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Estratégia Tatto: acusado de boicotar Boulos defende guinada do PT ao centro e explica segredo na periferia: ‘Emenda dá voto’

Jilmar Tatto quebra silêncio e defende estratégia de sua família na periferia: emenda milionária para campos de futebol, boa relação com a prefeitura e muito pragmatismo.

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Eleições 2024

Parte 30


O deputado federal Jilmar Tatto, do PT de São Paulo, é conhecido por ser o nome mais proeminente do que ficou conhecido como Tattolândia, uma região da periferia da zona sul da capital paulista onde ele e seus irmãos têm uma forte influência política.

Quando o Intercept Brasil publicou uma entrevista em que o líder comunitário Isaac Faria explicou sua saída do PT para o Centrão, Jilmar ligou imediatamente para seu irmão, Ênio, deputado estadual. “Como é que nós perdemos esse menino?”, perguntou.

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“O Ênio me disse que o Isaac procurou ele e falou: ‘olha, eu tô na esquerda, mas não tenho perspectiva nenhuma, não tenho casa, minha mãe não tem casa’. E disse que o Milton Leite chamou ele e ofereceu uma estrutura, um salário. Foi isso que aconteceu”, me disse Jilmar na última terça-feira, 29, em seu gabinete de secretário nacional de Comunicação do PT, em Brasília.

“Isso é uma realidade. Muitas lideranças de bairro têm que ter um vínculo empregatício para fazer a luta”, explicou. “É diferente do cara do PSOL, branco, rico, que consegue se virar porque tem internet, celular, casa e pai para ajudar. Como é que vou criticar o Isaac?”, perguntou.

Foi por causa da reportagem com o líder comunitário que o deputado federal topou falar com o Intercept Brasil. Em função da crise interna no PT depois do fraco desempenho eleitoral nas eleições municipais, Jilmar tem recusado contatos da imprensa tradicional.

Em uma entrevista de uma hora, ele disparou críticas ao ministro das Relações Institucionais, Alexandre Padilha, também do PT, e a Guilherme Boulos, líder do PSOL.

Para Tatto, a distância do PT da máquina da prefeitura de São Paulo e a desconexão do PSOL com pautas reais das periferias fazem com que lideranças locais, como Isaac Faria, se sintam desamparadas na esquerda paulistana e busquem alternativas em alianças com figuras do Centrão.

“O fato de estarmos na oposição e o fato de não estarmos na estrutura da prefeitura e do estado fazem com que você perca terreno. A sorte nossa, e aí só para quem tem mandato, é que tem as emendas. E a bancada do PT toda também tem uma boa relação com o prefeito”, afirmou.

A sorte nossa, e aí só para quem tem mandato, é que tem as emendas.

“Isso nos dá uma sobrevida muitas vezes de voto. Quando você faz uma viela, quando você faz uma pavimentação, quando você reforma uma escola, quando reforma um posto de saúde, entendeu?”, explicou Tatto.

Mesmo com a migração de Isaac, na eleição deste ano, o resultado da família foi positivo: apesar de Arselino Tatto ter perdido uma das duas vagas da família na Câmara Municipal, ele e Jair Tatto, que foi eleito, fizeram 5 mil votos a mais do que em 2020, quando Jilmar foi candidato a prefeito.

“Aumentamos 5 mil votos e eu mesmo não apoiei meus irmãos. Fiz campanha para outro vereador do PT, que venceu lá na zona leste”, me disse Jilmar.

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O deputado também admitiu que se sentiria melhor se o PT tivesse apoiado a reeleição de Ricardo Nunes, do MDB, embora tenha dito que não atuou para isso – e que as chances de um acordo eram remotas.

“O Ricardo poderia, em vez de se alinhar mais à direita, fazer um movimento em direção à esquerda. Teríamos uma situação mais confortável hoje, com um prefeito do MDB que fosse aliado do Lula”.

Jilmar afirmou que, por trás da briga entre Gleisi Hoffmann e Alexandre Padilha, está a estratégia do PT nesta eleição, de olho no futuro. “Nossa tática foi lançar candidatos onde tínhamos possibilidade de ganhar, e, onde não fosse possível, nos aliar ao centro pensando em 2026. Mas São Paulo deu um recado inverso”.

