, Maranhão, Espírito Santo, Ceará e Rio Grande do Sul.
Apenas dois dos apoiados por Damares disputavam a reeleição: o colega de partido dela Dário Saadi, em Campinas, SP, que foi reeleito, e Lorenzo Pazolini, em Vitória, ES, que também ganhou. Dos outros 10 candidatos que tiveram o aval da ex-ministra, seis se elegeram, três foram derrotados e um disputará o segundo turno: Mariana Carvalho, do Republicanos, em Imperatriz, no Maranhão.
Transferência de votos e estratégia política
O cientista político Jorge Chaloub destaca que, mais do que tentar transferir votos, o apoio de deputados federais e senadores em eleições municipais é parte de uma estratégia de “renovação de elites” que, inclusive, forjou os próprios integrantes da tropa de choque da extrema direita no Congresso. “Talvez as exceções a isso sejam Eduardo Bolsonaro, que traz consigo o legado familiar de um pai que foi deputado federal e ex-presidente, e a Damares, por sua ligação mais direta com o campo religioso”, pontua.
Apesar disso, Chaloub enfatiza que há no Brasil uma dimensão personalista na hora de o eleitor escolher o candidato, e isso é ainda mais evidente na extrema direita, que não tem um partido único como referência.
“A ultradireita brasileira não se organizou até agora em um só partido. Bolsonaro estava no PP, passou pelo PSC e foi para o PSL na véspera da eleição de 2018. Depois, rompeu e flertou com criar o próprio partido. E aí foi para o PL. São muitos movimentos, diferente de líderes deste campo em outros países, como Donald Trump, nos Estados Unidos, e Marine Le Pen, na França”, salienta.
Nesse sentido, de acordo com o cientista político, essa lacuna partidária abre espaço justamente para que figuras individuais mais conhecidas e já detentoras de poder se coloquem como peças importantes no tabuleiro eleitoral e, mais do que votos, transfiram aos candidatos a prefeito estratégias e sua própria infraestrutura de atuação política.
“Esses cinco parlamentares, por exemplo, circulam ao lado de Bolsonaro, atuam forte nas redes sociais, têm grupos em aplicativos de mensagem e fazem circular muita informação. Receber apoio dessas figuras provavelmente também significa receber material virtual, padrão de discurso e mobilizar esta rede que foi construída nos últimos anos”, analisa.
Colaboraram: Bianca Pyl, Laís Martins, Nayara Felizardo, Paulo Motoryn e Tatiana Dias.
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