Governo escanteia Ministério do Meio Ambiente e ignora riscos em política nacional de data centers

A boiada da IA

Governo escanteia Ministério do Meio Ambiente e ignora riscos em política nacional de data centers

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  • Desde o início do governo Lula, mais de 80 reuniões com pelo menos 200 autoridades federais na Esplanada dos Ministérios trataram de data centers, segundo dados da agenda oficial das autoridades. O Ministério do Meio Ambiente não participou de nenhuma.
  • A ausência é preocupante pelo potencial impacto ambiental dos data centers, especialmente em relação ao uso de água e energia. É também competência do órgão avaliar os efeitos ambientais dessas super estruturas.
  • A estratégia parece seguir a cartilha de Paulo Guedes. Em 2020, a gestão do então ministro da Economia do governo Bolsonaro encomendou um estudo para atrair investimentos para o setor – uma das sugestões foi justamente a dispensa de licenciamentos pelo Ministério do Meio Ambiente para ‘desburocratizar’.

Estão a pleno vapor no governo federal as discussões sobre uma política nacional de data centers – infraestrutura física gigantes, do tamanho de prédios, com máquinas responsáveis por processar tudo o que fazemos na internet, de e-mails à inteligência artificial. A robusta articulação interministerial visa aproveitar o que o governo enxerga como uma “janela de oportunidade” para atrair investimentos no setor. Mas uma pasta crucial foi escanteada das conversas: o Ministério do Meio Ambiente, o MMA.

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Desde o início do governo Lula, mais de 80 reuniões com pelo menos 200 autoridades federais na Esplanada dos Ministérios trataram de data centers, segundo dados da agenda oficial das autoridades. O Ministério do Meio Ambiente não participou de nenhuma. Enquanto isso, o discurso do setor privado é incorporado às tratativas.

A ausência é preocupante pelo potencial impacto ambiental dos data centers, especialmente em relação ao uso de água e energia. É também competência do Conselho Nacional do Meio Ambiente, o Conama, órgão presidido pelo MMA, a elaboração de padrões e procedimentos relativos à avaliação dos efeitos ambientais dessas estruturas.

“A implementação dessas infraestruturas pressupõe impactos socioambientais e climáticos gigantes: consumo intensivo de energia e água, uso de território, geração de resíduos — tudo isso em um contexto em que o mundo já vive um colapso socioambiental causado, justamente, por decisões que desconsideraram essas mesmas questões no passado”, disse ao Intercept Brasil Julia Catão Dias, coordenadora do programa de Consumo Responsável e Sustentável do Instituto de Defesa de Consumidores, o Idec. 

Segundo ela, a implementação de data centers não pode ser guiada exclusivamente por interesses econômicos e pela lógica da atração de investimentos a qualquer custo. 

Enquanto o meio ambiente fica em segundo plano no debate, o setor privado tem sido presença frequente nas reuniões do governo federal. Mais de 70% dos compromissos contaram com participantes do setor privado. 

Em um deles, em janeiro deste ano, autoridades do Ministério da Indústria, Desenvolvimento e Comércio, o MDIC, discutiram a política nacional de data centers com três representantes da Brasscom, uma entidade de lobby que representa a indústria de telecomunicações e tem como associadas big techs como Amazon, Microsoft e IBM.

O MDIC informou ao Intercept que a elaboração da política nacional de data centers é coordenada pela Casa Civil e conta com a participação de outros ministérios e entidades do governo federal, como os ministérios da Fazenda, de Minas e Energia, das Telecomunicações, da Ciência, Tecnologia e Inovação e da Gestão e da Inovação em Serviços Públicos, além do Banco Nacional do Desenvolvimento, o BNDES. “Outras pastas, como o Ministério do Meio Ambiente, podem participar da construção da política com o avançar dos debates”, cita a nota. 

‘Não dá para tratar isso somente como uma política industrial ou de conectividade.’

O MMA, por sua vez, disse que “não participou, até o momento, de debates ou discussões promovidas pelo governo federal ou por outros ministérios com o objetivo de elaborar uma política nacional para a atração de data centers no Brasil” e tampouco foi “chamado a participar de nenhuma iniciativa nesse sentido”.

A pasta acrescentou ainda que o Conama não foi demandado pela sociedade civil, órgãos estaduais e municipais de meio ambiente, órgãos do governo federal, associações produtivas e nem por integrantes do conselho, para debater a matéria. 

De acordo com o MMA, a avaliação para instalações de data centers é competência do Conselho Nacional de Recursos Hídricos, ligado ao Ministério da Integração e do Desenvolvimento Regional, o MIDR, e, em nível federal, da Agência Nacional de Águas e Saneamento Básico.