Leia a entrevista completa:

Intercept – A esquerda parece estar perdendo terreno em periferias que historicamente votaram no PT. Isso está acontecendo?

Jilmar Tatto – É bom que se diga que o PT é forte na cidade de São Paulo e a força do PT é na periferia. Isso se dá porque tem uma construção partidária e uma participação que vem desde os anos 1970.

Não é uma coisa que vem de uma hora para a outra. São gerações. Essas gerações que fizeram, por exemplo, com que o PT, mesmo tendo um candidato como o que eu fui a prefeito, em 2020, sem o apoio do Lula, sem o apoio de grande parte do PT, conseguisse eleger oito vereadores.

Por que estou falando de 2020? É pra mostrar que, independente do PT ter candidato a majoritário, o PT é forte. E é forte exatamente por causa dessa capilaridade que tem no território.

E essa capilaridade não é que o PT, enquanto estrutura, está organizado. Se você for em Guaianases, Cidade Tiradentes, Itaim Paulista, Grajaú, Parelheiros, não tem sede do PT, e se tem abre só para reunião.

Então, como é que se dá essa força?

Se dá nas organizações sociais, no movimento social. Se dá em associação de bairro, na igreja, em uma parte de sindicato, onde ainda tem força. Essa é a força do PT, que se mantém, que faz com que o PT tenha 30%, talvez um pouco mais. Esse enraizamento significa que tem gente militando todos os dias.

Por que, então, o PT começa a perder espaço onde sempre foi forte?

Os mandatos de periferia do PT perderam força porque a direita, o atual prefeito e os vereadores começaram a entrar para disputar esse território. Por isso, o PT começa a perder onde sempre ganhou, sempre foi forte.

Em Parelheiros, por exemplo, durante nosso governo não se podia ocupar certas áreas nem asfaltar por causa da legislação ambiental.

Eles [a direita] chegam, desconsideram a questão ambiental e constroem. E o povo lá gosta disso. Isso nos arrebenta.

Não tem jeito, é real, é concreto, entendeu? Então, tem essa coisa, às vezes não podia fazer um equipamento, um posto de saúde lá, os caras vão lá e fazem.

Foi mais ou menos isso que o Isaac me disse.

O caso do Isaac é um pouco essa questão, o fato de você não dar uma perspectiva, uma parte desse povo, dessa militância, não tem como seguir. O Isaac era um militante muito inteligente, eu conheci ele quando eu era secretário de transportes.

Para mim, foi uma surpresa, eu nem sabia que ele tinha saído da esquerda. Mas o cara precisa sobreviver, ou pra ele mesmo, ou pra cuidar da família dele. E isso acontece muito na periferia. É comum as pessoas falarem assim para mim: ‘Porra, não dá pra você me ajudar? Você não tem um emprego pra arrumar?’. Como é que eu vou criticar o Isaac?

O que a gente pode fazer é falar assim: ‘A questão é habitação? Temos uma pessoa precisando de casa? Temos política para isso. Vamos levar para a fila do Minha Casa Minha Vida’. Mas a gente não consegue porque geralmente o programa tem controle da prefeitura, sabe? O fato de ser oposição não é fácil. Esse é o diagnóstico que eu faço, eu não recrimino, eu não tenho essa visão de que o Isaac é um vendido.

Como funciona a influência de vocês lá na zona sul?

Primeiro, você tem uma visão errada. O negócio de que nós só temos voto na zona sul é uma mentira. A minha principal votação em todas as vezes que eu saí candidato desde 2007 é na zona leste.

Então de onde vem a história da Tattolândia?

Eu tenho dois irmãos vereadores e não votei em nenhum dos dois. Eu tenho irmão deputado estadual e não votei nele. Na zona leste, eu ajudei a eleger o Senival Moura e o Jorge do Carmo.

Eu costumo brincar com o [deputado federal] Nilto Tatto, que eu não perdi a eleição, quem perdeu foi ele, entendeu?

Então, em primeiro lugar, quando se fala da nossa militância não é só na zona sul, é no fundão da zona leste. É na periferia. Nós somos os únicos? Não, também tem outros deputados do PT, nós não somos os únicos.

A esquerda só não faz mais porque não tem dinheiro. O valor que a direita tem é desproporcional.

Mas se você pegar no fundão da zona leste, a maior votação quem tem sou eu ou os candidatos que eu apoio. Esse cinturão vermelho, o núcleo duro da zona leste, tem relação conosco. E o cinturão núcleo duro da zona sul também.

