A Universidade de São Paulo abriu nesta quarta-feira, 4, um procedimento apuratório preliminar para investigar as acusações de assédio e abuso sexual contra Alysson Mascaro, livre-docente na Faculdade de Direito da USP e professor associado do Departamento de Filosofia e Teoria Geral do Direito.
Na terça-feira, mesmo dia em que o Intercept publicou reportagem com relatos de dez vítimas que acusam Alysson de assédio e abuso sexual, o Centro Acadêmico XI de Agosto, junto das representações discentes para graduação e pós graduação, enviou ofício à direção da FDUSP solicitando a instauração de uma sindicância “para apuração de eventuais irregularidades”.
“Essas condutas, caso comprovadas, se mostram incompatíveis com os deveres dos membros da universidade”, diz o documento.
A faculdade confirmou, por meio de sua assessoria de imprensa, que o procedimento apuratório foi aberto e será presidido pelo professor titular de Direito Internacional Privado e diretor da Fuvest, Gustavo Ferraz de Campos Mônaco.
Questionada, a assessoria disse que não poderia informar sobre próximos passos. Segundo um dos representantes que assinou o ofício, essa é a etapa anterior à abertura de uma sindicância ou processo administrativo disciplinar.
Júlia Wong, presidente do Centro Acadêmico XI de Agosto, explica que, se a denúncia for acolhida, serão colhidos depoimentos das partes envolvidas, com direito à ampla defesa e contraditório.
Segundo Wong, uma sindicância pode ter três efeitos. O primeiro é garantir o afastamento preventivo do professor; depois, a apuração das acusações e a produção de um relatório final com base na defesa e acusação das partes. Por fim, o relatório pode ser encaminhado às autoridades competentes para uma possível denúncia criminal, além de eventual responsabilização na esfera administrativa.
‘Não é de nosso interesse fazer uma investigação que coloque as vítimas na berlinda. Muito pelo contrário.’
“Acreditamos que a instauração de um processo de sindicância vai garantir uma posição adequada, severa e necessária para o professor que foi acusado”, diz Wong.
A presidente do Centro Acadêmico pondera, no entanto, que a abertura de sindicância contra funcionários públicos da Faculdade de Direito, seja docente ou servidor, é rara, embora o processo costume transcorrer com celeridade. “É muito necessária pressão, vigilância e mobilização estudantil”, destaca Wong. “Professores têm extrema dificuldade em compreender a gravidade de determinadas condutas que ocorrem no âmbito acadêmico”.
Wong também afirma que a entidade se preocupa com a segurança das vítimas. “Vamos, assim que possível, durante o processo de sindicância, pedir o sigilo dos denunciantes, que é a medida administrativa possível e será feita o quanto antes”.
Conforme a presidente, o Centro Acadêmico está marcando reuniões junto a programas de acolhimento psicossocial da Faculdade de Direito para que “haja de fato uma rede de profissionais adequada para quaisquer vítimas que desejam e se sintam confortáveis em procurar acolhimento e orientação”.
O Intercept recebeu o contato de ao menos 25 pessoas que relataram ter vivido experiências de assédio e abuso semelhantes às descritas pelas dez vítimas que acusam Alysson.
Nesta quarta-feira, uma faixa foi erguida dentro da Faculdade de Direito com a mensagem: “Abusador não é mestre. Fora assediadores da USP! Afastamento e investigação”. Além da faixa, panfletos e lambe-lambes com dizeres semelhantes foram distribuídos pelo campus.
Faixa pedindo “afastamento e investigação” foi levada nesta quarta-feira à Faculdade de Direito da USP.
Investigação sem ‘vítimas na berlinda’
Representante discente de pós-graduação perante a Comissão de Pós-Graduação da Faculdade de Direito da USP, Vinicius Alvarenga pontua que, por ser uma universidade pública, a USP deve atender aos princípios e normas que envolvam a investigação de servidores públicos.
“Esse tipo de processo, por tratar sobre questões laborais de um professor, é sigiloso. Somente as pessoas interessadas e os colegiados julgadores têm acesso ao teor daquilo que é trazido. A apuração preliminar serve para trazer provas e materialidade. Havendo materialidade sobre as acusações a partir da audição das vítimas, sempre de forma sigilosa, é aberta uma sindicância ou processo administrativo disciplinar”, explica Alvarenga, que é doutorando e advogado em Direito Administrativo.
Ele também observa que a apuração deve ter como prioridade proteger o sigilo e a integridade das vítimas. “Não é de nosso interesse fazer uma investigação que coloque as vítimas na berlinda. Muito pelo contrário, vamos resguardá-las e não permitir que sejam afetadas publicamente nem recebam represálias”, afirma.
Alvarenga ainda enfatiza que o procedimento preliminar será acompanhado de perto. “As entidades estarão atentas e fortes a cada detalhe das investigações para garantir que elas não morram na praia, que todos estejam devidamente resguardados em seus direitos e que isso ocorra sempre atendendo ao interesse público de uma universidade pública, gratuita, de qualidade, inovadora e, acima de tudo, inclusiva e respeitosa”, finaliza.
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