Fabiana Moraes

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Como se livrar do Instagram, WhatsApp e Facebook?

Mark Zuckerberg se assumiu militante de extrema direita. E agora? Como usar redes sociais sem virar uma peça de seu jogo?

Como se livrar do Instagram, WhatsApp e Facebook?

Você pula onda, veste branco, acompanha os fogos na virada, deseja um feliz ano novo pra geral. Aquela sensação boa de frescor, de novidade, domina os ares e você pensa no quanto tem coisa para mudar e melhorar. Ano novo, novo mundo (no que for possível, claro).

Aí chega a manhã do dia 1 de janeiro e você abre suas redes sociais. O “mundo velho”, pipoca na sua pobre cara ressacada: terríveis assassinatos de trabalhadores do MST; cidades não preparadas para as chuvas; mortes provocadas não pelas chuvas, mas por inabilidade e corrupção; declarações bisonhas de um ex-presidente que felizmente está inelegível.

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Entre as notícias, muita, muita publicidade. Também há muito “conteúdo sugerido” trazendo reflexões com a profundidade de um pires furado. 

Há ainda muita inteligência artificial criando um batalhão padronizado de criaturas brancas, magras, jovens, todas elas servindo de modelo para gente de verdade. Um mar formado por “clean girls”, Salmos, Dubai, tigrinhos e bets.

Confesso que, nessa aurora de 2025, isso me incomodou como nunca: como vou passar outro ano enfiada aqui, provavelmente mais distraída do que informada? Vivendo esse grande misto de 2016 (Trump, cuja posse acontece hoje), 2022 (“a esquerda não sabe se comunicar”) e 1950 (tradwifes)? Outro ano servindo de produto premium para basicamente uma empresa, a Meta, que detém Instagram, Threads, Facebook e WhatsApp juntos (tenho contas em todas elas)?

Dias depois do meu desconforto, veio a bomba: era 7 de janeiro e Mark Zuckerberg, dono da companhia citada e aparecendo com um dos bronzeados mais bizarros que já vi na vida, informava o fim das checagens de notícias nas redes sociais da sua empresa.

Vocês provavelmente já leram sobre isso, então vamos já colocando a coisa em números:

1. O Facebook continua sendo a rede social mais utilizada pela população mundial: tem mais de 2,95 bilhões de contas ativas, 109 milhões delas no Brasil.

2. O WhatsApp é utilizado por 147 milhões de pessoas no Brasil, o equivalente a 99% dos brasileiros online. O país é o segundo  no mundo em número de contas do aplicativo, perdendo somente para a Índia (governada por um presidente apoiador de Trump, a mesma Índia na qual pessoas já morreram linchadas após a divulgação de notícias falsas no WhatsApp).  A empresa informou, em 2020, possuir 2 bilhões de usuários no mundo, e desde então não atualizou o número. Estima-se que hoje sejam 2,2 bilhões de contas ativas.

3. O Instagram aparece na  quarta posição entre as plataformas de mídia social mais utilizadas no mundo: tem 1 bilhão de usuários ativos mensais. No Brasil, eram 134,6 milhões de usuários em janeiro de 2024, ou 62% da população. O país é o terceiro com o maior número de usuários na rede de vídeos e fotos do Zucka, atrás, de novo, da Índia e ainda dos Estados Unidos.

LEIA TAMBÉM:

4. A Meta AI, disponível no WhatsApp, Instagram e Facebook já conta, segundo a Meta, com mais de 500 milhões de usuários ativos mensais em todo o mundo. 

5. O Threads, concorrente do X, tem 275 milhões de usuários ativos ao mês em todo mundo. Tem mais dados nesse bom levantamento aqui.

O que Zuckerberg diz: vai liberar, para nove bilhões de contas ao redor do planeta (número maior do que a própria população mundial), muita desinformação, preconceito e violência.

Não somente visando o óbvio lucro, mas encampando uma cruzada ideológica com cheirinho de incel, uma vez que suas críticas ao que chama de ataques à “masculinidade” são muitas. Uma pessoa com 211,1 bilhões de dólares de patrimônio (Forbes) e não paga uma boa terapia, gente.

Dizer que falta “energia masculina” em um mundo hoje coalhado de guerras é uma insanidade.

Zuck orgulhosamente assumiu em praça pública que faz parte de um poderoso grupo identitário formado por homens heterossexuais no Norte Global, multi-bilionários, ressentidos e brancos (ou laranjas, é verdade): Elon Musk (X, Tesla, etc), Jeff Bezos (Amazon, Washington Post, etc), Sam Altman (OpenAI) e o citado Donald Trump (EUA, Mar-a-Lago, Trump Media & Technology Group, etc).

Obviamente, o oportunismo do criador da Meta dobrou meu mal estar digital naquela manhã de um ano nada novo: eu, assim como provavelmente você, vi as declarações de suas decisões enquanto usava uma das redes sociais que o tornam muito bilionário. Entregava meu tempo e dados para uma empresa que atua, e não é de hoje, essencialmente contra pessoas como eu.