A gente não tem nada no setor intermediário da cidade. Quando o pessoal, até o Mano Brown, vai e fala: ‘olha, o PT precisa voltar na periferia, o PT precisa voltar para as quebradas’, eu digo que a gente não saiu de lá. A gente vive lá, entendeu?

Mas como isso se reverte em voto?

Nada vem de graça. Você tem uma militância, você faz reunião do PT, faz assembleia, vai em culto, em missa, reunião de bairro, leva reivindicação fundiária, briga para ter uma universidade lá na zona leste, briga para ter um instituto federal, asfalto, posto de saúde, transporte. Tudo isso a gente faz no dia a dia, junto com pessoas que têm relação conosco, assessores, vereadores. E esse negócio de emenda ajuda muito.

Emenda federal?

Emendas federais, estaduais e municipais. Agora virou uma febre esse negócio de campo sintético. No ano passado, mandei R$ 6 milhões para construir campos. Essa relação com o time de futebol virou uma febre na periferia.

Ninguém mais quer jogar na terra, no barro. Os times não vão mais jogar se for no terrão. A primeira pergunta agora é: ‘como é o campo?’. Se é campo de terra não tem jogo, então tem uma pressão muito grande pra fazer… Por isso, a gente manda dinheiro, manda emenda. E isso se reverte depois em voto.

A esquerda tem feito isso que vocês fazem?

Todo mundo faz isso. A esquerda só não faz mais porque não tem dinheiro. O valor que a direita tem é desproporcional, entendeu? O PT é o que mais tem emenda, mas na sequência tem vários outros partidos que ganham muito mais.

No que você acha que o Boulos errou?

O Boulos se esforça, né? Fala: ‘Eu sou da periferia, eu moro na periferia’. Mas o povo quer fazer o contrário. Eu fiz o contrário do Boulos. Eu morei na periferia e fui pro centro. O cara da periferia não quer se lascar, pegar ônibus… Não é uma opção que as pessoas querem fazer. É o contrário, entendeu? Mas é uma opção de vida que ele fez, não faço juízo de valor, mas as pessoas querem sair de lá.

Deputado, muita gente acusou vocês de não pedirem voto para o Boulos e já li o senhor negando essa afirmação. Qual foi a dificuldade em fazer campanha para ele?

Em primeiro lugar, a prefeitura estava fazendo muita coisa. A prefeitura está com muito dinheiro, só não fez mais porque não tem capacidade operacional, não foi por falta de dinheiro. Isso pesa. Tivemos a taxa de reeleição de prefeitos em 80%.

No caso da cidade de São Paulo, como teve a renegociação da dívida, que foi feita inclusive pelo Fernando Haddad, a grande parte, começou a ter muito dinheiro.

O Lula montou um governo de coalizão. E, na maior cidade do Brasil, o PT apoia um candidato de esquerda do PSOL?

Sobre o Boulos, o meu diagnóstico é que o eleitor está indo pro centro e pra direita. Ele está fazendo esse movimento. O Lula ganha eleição numa frente ampla e quase perde. Ganhou com menos de 2% de vantagem.

O Lula montou um governo de coalizão, com alianças amplas, colocando gente e partidos que nem votam nele, que nem apoiam ele, de centro e de direita. E, na maior cidade do Brasil, o PT apoia um candidato de esquerda do PSOL?

O problema não é a figura do Boulos. O Boulos fez o papel dele, foi lá, se defendeu, foi bem nos debates. O problema é que o eleitor não entende isso. Quando o Lula sinaliza que o candidato dele é o Boulos, o candidato do PSOL, o Brasil inteiro entende esse recado do Lula.

São Paulo não é uma ilha. Todo mundo entende que o caminho do Lula é esse. Aí vem a Maria do Rosário também põe a vice do PSOL lá em Porto Alegre, o Rogério Correia põe a vice do PSOL lá em Belo Horizonte.

Esse foi o erro. Com a gente dentro do governo federal, tendo dinheiro pra campanha, dez vezes mais dinheiro, o PSOL e o PT mantiveram a bancada. A votação foi igual.

Você olha pra essa decisão de ter lançado o Boulos e pensa que o melhor era ter tido um candidato do PT ou ter apoiado o Ricardo Nunes?

