O empresário e influenciador Flávio Augusto da Silva, nomeado em setembro embaixador de comunicação estratégica da Marinha, tem utilizado suas redes sociais para criticar o governo Lula. Desde que assumiu o cargo, em que presta consultoria voluntária aos militares na área de comunicação, o bilionário já fez ao menos dez publicações com ataques à gestão petista, inclusive chamando-a de “casa da mãe Joana”.
As críticas são direcionadas às políticas ou declarações de membros da gestão Lula – todas elas foram feitas após Flávio Augusto assumir o posto na Marinha. Entre os posts do empresário, estão frases como “este governo te empobreceu” e referências ao governo federal com termos como “incompetência” e “decisões esquizofrênicas”.
Das últimas 15 postagens do bilionário em sua conta no X, pelo menos dez fazem críticas diretas ao governo Lula. Em uma delas, em 28 de dezembro, ao comentar um suposto prejuízo das estatais na atual gestão, perguntou: “Virou casa da Mãe Joana ou talvez seja uma grande coincidência?”.
Em outro post, no dia 18 de dezembro de 2024, Flávio Augusto afirmou: “É o que eu digo: a incompetência deste governo – que sempre tenta culpar terceiros com desculpas esquizofrênicas – está te empobrecendo através da perda de seu poder de compra”.
No período, outros posts foram feitos com mensagens críticas. “O atual governo está brincando com fogo. Ele está sendo irresponsável com sua vida”, escreveu no X, em 20 de dezembro. Por mais de uma vez, repetiu quase como um mantra: “Este governo te empobreceu”.
Questionada pelo Intercept sobre as críticas de Flávio Augusto ao governo federal, a Marinha não respondeu. O espaço segue aberto.
Empresário diz ter alocado profissionais dentro da Marinha
Influencer de empreendedorismo com 5 milhões de seguidores no Instagram e quase 1 milhão no X, o antigo Twitter, Flávio Augusto fundou a empresa Wise Up aos 23 anos e já chegou a ser dono do time americano de futebol Orlando City. Em 2022, a revista Forbes apontou que o empresário tinha uma fortuna de R$1,3 bilhão
A nomeação de Flávio Augusto para a função na Marinha, criada para “agraciar personalidades civis” que possam “auxiliar” a instituição, foi anunciada em 17 de setembro de 2024. Dois dias depois, ele foi homenageado em uma cerimônia no “Atlântico”, o maior navio de guerra da América Latina, presidida pelo comandante da instituição, o almirante Marcos Olsen. A nota oficial do evento afirma que a Marinha e o bilionário “possuem valores comuns e compartilham dos mesmos interesses”.
Em um videocast publicado pela Marinha em outubro, também gravado a bordo do navio de guerra, Flávio Augusto afirma que, a partir daquele momento, é “atual integrante da Marinha”. No vídeo, ele fala sobre uma antiga experiência no Colégio Naval, no qual estudou por dois anos na década de 1980, e acabou expulso. “Não tinha a vocação para aquele formato naquele momento. Não tinha clareza”, relembrou.
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Durante a entrevista, ele diz que alocou dois profissionais de suas empresas para apoiar suas atividades no cargo de embaixador da comunicação estratégica da Marinha. “Estou trazendo dois profissionais que trabalham comigo há mais de 20 anos, o Leonardo e o Sandro. São pessoas que vão compor minha equipe na missão. Queremos contribuir com a Marinha com as melhores práticas de comunicação”, destacou.
Por meio da Lei de Acesso à Informação, o Intercept Brasil solicitou à Marinha detalhes sobre as atividades dos especialistas mencionados pelo empresário. “Os profissionais citados fazem parte da equipe do empresário Flávio Augusto. Portanto, quaisquer dados relativos aos profissionais devem ser solicitados àquele empresário”, escreveu a instituição na resposta ao pedido, e se recusou a explicar quais atividades Flávio Augusto e os profissionais mencionados por ele se envolveram desde então. O empresário, por sua vez, não respondeu aos contatos da reportagem.
Menos de dois meses depois da nomeação de Flávio Augusto, no dia 1º de dezembro, a comunicação da Marinha esteve no centro de uma polêmica. Naquela data, as redes sociais oficiais da instituição publicaram um vídeo questionando supostos privilégios dos militares. As imagens mostravam os profissionais da instituição em serviço intercaladas com registros de cidadãos civis em momentos de lazer.
O vídeo foi ao ar logo após o governo Lula anunciar o pacote de corte de gastos, que prevê, entre outras medidas, o estabelecimento da idade mínima de 55 anos para a passagem à reserva. Após pressão do Palácio do Planalto, o vídeo foi removido. Circulou na imprensa que o presidente Lula chegou a cogitar a demissão do comandante da Marinha, o almirante Marcos Olsen, mas voltou atrás após reunião em dezembro.
A reportagem questionou a Marinha se houve participação de Flávio Augusto ou de sua equipe na produção e divulgação do conteúdo. “Em relação ao vídeo da Campanha do Dia do Marinheiro, não houve envolvimento da equipe do Flávio Augusto na elaboração do conteúdo”, garantiu a instituição, em nota.
Bilionário já disse que é “legítimo” questionar sistema eleitoral
A oposição ao governo Lula não é novidade na trajetória de Flávio Augusto. Em 2018, em uma reportagem da BBC, ele defendeu que a CLT é uma “legislação arcaica”. “Eu nunca tive carteira assinada, trabalhei quatro anos informalmente e nunca quis ter. Nunca ganhei férias, vale-transporte, vale-refeição. O que eu vendia, eu ganhava, o que não vendia, eu não ganhava. E foi isso que me permitiu crescer. Se eu estivesse vivendo de salário, 13º, eu estaria vivendo um formato que me limitava”, declarou.
Em 2021, Flávio Augusto chegou a defender “auditoria” das eleições – sendo que elas já são auditadas – e o voto impresso. “Qual é o problema de se ter a impressão do voto pra auditoria? Questionar o sistema eleitoral não deve ser um tabu. É legitimo”, escreveu, em sua conta no X.
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