A repressão está a todo vapor nos EUA. Primeiro, Mahmoud Khalil foi sequestrado de sua casa em Nova York. Depois, imigrantes foram perseguidos por suas opiniões políticas, e estrangeiros relataram que tiveram a entrada negada na fronteira depois que seus dispositivos eletrônicos foram vasculhados.
Mesmo antes da posse de Donald Trump, as inspeções de dispositivos eletrônicos na fronteira já estavam aumentando visivelmente. Com o medo cada vez maior dos ataques do governo Trump contra qualquer dissidência, cidadãos e não cidadãos dos EUA estão se perguntando como proteger sua privacidade.
Os especialistas dizem que é importante ter um plano antes de atravessar a fronteira, conhecer a legislação, e saber o que fazer para reduzir seu rastro digital. Os planos podem variar bastante dependendo do status de imigração de cada pessoa e de outros fatores.
Trouxemos algumas dicas sobre a legislação, e sobre como evitar que o governo dos EUA use seus próprios dados contra você.
Conheça a legislação
Se você acha que vai poder simplesmente recusar quando um agente de fronteira pedir seu telefone ou seu computador, pode perder as esperanças.
A autoridade alfandegária e de fronteira dos EUA, CBP (Customs and Border Protection), detém poderes para vasculhar os dispositivos eletrônicos de pessoas viajando para dentro e fora do país, independentemente do status de cidadania. Os cidadãos americanos podem se recusar a entregar sua senha ou código PIN — mas isso pode resultar em atrasos nas viagens e confisco de dispositivos, alertam os especialistas.
A CBP afirma que impõe alguns limites às buscas nos dispositivos, e a justiça dos EUA tem decisões contraditórias sobre a extensão da prerrogativa do órgão de vasculhar dispositivos eletrônicos recolhidos na fronteira.
Uma das políticas da CBP determina que os agentes de fronteira não devem buscar informações que estejam armazenadas apenas remotamente. Na prática, isso significa que os agentes costumam colocar o telefone em modo avião antes de fazer a inspeção.
Sophia Cope, advogada da organização Electronic Frontier Foundation, diz que é útil conhecer as políticas da CBP.
“Todos sabemos que os agentes federais muitas vezes não seguem a lei, nem as próprias políticas”, diz Cope, cuja organização já publicou seu próprio guia para viajantes. “Se você sabe que eles deveriam colocar o telefone em modo avião, por exemplo, pode perguntar a eles sobre isso.”
A CBP afirma que seus agentes podem realizar revistas “básicas” — em que o agente vasculha o conteúdo do dispositivo no local — a seu critério. Inspeções forenses “avançadas”, em que os eletrônicos são conectados a dispositivos externos para análise, só deveria acontecer em decorrência de suspeita “razoável” de violações à lei ou de questões de segurança nacional.
Tenha um plano
É importante pensar, muito antes de se dirigir ao aeroporto, o que você pretende fazer se um agente de fronteira pedir seus dispositivos pessoais. A última coisa que você quer é ser pego desprevenido, segundo Cope.
Sua organização recomenda que os viajantes façam uma análise de risco a partir de seu perfil pessoal, incluindo seu status de cidadão, residente permanente legalizado, ou detentor de visto, além do tipo de dados que estão armazenados em seus dispositivos.
Os cidadãos têm o direito de reingressar nos EUA, mas ainda podem ter os dispositivos apreendidos. A organização ACLU diz que o mesmo “deveria” se aplicar aos residentes permanentes legalizados, os portadores de “green card”. O grupo, no entanto, também recomenda que os não cidadãos preocupados com a possibilidade de que seus dispositivos sejam revistados “deveriam consultar um advogado de imigração sobre suas circunstâncias específicas antes de viajar”.
Os detentores de visto, por sua vez, podem simplesmente ter a entregada negada.
“Isso na verdade depende da situação específica da pessoa, e de qual seu nível de tolerância para o confronto, o atraso, e a detenção de curto prazo, e a possibilidade de perder seu voo e — em casos mais extremos — ter seu status migratório questionado”, explica Cope.
Cogite deixar seus dispositivos comuns em casa
A melhor forma de proteger seus dispositivos pessoais e de trabalho de uma busca e apreensão é simplesmente deixá-los em casa. Tenha dispositivos separados que você usa apenas para viajar, e faça uma limpeza e redefinição antes de cada viagem.
Eletrônicos mais baratos e recondicionados podem ser suficientes para muitas viagens. Se você definitivamente precisar dos seus dispositivos comuns durante a viagem, pense na possibilidade de enviá-los pelo correio para o seu destino, embora isso também possa ensejar outros riscos.
