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A resistência não é apenas um direito dos palestinos; é uma necessidade

O fracasso da comunidade internacional em frear a política genocida de "israel" contra o povo palestino culminou no 7 de outubro.

Israel: estado genocida

Parte 5

Em um ano, Israel matou mais de 186 mil palestinos e aniquilou a infraestrutura de Gaza. Ao contrário do que a mídia hegemônica afirma, não se trata de uma "resposta ao ataque do Hamas" de 7 de outubro.


Em 7 de outubro de 2023, o mundo assistiu atônito à operação conduzida pela Resistência Palestina, batizada “Dilúvio de Al-Aqsa”. Nas primeiras horas deste dia que se tornaria histórico, palestinos tomaram seu destino com as próprias mãos, quebrando — literalmente — as grades do maior campo de concentração da história: Gaza. 

Se muitos ficaram incrédulos com o que aconteceu, para nós, palestinos, e para qualquer pessoa que acompanhava a realidade da ocupação ilegal sionista na Palestina antes do 7 de outubro, o que aconteceu não é uma surpresa; é um desdobramento previsível e até óbvio.

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Também não surpreendeu ver a maneira como a imprensa ocidental — aqui no Brasil, em especial, o Grupo Globo — retratou palestinos e sua operação de resistência em 7 de outubro. Mal haviam sido derrubados os muros que aprisionam mais de 2,3 milhões de palestinos e já estavam a postos na GloboNews os agentes do lobby sionista apresentados como “especialistas” ou o que valha, prontos para desumanizar palestinos e preparar o terreno para legitimar aos olhos do público o genocídio que viria a seguir e que completou seu primeiro ano.

O expediente não é novo: a cartilha racista e orientalista é seguida à risca. O palestino é o não-sujeito. Aquele que não tem história. Não tem nome. É desprovido de humanidade. Desinformação, mentiras e propaganda constroem a imagem de palestinos como “terroristas árabes malvados, bárbaros e perversos” que atacaram sem motivo ou razão o “pobre e inocente ‘estado judeu'”.

Até nossos mortos são deslegitimados. O âncora do telejornal mais popular do país, repete, como um mantra, que os dados sobre palestinos assassinados são do “Ministério da Saúde do Hamas e não puderam ser verificados de forma independente”.

No Jornal da Globo, o número exorbitante de crianças palestinas assassinadas “pode ser explicado por um fator estrutural”: a alta taxa de natalidade em Gaza. Um gráfico moderno e uma pitada de eugenia para sugerir que a maior matança proporcional de crianças registrada na história não tem a ver com os bombardeios indiscriminados de “israel” contra áreas civis, escolas, hospitais, abrigos, campos de refugiados, mas para inferir que “morrem muitas crianças em Gaza porque mulheres palestinas têm muitos filhos”.

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Nada é por acaso. Jornalismo é léxico. Cada palavra escolhida ajuda a costurar a narrativa pensada cuidadosamente para servir aos interesses de quem financia a máquina de propaganda que se finge “jornalística”. Palavras-chave para entender a questão palestina são proibidas: ocupação, genocídio, limpeza étnica, apartheid e… resistência.

Resistência retratada como terrorismo

De todas as palavras proibidas nas redações ocidentais para se referir à Palestina, talvez a mais importante seja justamente a palavra resistência. Afinal, quem resiste, resiste a algo. E não interessa à propaganda sionista informar ao público sobre contra o que os palestinos estão resistindo. É mais fácil simplesmente trocar “resistência” por “terrorismo”. O termo “terrorismo” não exige complemento, contexto ou motivação. 

Retratar as ações palestinas como “terrorismo” elimina a necessidade de explicar a que os palestinos estão reagindo e ajuda a perpetuar a imagem racista e orientalista construída ao longo de séculos pelos colonizadores ocidentais: de que seriam bárbaros, violentos, irracionais. Aqueles que precisam ser colonizados e civilizados por uma “raça superior”.

A palavra resistência é tão importante para compreender a questão palestina que temos até uma palavra em árabe para descrever a insistência palestina em resistir: sumud, que significa firmeza, perseverança inabalável. Sumud é a resistência palestina frente à brutal ocupação racista, supremacista, colonial e genocida de “israel” na Palestina.

E para entender a resistência palestina, é preciso entender ao que os palestinos estão reagindo.

O sionismo, uma ideologia racista, supremacista e genocida, e seu empreendimento colonial de nome fantasia “israel” se autoproclamam na Palestina por meio do genocídio e do terror. A limpeza étnica da Palestina foi iniciada em 18 de dezembro de 1947, quando colonos europeus judeus tomaram à força 78% da Palestina Histórica.