Podíamos ter construído uma candidatura do PT ou talvez uma candidatura mais ao centro. No caso de uma candidatura do PT, exceto pela Erundina, que foi uma casualidade e ganhou numa época sem segundo turno, todos os candidatos bem-sucedidos do PT tinham um perfil um pouco mais ao centro.

A Marta, por exemplo, era uma figura de televisão e não tinha exatamente o perfil clássico do PT. Ela transitava bem tanto na periferia, por ser conhecida, quanto com o apoio de grandes veículos, como a Folha de S.Paulo.

O Haddad é o que a gente costuma chamar de ‘o tucano do PT’. Ele tem aquele perfil são-paulino, Largo de São Francisco, criado em meio a uma elite acadêmica, filho de empresário, um cara da USP. Esse era o perfil. Então, claro que poderia ser do PT.

E um apoio ao Ricardo Nunes?

Poderia ser difícil politicamente falando e acho que não era o caso, porque o PT fez oposição a ele durante quatro anos. Mas, pensando em 2026, o Ricardo poderia, em vez de se alinhar mais à direita, fazer um movimento em direção à esquerda. Teríamos uma situação mais confortável hoje, com um prefeito do MDB que fosse aliado do Lula. 

o Ricardo poderia, em vez de se alinhar mais à direita, fazer um movimento em direção à esquerda.

Mas, para isso, teríamos que ter feito um esforço, e não fizemos. Nem o próprio Ricardo Nunes fez essa movimentação porque não interessava a ele.

É o que tem na cidade. E o pessoal fala do Milton Leite. Se o Boulos ganhasse, a primeira coisa que ele teria que fazer é conversar com ele, com o centrão. Se vai ganhar eleição e vai ter que conversar depois, vai ter que compor o governo, compor politicamente, já faz isso na eleição, porra.

Sobre a participação do PT na campanha do Boulos, o Haddad se envolveu menos do que o esperado. Em entrevista, ele disse que se envolveu “tanto quanto foi demandado”. O Boulos escondeu o Haddad? 

Eu diria que não exatamente. Mas é preciso lembrar que, na nossa gestão, foram quatro anos de oposição forte do Boulos, num cenário de crises semanais. O PSOL sempre lançou candidatos, mas agora houve essa aliança, apoiando Lula e Haddad. A gestão Haddad foi moderna, com mobilidade, ciclovias, parques, pensando numa cidade sustentável. O PSOL poderia se apropriar desses temas.

Parece haver, então, uma ‘vergonha’ em reconhecer o trabalho do Haddad?

Pode ser vergonha ou talvez até uma certa inveja. O Haddad sempre teve forte apoio da juventude e, além disso, capturou um eleitorado mais amplo. Na periferia, ele teve mais capilaridade que o Boulos. Dizer que a gente não fez campanha por ele é sacanagem, porque o pessoal fica bravo com isso. Fizemos campanha de verdade, mesmo sem a presença constante do Boulos.

O que está por trás da briga entre Padilha e Gleisi sobre o resultado eleitoral?

O resultado eleitoral precisa de um balanço mais completo e honesto. Vamos ver quais foram os erros do PT, do governo. Nossa tática foi lançar candidatos onde tínhamos possibilidade de ganhar, e, onde não fosse possível, nos aliar ao centro pensando em 2026. Mas São Paulo deu um recado inverso. Se dependesse de mim, não seria isso. Eu até disse antes da decisão.

Nossa crítica é fraterna, não queremos agravar conflitos. É preciso pragmatismo para governar, e o Lula entende isso.

A outra questão é que o PT quer fazer parte das alianças que o próprio Lula está montando, quer ser tratado de forma equivalente – e não ficar de fora. Não pode ser só centrão, queremos também o nosso espaço. Há ministros do MDB, por exemplo, que envolvem suas bases locais nas ações do governo. Muitas vezes, no entanto, nossos ministros deixam de fazer isso com lideranças do PT.

O governo está entregando, mas a base não capitaliza politicamente. Precisamos melhorar nossa articulação e comunicação, isso é essencial. Lula sabe fazer isso, e agora é o momento de arrumar a casa e preparar os palanques para 2026. Nossa crítica é fraterna, não queremos agravar conflitos. É preciso pragmatismo para governar, e o Lula entende isso.

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