Faça logout e desligue
Antes de chegar a um posto de controle de segurança, e idealmente, antes mesmo de chegar ao seu ponto de entrada ou saída, desligue completamente todos os seus dispositivos. Isso é importante porque alguns dispositivos ficam em um estado de maior segurança antes de fazer o primeiro login, depois de terem sido desligados. Por exemplo, as empresas de perícia diferenciam os iPhones entre os estados “antes do primeiro desbloqueio” e “após o primeiro desbloqueio”, e o primeiro é descrito discretamente como “menos útil” para extração de dados.
Parte importante de uma segurança digital forte é praticar a chamada “defesa em profundidade”: assegurar que, se um dos níveis de segurança falhar, exista outro em funcionamento, por precaução. Por isso, faça logout de todas as suas contas antes de desligar o dispositivo. Você pode inclusive chegar ao ponto de excluir os aplicativos dos quais fez logout, e reinstalar depois que tiver passado com segurança do ponto de inspeção.
Se uma longa lista de senhas é a sua preocupação, é sinal de que você deveria estar usando um software de gestão de senhas. Muitos especialistas recomendam o uso desse tipo de programa, que permite usar uma senha única para desbloquear todas as outras senhas. Se o seu programa de gestão de senhas tiver um modo de viagem, que permite restringir a exibição de contas específicas durante o período da viagem, você deve habilitá-lo.
Desative a biometria
Use uma senha alfanumérica para acessar seu celular e outros dispositivos. Desative todos os tipos de acesso biométrico, como impressão digital e reconhecimento facial (nos iPhones, chamados, respectivamente, de Touch ID e Face ID). Se não fizer isso, as autoridades podem colocar o telefone diante do seu rosto para acessá-lo.
Proteja seus dados
Além fazer o logout das contas sensíveis, você também deve conferir se não está armazenando dados sensíveis no seu dispositivo. Uma alternativa é baixar os dados do seu telefone para um dispositivo criptografado que você não esteja levando na viagem, e deixar guardados em casa. Outra opção, caso você precise acessar alguns dados na estrada, é criptografá-los usando uma ferramenta como o Cryptomator, armazenar em um provedor de armazenamento em nuvem, e fazer o download quando chegar ao seu destino.
Se estiver usando iPhone, você pode fazer backup dos dados do celular usando o iCloud — mas lembre de ativar a solução de criptografia de ponta a ponta da Apple, a Proteção Avançada de Dados. (Se estiver em algumas regiões, como o Reino Unido, pode precisar alterar sua localização para usar esse recurso.)
Não se esqueça de proteger também os contatos sensíveis. Revise suas listas de contatos e remova qualquer pessoa cujo vínculo com você possa representar problemas; por exemplo, se tiver armazenados os nomes de ativistas, defensores dos direitos humanos, ou outras fontes sensíveis. Você pode inclusive exportar e excluir a sua lista de contatos inteira, e restaurar depois.
Seu risco é alto?
Se você acredita estar em risco especialmente alto ao atravessar a fronteira, há medidas mais avançadas que você pode tomar.
Uma das opções vai além da sugestão de deixar o celular em casa: você também pode deixar o cartão SIM (chip) e o número de telefone. Informe aos seus contatos que você usará um número temporário durante a viagem. Você pode comprar um chip temporário quando chegar ao país, ou até antes. O motivo para deixar seu chip em casa é o mesmo que justifica deixar seu celular — não querer que as autoridades, ou qualquer outra pessoa, possam assumir o controle do seu número de telefone. Por exemplo, se as autoridades pegarem seu cartão SIM e colocarem em seus próprios dispositivos, podem receber mensagens e ligações dirigidas a você.
Lembre-se que, se estiver usando a verificação por SMS como uma forma de autenticação em dois fatores, precisará atualizá-la temporariamente para o seu número em uso, ou deixar seu celular com alguém em casa que possa acessá-lo e fazer o seu login.
Em um cenário ideal, no entanto, você não deveria usar SMS para autenticação em dois fatores, porque é vulnerável à possibilidade de que invasores assumam o controle do seu número de telefone. Se não houver outra forma de autenticação em dois fatores, o SMS é melhor do que nada.
Se você tiver receio de que um telefone com informações mínimas possa chamar mais atenção durante uma inspeção de segurança intrusiva — o que é uma preocupação legítima, segundo os especialistas — lembre-se que pode ser preferível do que revelar informações sensíveis.
Uma outra opção ainda mais elaborada de proteção é o que a comunidade de inteligência chama de desenvolvimento de persona: criar contas alternativas que não contenham nenhuma informação sensível. Em outras palavras, você pode tirar fotos inofensivas e publicar em contas de rede social específicas para viagens. Caso seu celular seja vasculhado, só essas contas ficarão visíveis para as autoridades.
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