Cerca de 90%  da população palestina originária desta parcela de terra foi expulsa, mais de 750 mil palestinos, incluindo a família do autor deste texto. Mais de  15 mil palestinos foram assassinados e 500 cidades e vilarejos palestinos foram destruídos. Esse episódio inaugura, a um só tempo, a mais brutal ocupação da história moderna e também a mais longa crise de refugiados contemporânea. 

Em 1967, os sionistas “terminam o serviço” ocupando os 22% da Palestina Histórica que não havia sido roubada entre 1948 e 1951. Outros 300 mil palestinos expulsos de suas casas e a formalização do mais obsceno sistema de apartheid vigente no mundo hoje. “israel” é o único “país” no mundo a prender e julgar crianças — só as palestinas, evidentemente — a partir de 12 anos em tribunais militares, com taxa de condenação superior a 99%.

Não há outra forma de descrever Gaza senão um campo de concentração. O maior da história.

Na Cisjordânia Ocupada e em Jerusalém Oriental, igualmente submetida a ocupação ilegal e colonial, “israel” impõe aos palestinos uma limpeza étnica continuada, com a demolição forçada de casas, destruição de vilarejos e uma campanha de extermínio e expulsão perene. 

A construção dos assentamentos judaicos nos territórios palestinos ocupados, em violação ao Direito Internacional, são uma política de estado. Os colonos judeus supremacistas e messiânicos se multiplicam vertiginosamente na Palestina Ocupada e, armados pelo estado de “israel”, aterrorizam e assassinam palestinos para expulsá-los de suas terras. 

Não há um único governo na história de “israel”, da “esquerda” à direita, que não tenha fomentado a política de assentamentos ilegais e o roubo de terras palestinas. Hoje, são mais de 700 mil colonos judeus invadindo território palestino sob proteção das tropas israelenses e da burocracia estatal, jurídica, econômica e política sionista.

Campo de concentração virou de extermínio

Em Gaza, igualmente ocupada, como reconheceu a Corte Internacional de Justiça em decisão de julho de 2024, a realidade, anterior ao 7 de outubro, é ainda pior. Não há outra forma de descrever Gaza senão um campo de concentração. O maior da história. E, a partir de outubro de 2023, transformado no maior campo de extermínio que a humanidade já viu. 

Dos 6,2 milhões de refugiados palestinos que esperam há 76 anos que se faça cumprir o Direito de Retorno, estabelecido pela resolução 194 da ONU, de 1948, cerca de 1,7 milhão estão em Gaza. Em outras palavras, 73% dos 2,3 milhões de palestinos de Gaza são refugiados da Nakba, a Catástrofe Palestina, que durou de  1947 a 1951.

Em 2022, estudo da ONG Save The Children apontou que 95% das crianças palestinas em Gaza apresentavam sintomas de depressão e estresse pós-traumático. 800 mil não conhecem a vida fora do bloqueio imposto por “israel” ao enclave palestino há quase 20 anos. 97% da água no enclave palestino é imprópria para consumo.

A taxa de pobreza pré-7 de outubro era de 61%; a insegurança alimentar, 63%. Uma criança nascida em Gaza em 2007, início do bloqueio criminoso de “israel” contra a população palestina, enfrentou ao menos seis campanhas genocidas, em 2002, 2004, 2008, 2012, 2014 e 2021, conduzidas por “israel”.

Agora, com esse brevíssimo contexto, afinal, são 77 anos de violência colonial e genocida contra o povo palestino que não caberiam em um único artigo, podemos começar a falar sobre a resistência palestina.

Diplomacia de Oslo só pavimentou o caminho para Netanyahu chegar ao poder

Antes de 7 de outubro, palestinos tentaram todas as formas de diplomacia e resistência popular e pacífica. Os esforços diplomáticos de Oslo, em 1993, trouxeram aos palestinos nada além do que o agravamento do apartheid e das políticas violentas da ocupação, a expansão dos assentamentos judaicos ilegais e o roubo massivo de terras palestinas. Yitzhak Rabin, primeiro-ministro israelense saudado como “humanista” por sentar à mesa com palestinos em Oslo era ele próprio um criminoso de guerra responsável direto pelos massacres e limpeza étnica das cidades de Lydda e Ramle em 1948, e conhecido pela política de “quebrar ossos” de palestinos durante a Primeira Intifada (1987-1993).

Aliás, foi no contexto dos Acordos de Oslo que Netanyahu pavimentou seu caminho ao poder, eleito primeiro-ministro de “israel” em 1995 com uma plataforma anti-palestina e contrária a toda e qualquer forma de negociação ou acordo de paz com os palestinos. Plataforma essa referendada pela maioria da sociedade israelense nas urnas nos últimos 30 anos.