Temos aí a grande questão: nós, que seguimos perspectivas progressistas/ democráticas, vamos continuar a monetizar empresas que não veem problema na promoção do racismo, da transfobia, da xenofobia, do machismo, etc?

A contradição entre ser progressista e utilizar redes sociais cujos proprietários manifestam alinhamento com figuras políticas da extrema-direita, como Donald Trump, evidencia como nunca as tensões e os dilemas éticos da era digital. 

De um lado, muitos usuários defendem valores como justiça social, inclusão e direitos humanos; de outro, essas mesmas plataformas — Meta, X, Amazon e outras — frequentemente são controladas por indivíduos ou corporações com interesses políticos e econômicos que contradizem essas questões. Não só: eles militam contra todas elas e investem dinheiro nisso.

Seremos cúmplices desses homens?

Depois de usar bastante aplicativos como Facebook e Instagram, a aposentada Katiane Prazim, que trabalhou durante mais de três décadas com tecnologia da informação, desinstalou não somente as redes citadas, como ainda o Threads. O Instagram foi abandonado anteriormente, no início do conflito entre Hamas e Israel, em 2023.

O app voltou ao telefone de Katiane durante um período de férias, mas já foi novamente para o lixo após Zuckerberg se assumir como militante da extrema-direita, como diz a própria. Abaixo, ela conta sobre sua longa relação com as redes sociais digitais – e o começo do abandono das mesmas:

“Eu me considero uma usuária pioneira da internet, porque comecei pelo BBS e, mesmo antes, usava uma rede francesa que eu nem lembro mais o nome, que obviamente só funcionava com endereços dentro da França e tal. Quando surgiu o protocolo www e os primeiros sites em html eu estava grávida e aproveitamos para divulgar fotos e notícias da gravidez para a família num site próprio. Fiquei viciada nos blogs nos anos 2000, adorava o Orkut e tive o meu próprio blog assim que surgiu o Tumblr. Tive conta de e-mail no primeiro provedor de internet brasileiro, o Mandic. Fiz amigos e conheci muita gente através dos blogs, mas nunca fui usuária de chats, assim como nunca tive conta no Tik Tok. Fui das primeiras usuárias do Facebook, das primeiras usuárias do Instagram, quando era uma plataforma muito boa para postagem de fotos (melhor do que o Fotolog e o Pinterest). Não usava muito o Twitter, mas tinha conta desde o início, quando havia a limitação de caracteres. Gostava de acompanhar as notícias e as repercussões, geralmente engraçadas do Twitter. Havia uma leveza e uma irreverência nas redes, que foi gradativamente sendo perdida quando começou a ser usada, inicialmente pela esquerda, para fins políticos e, depois, quando a direita invadiu com seu rancor, ódio e mentiras. Nos últimos anos, quando o Instagram começou a colocar anúncios e depois reels, sugestões de sites, o negócio degringolou de vez. Agora, com as redes sociais completamente sequestradas pela extrema-direita, perdi a graça em ser um instrumento disso. É uma atitude política mesmo, uma revolta pessoal, que eu gostaria que se estendesse a mais pessoas e conseguisse abalar de alguma forma esse controle sobre nossas vidas.”

Katiane Prazim

Conversei com a diretora de comunicação da organização Redes Cordiais, Ana d’ Angelo, com quem dividi minha agonia e minha alma ressacada. Ela nos dá uma excelente imagem sobre o que se passa em nossas telas: “as redes sociais formaram um condomínio privado dentro da internet, e é como se vivêssemos e circulássemos nele”. Pois é.

Para ela, a tática do boicote, simplesmente sair das redes, não é a melhor escolha, muito embora este seja um dos primeiros impulsos.

“Em momentos extremos, de crise, sempre há também resistência, e as redes sociais não vão fugir disso. Elas também imprimem muito do que a gente é, sonha, gosta, pretende. Acho que há brechas,  a gente não vai poder ficar de braços cruzados. Investir em educação midiática, jornalismo de qualidade, regulação via organismos internacionais, fortalecer alianças dos países que são grandes usuários de redes sociais no Sul Global, como G20 e Brics”, diz d’Angelo.

É bom lembrar que Zuckerberg se referiu especificamente, ao “controle excessivo” das redes vindo dos países latino-americanos. O ministro do Supremo Tribunal Federal Alexandre de Moares recebeu o recado.

Ana traz um ponto importante aqui: apesar de seu potencial destruidor, as redes sociais são também ferramentas quase indispensáveis para a mobilização política, compartilhamento de ideias e construção de comunidades. Assim, boicotar essas plataformas pode significar a perda de alcance e relevância em debates cruciais. 

Um caminho interessante é a descentralização das redes sociais, cooperativas e de código aberto. Projetos como Mastodon e outras iniciativas da federação Fediverse, que voltou à baila após ter aparecido nas redes no contexto da compra do Twitter por Musk, buscam oferecer ambientes digitais mais alinhados aos ideais progressistas. 

A adesão a essas alternativas, no entanto, ainda é muito limitada: não é brincadeira competir com a força gravitacional dos gigantes da tecnologia.

