“Continuaremos a defender a liberdade de expressão, dentro dos limites da lei, em todos os lugares onde operamos” — foi dessa maneira mansa que o X de Elon Musk se manifestou após o desbloqueio da plataforma no Brasil. Como já se imaginava, o empresário enfiou o rabinho entre as pernas e resolveu respeitar as leis do país.
Até poucos dias atrás, o homem mais rico do mundo dedicava-se a usar seu poder para atacar o judiciário e o governo brasileiro. O tom legalista da nota da empresa contrasta com a virulência dos ataques ao judiciário e ao governo brasileiro feitos pelo seu dono até poucos dias atrás.
“O tirano Alexandre é o ditador do Brasil e Lula, seu cãozinho”, chegou a afirmar em postagem no X. Em outro momento, alimentado pelas mentiras bolsonaristas, disse que o ministro Alexandre de Moraes é “um falso juiz” que interferiu diretamente na eleição do presidente Lula.
De repente, toda essa valentia murchou. A vibrante luta pela liberdade de expressão absoluta não existe mais. Nesses 40 dias de suspensão, ficou claro que o X precisa do Brasil, mas o Brasil não precisa do X. Ao contrário do que Musk imaginou, uma grande comoção pública para pressionar o STF não aconteceu.
O país sobreviveu à ausência da plataforma com tranquilidade. Já os investidores do X não aguentaram ficar tanto tempo sem um dos seus maiores mercados no mundo e pressionaram Musk para que ele respeitasse as decisões da justiça brasileira.
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Investidores da Starlink, outra empresa de Musk impactada pelas consequências das suas loucuras, também pressionaram. Humilhado no embate político que ele mesmo criou, Musk então pagou as multas, cumpriu todas as decisões judiciais e se curvou ao Estado brasileiro.
O homem mais rico do mundo testou os limites da soberania brasileira e acabou dando com a cara no muro. Esse é o lado bom dessa história. O lado ruim é que o X voltará a ser a principal máquina de propagação de mentiras da extrema-direita brasileira.
Em poucos minutos rolando a timeline logo após o bloqueio, fui engolido por tweets de Elon Musk e de bolsonaristas, vídeos pró Trump, postagens supremacistas e anti-imigração e todo o tipo de chorume de extrema-direita. Nas mãos de Elon Musk, o X se tornou uma rede social programada para promover a ideologia do seu dono.
Musk foi devidamente enquadrado pela justiça brasileira e agora vai ter que continuar no sapatinho se quiser que o X continue operando no Brasil. Nos EUA, terra da liberdade de expressão absoluta, a plataforma segue à vontade para manipular o algoritmo em favor da candidatura de Trump e permitir que seu dono continue propagando as mentiras mais absurdas.
Nas últimas semanas, Musk esqueceu o Brasil e se focou em trabalhar pela eleição de Trump, chegando até subir no palanque em comício do candidato republicano. Sem medo de ver o X ser acusado de parcialidade durante a disputa eleitoral, o empresário afirmou que os democratas são uma ameaça à democracia e não disfarça que fará do X uma fábrica de mentiras em favor de Trump.
Enquanto os EUA se preparavam para a chegada do furacão MIlton, considerado pelos especialistas um dos mais perigosos de todos os tempos, a dupla Trump e Elon Musk esteve na linha de frente da disseminação de teorias conspiratórias sobre o evento.
Isso já havia acontecido há menos de duas semanas, quando o furacão Helene havia atingido a Carolina do Norte, sudeste dos EUA, deixando ao menos 235 mortos. É consenso entre os cientistas que o alto poder destrutivo desses furacões é consequência direta do aquecimento global. Como sabemos, Trump e Musk são notórios negacionistas climáticos que militam contra esses consensos científicos.
Exatamente como aconteceu no Brasil durante as enchentes no Rio Grande do Sul, as mentiras foram fabricadas com o intuito de descredibilizar as ações do governo federal.
Uma das que mais se espalharam afirmava que as verbas destinadas para ajudar as vítimas estavam sendo desviadas pela Agência Federal de Gerenciamento de Emergências, a Fema na sigla em inglês, para ajudar imigrantes.
Musk afirmou no X que a agência “bloqueou ativamente”as doações para as vítimas do Helene e está “confiscando bens (…) e trancando-os para declarar que são seus”. O bilionário também ajudou a alimentar os boatos de que as autoridades da Carolina do Norte haviam “assumido o controle para impedir que as pessoas ajudassem” as vítimas.
Em outra postagem, Musk inflou a paranóia anti-imigratória — uma das principais marcas da campanha de Trump — ao afirmar que: “A Fema gastou seu orçamento transportando imigrantes ilegais para o país em vez de salvar vidas americanas. Traição”.
Musk, que é um dos maiores doadores da campanha de Trump, afirmou também que o presidente Joe Biden e a vice Kamala Harris estão “se esforçando para não ajudar as pessoas” que moram em áreas com muitos eleitores republicanos.
Não é possível acobertar crimes sob o falso manto da liberdade de expressão.
Esse conjunto de mentiras tem causado impacto direto na vida de milhares de americanos impactados pelos furacões. Segundo a Fema, muitas pessoas estão sendo dissuadidas de procurar ajuda do governo. Membros das equipes de emergência foram descredibilizados e estão sendo ameaçados. Qualquer semelhança com o que o bolsonarismo fez nas tragédias do Rio Grande do Sul não é mera coincidência. A extrema direita replica suas estratégias de sucesso em todas as partes do mundo.
Enquanto Musk faz o que quer nos EUA, aqui no Brasil o STF estabeleceu um freio. Mas nem tudo aqui são mil maravilhas. Acompanhamos nos últimos meses o crescimento da popularidade de Pablo Marçal, uma figura abjeta que se sentiu à vontade para atacar violentamente seus adversários com mentiras criminosas.
Tudo sob a benção dos tribunais eleitorais, que pouco ou nada fizeram. Assim como Musk, Marçal também se sentiu à vontade para descredibilizar as ações governamentais no socorro às vítimas da tragédia no Rio Grande do Sul.
É importante que a postura do STF diante dos crimes de Elon Musk estabeleça um novo padrão no judiciário brasileiro e vire referência para o resto do mundo. Não é mais possível tolerar os crimes de pessoas poderosas, que têm capacidade política e financeira de jogar a população contra governos em momentos de crise.
Não é mais possível acobertar crimes dessa magnitude sob o falso manto da liberdade de expressão. Vivemos uma era em que pandemias e desastres climáticos se tornarão parte do cotidiano. Se os estados não se impuserem contra os delírios conspiratórios de meia dúzia de ricaços e poderosos negacionistas, o mundo caminhará rapidamente para um buraco ainda mais profundo.
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