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ENTREVISTA: ‘Estamos entre o pacto suicida da extrema direita e o zumbi neoliberal’

Rodrigo Nunes, filósofo e professor da Universidade de Essex, explica o embate entre extrema direita e as frentes amplas neoliberais, o que a esquerda pode fazer e como rumamos por inércia para o abismo climático.

ENTREVISTA: ‘Estamos entre o pacto suicida da extrema direita e o zumbi neoliberal’

Protesto climático em 2019.Em destaque, cartaz que pergunta ‘Aquecimento crítico (planetário). Deseja mudar o sistema?’. Fonte: Mika Baumeister(@kumpanelectric)/Licença Unsplash

Com o retorno de Donald Trump à presidência dos Estados Unidos, o crescimento da extrema direita europeia, a eleição de Javier Milei na Argentina e a sobrevida do bolsonarismo – mesmo após a inelegibilidade de Jair Bolsonaro –, ficou claro que a extrema direita veio para ficar.

Na opinião do filósofo Rodrigo Nunes, autor de do Transe à Vertigem e Nem Vertical, Nem Horizontal, e professor na Universidade de Essex, para a esquerda conseguir  propor alternativas ao neoliberalismo e aos pessimismos, é preciso, primeiro, ter em mente que “a possibilidade de você fazer alguma coisa diferente a partir de um único país parece pequena”. 

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Para Nunes, a crise de 2008 feriu de morte o neoliberalismo. Uma morte material e simbólica, mas não política – exigindo alternativas de ruptura com a ordem neoliberal. Porém, só a extrema direita se apresentou para essa tarefa.

Ficamos, então, entre a extrema direita e uma frente ampla que representa o zumbi do neoliberalismo: morto, porém se recusando a ser enterrado. Os pessimismos – sociais, ambientais, econômicos e políticos – saíram do armário e ocupam o dia a dia de todas as nossas conversas.

No entanto, o combalido internacionalismo de esquerda, que teve seu auge com protestos como o Fórum Social Mundial,  também precisa ser repensado. 

Uma alternativa, proposta por Nunes, é “construir entre a população um consenso em torno da ideia de que nós precisamos rever os nossos padrões de consumo” para enfrentar a crise climática.

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Na crise que traz um dos maiores desafios da humanidade, segundo o filósofo, a extrema direita oferece uma resposta mais fácil e palatável para quem pensa em termos de competição, enquanto a esquerda precisa convencer as pessoas da necessidade de desacelerar e reduzir o consumo para garantir um futuro.

O “pacto suicida” que nos impede de agir diante da urgência climática se explica pela inércia e pela dificuldade de absorver a gravidade da situação. 

E reverter essa inércia “é o maior problema com o qual a humanidade já se deparou”, na avaliação de Nunes. “E não apenas um problema imenso na sua complexidade, é um problema para o qual a gente tem um tempo finito e cada vez menor para dar uma resposta”, aponta. Para ele, a esquerda precisa “começar a fazer isso para ontem, porque o problema já é agora, e a gente não tem mais como adiar essa conversa”

A persistência da extrema direita

Pensar novas alternativas também passa, segundo Nunes, por entender que a extrema direita é um fenômeno a ser enfrentado por décadas, e não um simples “fogo de palha”. Para ele, esse movimento ganha força ao “encarnar uma promessa de ruptura numa situação em que tem muita gente insatisfeita com o estado de coisas”. Sem outra alternativa para essa ruptura, a extrema direita persiste.

Nunes ainda observa que “a extrema direita consegue ser mais convincente quando propõe uma ruptura” e conta com o apoio do capital quando este não vê outras alternativas viáveis. “A extrema direita pode fazer isso também porque no fim das contas ela pode contar com o apoio do capital”, destaca.

“A situação se agrava à medida que a economia mundial segue perdendo ritmo e ninguém sabe de onde virá a próxima fase de crescimento da economia mundial, se é que ela virá”, afirma Nunes.

A extrema direita soube se articular internacionalmente de forma muito mais eficaz do que a esquerda nos últimos anos.

Essa crise material é acompanhada por uma crise simbólica, diz ele, onde as promessas de boa vida do neoliberalismo parecem cada vez mais distantes. No entanto, a esquerda tem dificuldades em propor alternativas ao neoliberalismo, em parte devido a uma “perda completa de um horizonte para além do neoliberalismo” e à diminuição da margem de manobra dos governos nacionais.

Confira a seguir a entrevista:

Intercept Brasil – Trump voltou ao poder. A extrema direita veio para ficar?