Marina Silva, ministra do Meio Ambiente: de fora das discussões. Foto: Marcelo Camargo/Agência Brasil

Questionado via assessoria de imprensa, o MIDR disse que o Conselho Nacional de Recursos Hídricos não foi convidado para as discussões sobre a política e que também não foi acionado para realizar avaliações e outorgas de disponibilidade hídrica para instalação de data centers. A Agência Nacional de Águas também informou que não recebeu pedidos de outorgas de direitos de uso para data centers e tampouco tem participado de discussões sobre a política nacional.

A ausência do MMA é sintomática de um modelo fragmentado de fazer política pública em detrimento de uma visão sistêmica sobre infraestrutura e sustentabilidade, avalia Clauber Leite, diretor de Energia Sustentável e Bioeconomia do Instituto E+. 

“Data center envolve muito mais do que só meio ambiente, energia, indústria, tecnologia, planejamento urbano, segurança hídrica, então tem todos esses fatores que são envolvidos e não dá para tratar isso somente como uma política industrial ou de conectividade”, disse Leite.

“A discussão de marcos legais nessa área deve incluir o MMA e os órgãos ambientais fiscalizadores, em especial, pelo necessário controle de tais atividades”, pontua Fábio Takeshi Ishisaki, assessor de políticas públicas do Observatório do Clima. Ele destaca ainda outros impactos do setor, como a exploração de minérios e a geração e destinação de resíduos.

Ministério sugeriu dispensar licenciamentos ambientais para ‘desburocratizar’

O segmento de data centers, em geral, defende a dispensa de licenciamentos ambientais para acelerar e desburocratizar os investimentos no setor. 

Em 2023, o Ministério de Desenvolvimento, Indústria e Comércio, MDIC, publicou um estudo encomendado à Agência Brasileira de Desenvolvimento Industrial, a ABDI, para embasar a política nacional de data centers. E ele incorpora esse discurso. 

Encomendado em 2020 durante a gestão do então ministro Paulo Guedes, o relatório foi feito pelas empresas Frost & Sullivan e Prospectiva, que atuam na área de relações governamentais, e foca em maneiras de atrair investimentos para desenvolver data centers no Brasil. A elaboração do estudo custou R$1,1 milhão de reais e foi pago com recursos de um convênio entre o então Ministério da Economia e a ABDI.

Uma das ações sugeridas é justamente a desburocratização com a dispensa de licenciamentos pelo Ministério do Meio Ambiente. O estudo cita que data centers são projetos de baixo impacto e que, portanto, não precisam de licenciamento. Um dos países apontado como exemplo disso é o Chile. Mas o Chile é, na verdade, um alerta.

O país possui hoje 22 data centers, dos quais 16 estão na região metropolitana da capital Santiago. Em dezembro, o governo anunciou um plano nacional que inclui 30 novos projetos. Isso enquanto o país atravessa uma seca que tem previsão de durar até 2040.

MMA informou que não foi comunicado sobre a sugestão de dispensa de licenciamento.

Mas governo e empresas têm enfrentado resistência. Em 2019, quando o Google anunciou o plano de construir um segundo data center em Santiago, um grupo de ativistas ambientais chamado Movimento Socioambiental pela Água e Território, Mosacat, analisou a documentação e calculou que o data center obteve autorização para extrair 7 bilhões de litros por ano. 

Entre 2019 e 2023, o grupo realizou uma série de manifestações que levaram um tribunal de Santiago a analisar o projeto. No início de 2024, a Justiça suspendeu o projeto até que o Google reveja o impacto ambiental. 

Questionado sobre o estudo da Frost & Sullivan e Prospectiva, o MDIC disse que ele foi encomendado em 2020 e publicado em 2023 e que ele foi apenas “uma das fontes de informações” usadas pelo ministério e outros órgãos federais para formular a política pública de data centers. 

A pasta disse ainda que o conteúdo do documento “reflete o estudo e pesquisas feitos pela empresa contratada, não representando o posicionamento oficial das instituições públicas”. Já o MMA informou que não havia sido comunicado, até a publicação desta reportagem, sobre a sugestão de dispensa de licenciamentos feita no estudo.

Janela de oportunidade mira ‘refinarias de dados’

Não é exagero dizer que todos os olhos estão voltados para o Brasil quando se trata de data centers. Em comparação aos Estados Unidos e à Europa, o Brasil tem uma das matrizes energéticas mais limpas do mundo, com 44,8% de fontes renováveis. Enquanto isso, nos Estados Unidos, o presidente Donald Trump ventilou a ideia de usar carvão para atender à demanda energética da IA.