Sobre a resistência popular e pacífica, talvez o exemplo mais emblemático seja a Grande Marcha do Retorno, entre 2018 e 2019. Na ocasião,  palestinos de Gaza caminharam semanalmente ao longo de 18 meses rumo às cercas que fazem de Gaza o maior campo de concentração da história, clamando pelo direito de retornar a suas terras, de onde foram expulsos na Nakba. Clamando por seus direitos pacificamente, palestinos foram recebidos a tiros por snipers israelenses todos os dias. Mais de 300 palestinos foram assassinados e 30 mil feridos, sendo 8.800 deles crianças. “Atirei em 42 joelhos em um dia”, se gabou um sniper israelense falando sobre quantos palestinos mutilou durante as manifestações.

É nesse contexto que o 7 de outubro acontece. A resistência, inclusive armada, é um direito garantido aos palestinos e a todo povo em condição de ocupação e colonização à luz do Direito Internacional. Dezenas de resoluções da ONU garantem o direito à resistência armada. A mais enfática delas é a resolução 37/43, da Assembleia Geral da ONU, de 1982, que afirma, citado especificamente a situação dos palestinos, que a legitimidade da luta pela independência, integridade territorial, unidade nacional e libertação da dominação e ocupação estrangeira por todos os meios disponíveis, incluindo a luta armada, e reconhece abertamente o direito ao uso da força contra a ocupação ilegal estrangeira.

Mais do que um direito legítimo, a resistência palestina é uma necessidade. Uma questão de sobrevivência. Se “israel” não reconhece a linguagem da diplomacia, os Estados Unidos fornecem armas, dinheiro e cobertura diplomática para os crimes israelense contra o povo palestino e a comunidade internacional é incapaz de fazer “israel” cumprir uma única resolução da ONU e suas obrigações à luz do Direito Internacional ao longo de 77 anos, o que restou aos palestinos, a não ser a resistência armada?

Não é o mundo que vai libertar a Palestina. É a Palestina que está libertando o mundo.

O povo palestino é uma população originária cuja presença naquela terra remonta há mais de 11 milênios e que enfrenta há quase um século um genocídio continuado, limpeza étnica, apartheid, ocupação, colonização, dominação, racismo e supremacismo. O que o mundo espera dos palestinos? Que sejamos as vítimas perfeitas, que aceitam o próprio extermínio em silêncio?

O esgotamento das tentativas diplomáticas, o sufocamento das formas de resistência popular pacífica, e o fracasso da comunidade internacional em frear a máquina de morte sionista e a política genocida de “israel” contra o povo palestino culminam no 7 de outubro. E como resposta, “israel” perpetrou o mais flagrante genocídio que a humanidade já testemunhou,  transmitido ao vivo nas televisões, computadores, smartphones do mundo inteiro pelas próprias vítimas, esperando, em vão, que o mundo os ajude. Há exatos 367 dias.

Palestinos têm o direito de se defender e resistir a seus algozes. Nem mesmo a campanha massiva de propaganda para desumanizar palestinos e o bombardeio midiático tentando deslegitimar a resistência foram capazes de minar o apoio popular à luta palestina e o reconhecimento de sua legitimidade ao redor do mundo. A Palestina é o epicentro global da luta anticolonial. Entre o Rio Jordão e o Mar Mediterrâneo, se vê o espelho dos genocídios coloniais do passado e o futuro reservado aos povos que ousarem se rebelar contra a dominação imperialista das metrópoles ocidentais, que financiam e comandam o genocídio executado por “israel” na Palestina.

Que povo se libertou do jugo colonial sem enfrentar e resistir a seus colonizadores? A resistência palestina é a vanguarda dos povos oprimidos na luta contra o colonialismo. A heróica resistência palestina está naqueles que pegam em armas para quebrar os muros de sua prisão e retornar às casas de que seus pais e avós foram expulsos; nos palestinos que insistem em cultivar suas oliveiras e pastorear suas ovelhas sob a mira dos rifles dos colonos judeus e soldados israelenses; nas crianças que enfrentam tanques de guerra com pedras; nos palestinos em refúgio e diáspora que se recusam a abandonar o sonho de retorno à terra de seus ancestrais. A resistência dos palestinos está na  insistência em viver diante do genocídio.

Não é o mundo que vai libertar a Palestina. É a Palestina que está libertando o mundo. E a Palestina será livre, em nosso tempo de vida, do genocídio, do racismo, do supremacismo, do apartheid. Em nosso tempo de vida. Do Rio ao Mar.

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