Rodrigo Nunes – A extrema direita surge como uma resposta a um sentimento generalizado de insatisfação com o estado atual das coisas, especialmente em momentos de crise. Ela se fortalece ao apresentar um discurso de ruptura, se posicionando como a única alternativa viável, mesmo sem oferecer soluções concretas e sustentáveis. Desde a crise de 2008, o neoliberalismo foi desacreditado, mas não substituído por um modelo alternativo claro. Nesse vácuo, a extrema direita conseguiu consolidar sua presença política, mostrando que sua influência não foi um fenômeno passageiro, mas uma força com capacidade de adaptação e permanência no cenário global.

Estamos entre o pacto suicida da extrema direita e o zumbi neoliberal, então não é surpresa que o fascismo siga vivo e arrancando vitórias.

Contra a extrema direita, foram formadas alianças imensas, da centro direita até a esquerda radical. Por que elas têm sido tão frágeis?
As alianças entre forças de centro e de esquerda, embora estratégicas em curto prazo para barrar a ascensão da extrema direita, não conseguem se sustentar a longo prazo porque não oferecem um novo projeto político robusto. Elas funcionam mais como tentativas de restaurar o centro político perdido, mas esse modelo já perdeu grande parte de sua capacidade de mobilização. Essas vitórias são temporárias e limitadas, retardando o avanço da extrema direita sem criar um projeto político sólido e duradouro. O resultado é que, após um período curto de estabilidade, os movimentos ultraconservadores retornam com ainda mais força e apelo popular.

O internacionalismo da extrema direita é mais eficiente que o da esquerda?
A extrema direita soube se articular internacionalmente de forma muito mais eficaz do que a esquerda nos últimos anos. Criou redes de apoio transnacionais, com cooperação entre líderes políticos, empresários e influenciadores, além da rápida disseminação de narrativas e memes que fortalecem seu discurso. Esse sucesso se deve, em parte, a uma grande disponibilidade de financiamento e ao uso eficiente dos algoritmos das redes sociais, que amplificam conteúdos extremistas. Enquanto isso, a esquerda perdeu parte do seu espírito internacionalista, muitas vezes se restringindo a debates nacionais. Se quiser recuperar terreno, a esquerda precisa reinventar suas formas de organização global e adotar estratégias mais eficazes de mobilização digital e institucional.

As elites podem romper com a extrema direita?
As elites econômicas tendem a apoiar o que lhes for mais vantajoso em cada momento. Historicamente, houve momentos em que setores do capital romperam com regimes autoritários quando perceberam que esses governos colocavam seus interesses em risco. No Brasil, uma parte significativa da elite empresarial e do agronegócio se beneficiou da radicalização política e ainda não vê razões para abandoná-la. No entanto, se a extrema direita ameaçar a estabilidade institucional e econômica ou se grupos paralelos – como milícias e organizações criminosas – começarem a ganhar poder demais, pode haver um racha. Nesse caso, uma parte da elite pode buscar alternativas políticas mais moderadas para garantir previsibilidade e segurança aos seus negócios.

O que torna o combate à crise climática tão difícil?
O enfrentamento da crise climática é um desafio global sem precedentes porque exige uma coordenação internacional de grande complexidade. Os dois principais sistemas de organização moderna, o mercado capitalista e o sistema de Estados-nações, são, ao mesmo tempo, responsáveis pela crise ambiental e obstáculos para resolvê-la. Nenhum país quer ser o primeiro a assumir o ônus das mudanças, pois teme desvantagens econômicas em relação aos concorrentes. Assim, prevalece uma inércia perigosa, onde todos aguardam que os outros tomem a iniciativa. A extrema direita explora essa dificuldade ao negar ou minimizar o problema, vendendo a ideia de que os custos da transição devem recair sobre os mais pobres. Construir uma resposta progressista eficaz requer uma abordagem corajosa e pragmática, que enfrente esse impasse de forma clara e convincente.

JÁ ESTÁ ACONTECENDO

Quando o assunto é a ascensão da extrema direita no Brasil, muitos acham que essa é uma preocupação só para anos eleitorais. Mas o projeto de poder bolsonarista nunca dorme.

A grande mídia, o agro, as forças armadas, as megaigrejas e as big techs bilionárias ganharam força nas eleições municipais — e têm uma vantagem enorme para 2026.

Não podemos ficar alheios enquanto somos arrastados para o retrocesso, afogados em fumaça tóxica e privados de direitos básicos. Já passou da hora de agir. Juntos.

A meta ousada do Intercept para 2025 é nada menos que derrotar o golpe em andamento antes que ele conclua sua missão. Para isso, dependemos do apoio de nossos leitores.

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