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Aprendi com os erros nas manifestações de esquerda – por isso decidi não protestar na posse de Trump

Um segundo mandato de Trump vai exigir mais ação estratégica com efeitos reais, e menos palavras de ordem.

Trump toma posse, mas esquerda não vai às ruas.

Oito anos atrás, eu fui a Washington protestar contra a posse do presidente Donald Trump. Eu não tinha planos de participar da enorme Marcha das Mulheres, marcada para o dia seguinte; não era hora, pensei, de feminismo liberal inofensivo, de apetrechos kitsch cor-de-rosa e piadinhas com vulvas.

Estava lá para participar do J20 — 20 de Janeiro — o protesto antifascista dos black blocs. Nosso objetivo era iniciar o mandato de Trump com um antagonismo incômodo pelas ruas. Palavras de ordem genéricas de “fechem tudo” transmitiam um senso renovado de urgência naquele momento, na sequência da vitória eleitoral de Trump e diante da ameaça da ascensão de um governo fascista.

Mas, não, não fechamos tudo. A manifestação causou alguns pequenos danos materiais, principalmente contra vitrines de bancos e grandes franquias.

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Horas antes de Trump ser empossado e apresentar sua visão sinistra da “carnificina americana” sobre o palco, nossa passeata foi reprimida pela polícia de choque. Mais de 200 manifestantes foram detidos, e a maioria deles enfrentou acusações criminais que poderiam levar a mais de uma década de prisão — os processos acabaram sendo arquivados, mas só depois de 18 meses terríveis para os acusados.

A perseguição judicial extrema contra manifestantes de esquerda, antirracistas foi constante durante o primeiro governo de Trump, e continuou durante o de Joe Biden, também

‘Eu não fui a Washington. Nenhum dos outros grupos antifascistas de esquerda que eu conheço estava lá.’

Oito anos depois, o início de um segundo mandato de Trump anuncia um autoritarismo mais estudado e aperfeiçoado. Eu não fui a Washington. Nenhum dos outros grupos antifascistas de esquerda que eu conheço, e que se reuniram em massa na cidade para o J20, em 2017, estava lá. Também não havia planos para um gigantesco carnaval de #resistência, como foi a Marcha das Mulheres.

Embora seja possível culpar o frio extremo, que obrigou a cerimônia de Trump a ser realizada em lugar fechado, não foi o clima que atrapalhou os planos de protestos em grande escala — não havia planos na escala de 2017 sendo feitos.

As autoridades de Washington informaram que não havia ameaças conhecidas à posse, e espera-se que os protestos autorizados sejam bem menores desta vez. Toda a força policial de Washington, no entanto, foi destacada, acompanhada por mais 4 mil policiais de outras regiões e 7.800 soldados da Guarda Nacional.

Não era possível descartar alguma surpresa — Luigi Mangione nos lembra disso — mas, mesmo em lugar fechado, a posse foi um espetáculo lamentável, caro, inundado pela estética e pela retórica fascista, realizado sem perturbação, nem protestos dignos de nota.

O silêncio não é necessariamente uma coisa ruim. Não fazia muito sentido ir a Washington ontem para marcar oposição ao retorno de Trump. O trumpismo nunca foi embora. Ninguém nos corredores do poder em Washington está escutando. E, acima de tudo, o terreno em que disputamos o domínio do trumpismo é o terreno acidentado da vida cotidiana. É onde já estamos.

A retórica vazia dos democratas

A ausência de manifestações significativas contra a posse pode ser vista como um sinal de fatalismo ou resignação pelos oponentes de Trump — e, para os liberais de centro e conservadores “Trump nunca”, pode até ser.

Para os movimentos de esquerda, no entanto, por mais que estejamos na defensiva, evitar os protestos na posse este ano revela um acerto de contas mais sóbrio com os limites de certas táticas em certos momentos, e, pelo lado bom, um foco mais atento para onde a energia será necessária nas lutas que se aproximam.

Os últimos oito anos, mas especialmente a segunda metade do mandato de Biden, provaram o que muitos na esquerda temiam: a retórica antifascista dos democratas liberais era vazia.

‘Os democratas agenciaram exatamente as políticas trumpistas contra as quais prometiam #resistência.’

As vozes indignadas da #resistência contra Trump 1.0 passaram os últimos anos promovendo políticas anti-imigração dignas de Trump, soltando a mão das pessoas trans, apoiando a guerra genocida de Israel em Gaza, fazendo sensacionalismo com os índices de criminalidade, e despejando recursos no orçamento de forças policiais em vez de atender às necessidades das pessoas.