“O Brasil tem energia sobrando, limpa. Então, nós podemos atrair investimentos para cá com inteligência”, disse o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, em programa da TV Brasil, no final de março. 

Em um evento promovido em 2022 pela Agência Brasileira de Desenvolvimento Industrial, ABDI, representantes de big techs compararam o armazenamento de dados ao “novo petróleo” e os data centers às refinarias.

“A comparação é tão sintomática quanto absurda: estamos diante de um setor que assume, com todas as letras, estar seguindo os passos da indústria fóssil – justamente aquela que nos levou à emergência climática que hoje ameaça a própria vida no planeta”, ressalta Dias, do Idec. 

Para ela, é urgente que a proteção da natureza esteja centralizada no debate sobre data centers. “Se os data centers são mesmo as ‘“novas refinarias’”, é inconcebível que o MMA esteja não apenas ausente dessa discussão, mas também sem protagonismo em pautar e centralizar as dimensões socioambientais e climáticas do debate”.

‘Nós temos concedido incentivos para atrair investimentos sem exigir nada em troca em termos de sustentabilidade ou contrapartida local’.

Em um relatório para investidores de julho de 2024 sobre oportunidades no setor de data centers brasileiros, ao qual o Intercept teve acesso, o banco Santander pontuou que, além da matriz energética limpa, o Brasil tem “preços competitivos” de eletricidade em comparação aos Estados Unidos e a outros países europeus. 

Mas, no mesmo relatório, o banco reconhece que a abertura do mercado de energia brasileiro para data centers poderá encarecer o custo da energia ao consumidor final. 

O relatório destaca ainda que o Brasil se torna um destino mais interessante para investimentos à medida que a situação regulatória se acirra em outros países. Nos Estados Unidos, novas legislações federais apresentadas ao Senado poderiam apertar regulações sobre desenvolvimento de data centers, incluindo leis de zoneamento e avaliações obrigatórias de impacto ambiental e de recursos, bem como diretrizes sobre uso da água. 

“Alguns estados dos Estados Unidos têm tido dificuldades para fornecer energia e água para data centers e enfrentam a oposição de comunidades locais, já que a alta demanda por energia dessas instalações pode sobrecarregar a rede de serviços local”, cita o Santander, no relatório. 

Datacenter em Ashburn, Virgínia, nos EUA: superestruturas  gigantes têm alto impacto energético e hídrico.
Datacenter em Ashburn, Virgínia, nos EUA: superestruturas gigantes têm alto impacto energético e hídrico.

Vantagens para o Brasil ainda não estão claras 

No Brasil, é esperado que o governo apresente em breve a política nacional de data centers. O texto já foi mostrado ao presidente Lula em março, segundo Haddad. O protagonismo da Fazenda no tema teria despontado após o ministro ter se convencido de que era preciso um “arcabouço regulatório” para aproveitar uma “janela de oportunidade”. 

Desde 2024, o governo federal tem tomado ações para canalizar o interesse do segmento no Brasil. Em agosto, lançou o Plano Brasileiro de Inteligência Artificial, o PBIA, no qual prevê a destinação de R$ 23 bilhões em investimentos. Em setembro, o BNDES anunciou uma linha de crédito de R$ 2 bilhões específica para investimentos em data centers.

A localização do Brasil também é estratégica, podendo conectar o restante da América Latina à Europa e aos Estados Unidos através de uma rede complexa de cabos submarinos. E, por fim, há uma quantidade massiva de dados sendo produzidos e trocados em território nacional, graças à adesão massiva da população brasileira às novas tecnologias.

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Em dezembro de 2024, enquanto o Senado discutia um projeto de lei para regulamentar inteligência artificial, o setor de data centers publicou uma carta pedindo a retirada de um artigo que previa remuneração por direitos autorais para detentores de conteúdo usado para treinamento de IA. 

Segundo representantes do setor, a manutenção do artigo poderia afastar investimentos em desenvolvimento e treinamento de IA. A versão do PL aprovada no Senado incluiu o artigo, mas há expectativa de que ele seja retirado na tramitação na Câmara dos Deputados. 

Na avaliação de Leite, do Instituto E+, o que não está claro ainda é o que o Brasil tem a ganhar com uma política de atração de data centers, já que o segmento não tende a gerar empregos e nem arrecadação, além de utilizar recursos hídricos e energéticos. “Nós temos concedido incentivos para atrair investimentos sem exigir nada em troca em termos de sustentabilidade ou contrapartida local”, pontuou. 

Essa reportagem foi produzida com apoio do Pulitzer Center.

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