Usuário hard das redes sociais e abertamente de esquerda, o filósofo João Maria Tavares se vê nesse lugar incômodo e entende que as redes sociais fazem parte de um processo mais amplo do que chamamos de capitalismo.

“Nossas formas de se relacionar com o mundo são há muito mediadas por estratégias que visam o lucro. As redes trazem comodidade, satisfazem desejos (que podem ter sido criados por elas) e nos tornam muito vulneráveis ao controle. Por isso, somos críticos e ao mesmo tempo usuários: é um mecanismo que sacia nossos desejos e facilita a nossa vida e ao mesmo tempo que controla parte dela”, diz Tavares.

Ele entende que o uso contínuo dessas redes por progressistas levanta questionamentos sobre coerência ética. Afinal, como justificar a participação em ecossistemas digitais que não apenas lucram com a divisão social, mas também fornecem megafones para ideias retrógradas?

A resposta a essa pergunta revela uma profunda dificuldade em se desvencilhar das infraestruturas de comunicação que moldam o mundo contemporâneo.  Mas tem gente muito foda que sabe: rede social também se faz no face a face.

O offline e a igreja

Mais cansada de guerra do que Tereza Batista (se não catou a ref, vem aqui), fui ouvir uma das jornalistas e comunicadoras mais relevantes da atualidade no país, Martihene Oliveira.

Ela criou, ao lado de Gilberto Luiz, também jornalista, o coletivo Sargento Perifa. O nome deriva da própria comunidade, o Córrego do Sargento, no bairro da Linha do Tiro, zona norte de Recife.

O coletivo já realizou projetos como o Muda Sargento, Alfabetiza Sargento e Sargento em Movimento, além de cursos de formação de jovens comunicadoras/es. Possuem grupos no WhatsApp e, claro, perfis nas redes sociais.  Mas há outras estratégias que sustentam esse trabalho de base.

Martihene me conta que, das 372 famílias da comunidade, 306 são cadastradas no Perifa, que termina sendo um equipamento cultural importantíssimo em um local que só veio ter seu primeiro equipamento  público no fim de 2023, uma praça.

“Se a gente ficasse só nas redes sociais, o Perifa não teria sentido e não faria o efeito que faz na comunidade. A gente ia acabar fazendo mais do mesmo porque não conseguimos convencer sempre os moradores de que uma mentira das redes é mentira através de um vídeo, por exemplo. Sem falar que as redes não entregam nosso conteúdo sempre. O efeito mais rápido, e que talvez seja tão trabalhoso quanto, é a partir da comunicação olho no olho mesmo. É com minha vivência, que é parecida com a vivência de Janaína, mulher negra da comunidade que me conhece e que tem a mesma idade, que vou convencer as pessoas de que uma mentira é mentira. Essa é a mesma regra utilizada pelos pastores e lideranças religiosas, por exemplo. Tem dado certo”, explica.

A jornalista toca em um ponto central aí: a assimilação de uma comunicação que se dá, também seguindo o modo de aproximação que as igrejas há tanto realizam no país, sejam elas católicas ou evangélicas.

“Minha expectativa é focar no offline”, diz, lembrando que muitos dos pastores que propagam fake news são também pessoas pobres, periféricas e vítimas desse fenômeno. O trabalho, claro, não é fácil.

“Nós somos claramente um veículo de esquerda, mas não estamos envolvidos em política partidária.  Uma exceção foram as eleições de 2022, quando os jornalistas do Perifa se posicionaram a favor de Lula. Sofremos muito hate, até ameaças de morte”, relata Martihene.

É nesse ambiente conflagrado que a disputa pela comunicação vai continuar a acontecer.  Por isso, em vez de gastarmos toda nossa energia – feminina, masculina, não-binária, vegetal, o que for – olhando apenas para a cara de Zuckerberg e seus colegas, talvez seja mais importante prestar máxima atenção no que coletivos como o Sargento Perifa estão fazendo e multiplicar tais estratégias.

Não tem salvação prometida, mas não é somente compartilhando nosso horror e insatisfação com as Meta da vida que vamos fazer diferença nesse jogo.

Os nossos dados eles já têm, agora é aprender (melhor) a produzir contra discurso a partir de dentro e de fora do próprio condomínio.

JÁ ESTÁ ACONTECENDO

Quando o assunto é a ascensão da extrema direita no Brasil, muitos acham que essa é uma preocupação só para anos eleitorais. Mas o projeto de poder bolsonarista nunca dorme.

A grande mídia, o agro, as forças armadas, as megaigrejas e as big techs bilionárias ganharam força nas eleições municipais — e têm uma vantagem enorme para 2026.

Não podemos ficar alheios enquanto somos arrastados para o retrocesso, afogados em fumaça tóxica e privados de direitos básicos. Já passou da hora de agir. Juntos.

A meta ousada do Intercept para 2025 é nada menos que derrotar o golpe em andamento antes que ele conclua sua missão. Para isso, dependemos do apoio de nossos leitores.

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