Eles agenciaram exatamente as políticas trumpistas contra as quais prometiam #resistência. É irrelevante saber se os acenos dos democratas à direita foram estratégias eleitorais mal planejadas ou sinal de alinhamento ideológico com Trump; o trabalho político violento foi o mesmo, independentemente. 

A subserviência do Partido Democrata à pauta do segundo mandato de Trump começou cedo, quando 48 deputados democratas votaram com os republicanos na semana passada para aprovar a lei Laken Riley.

O projeto de lei, agora aprovado também no Senado, permite que as autoridades de imigração detenham por tempo indeterminado, e possivelmente deportem, os imigrantes não autorizados acusados — e nem sequer condenados — por crimes de menor relevância, como furtos em lojas. Ele permite que as forças mais trumpistas da política estadunidense escolham quem deportar.

O trabalho na linha de frente

A essas alturas, já não é novidade que não podemos confiar nos liberais de centro para formarem uma frente antifascista. Digo isso sem alegria nenhuma: prefeitos e governadores democratas, de Nova York a Atlanta, já praticamente avisaram que não oferecerão proteção institucional às comunidades mais vulneráveis à pauta violenta de Trump. A esquerda é pequena e está desarticulada. Os desafios que enfrentamos são enormes e crescentes. 

Estamos em uma posição terrivelmente defensiva. A tarefa urgente é construir comunidades resilientes, incluindo formar redes de resposta rápida para defender vizinhos e colegas das operações das autoridades de imigração dos EUA, e garantir a ampla circulação e acessibilidade de medicamentos abortivos e hormônios.

As comunidades na linha de frente vêm fazendo esse trabalho desde muito antes da ascensão inicial de Trump ao poder.

Antes que alguém se esqueça, os anos pré-Trump não foram nenhuma maravilha em termos de acesso ao aborto, direitos dos imigrantes, ou assistência de saúde, em especial os cuidados de saúde para afirmação de gênero. O capitalismo dos combustíveis fósseis, da austeridade, das desigualdades brutais, e da exploração dos trabalhadores, e da polícia racista, e do estado carcerário — tudo isso criou as condições de insatisfação em que a extrema direita pôde prosperar.

Agora, se Trump cumprir apenas uma fração das promessas autoritárias que já fez, todas essas violências serão intensificadas, assim como as punições por combatê-las. As coisas podem simplesmente piorar. É um sinal de seriedade que muitos ativistas estejam concentrados na formação de comunidades e nas estratégias de defesa, em vez de protestos espetaculares.

Aprendendo enquanto fazemos

A hora de ir às ruas, ou de fazer outras ações públicas que chamem a atenção, não passou.

As enormes revoltas por George Floyd em 2020 não foram um erro, nem um fracasso, por terem enfrentado repressão e reações. Foram uma articulação potente e necessária de uma política de libertação que lutava para ser realizada. O mesmo pode ser dito sobre o extraordinário movimento estudantil pela liberdade da Palestina, que enfrentou demonização de ambos os lados do espectro político, e que precisará continuar muito depois de qualquer cessar-fogo em Gaza.

São lutas de longo prazo, aguerridas, em que as manifestações são apenas a faceta mais visível.

Essa visibilidade não é desprezível; precisamos nos encontrar nas ruas e nas encruzilhadas novamente. Ações como as aglomerações nos aeroportos contra a “proibição de muçulmanos” criada por Trump deveriam ter continuado contra as duras regras de fronteira de Biden, e serão ainda mais cruciais daqui em diante do que qualquer espetáculo em protesto contra a posse.

A Marcha das Mulheres em 2017 foi uma mentira, ainda que suas organizadoras e participantes estivessem agindo com sinceridade. Ela acenava a uma frente unida que ia dos liberais até a esquerda, feminista e antifascista, e que simplesmente não existia. Os democratas tradicionais deixaram isso muito claro.

O J20, por sua vez, foi um erro de cálculo: não tivemos a capacidade de interferir de forma relevante na posse e em seu imenso aparato de policiamento. Os protestos militantes são sempre arriscados, mas os riscos precisam ser o mais calculados possível. Um relativo silêncio durante a posse de Trump em Washington foi, eu espero, um sinal de aprendizado. 

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