The Brazilian Army Command presents the military contingent that will work on the security of the 2013 FIFA Confederations Cup in Brasilia on June 13, 2013.  The security forces will be formed personnel from the Army and the Paramilitary Police. AFP PHOTO/Beto BARATA.        (Photo credit should read BETO BARATA/AFP/Getty Images)

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Projeto que “dá licença para matar” a militares para as Olimpíadas sequer cita as Olimpíadas

Proposta que garante julgamento especial a quem matar civis fugiu de todos os padrões na Câmara. Defensores citam as Olimpíadas, mas os Jogos sequer são citados na justificativa do projeto, criado por lobby militar, e teria vigência até dia 31 de dezembro.

The Brazilian Army Command presents the military contingent that will work on the security of the 2013 FIFA Confederations Cup in Brasilia on June 13, 2013.  The security forces will be formed personnel from the Army and the Paramilitary Police. AFP PHOTO/Beto BARATA.        (Photo credit should read BETO BARATA/AFP/Getty Images)

Uma votação sem precedentes, com o aval de partidos dos mais diferentes matizes ideológicos no Congresso Nacional, garantiu um avanço significativo num sonho antigo dos militares: que integrantes do Exército, Marinha e Aeronáutica, quando destacados para missões de garantia da “lei e da ordem”, possam ser julgados por um tribunal formado por militares caso atirem e matem um civil.

Foram apenas três horas e seis minutos de intervalo entre a apresentação do projeto de lei, redigido por alguém de fora do gabinete do autor oficial da proposta, e sua aprovação em plenário da Câmara. Nesse meio tempo, o texto ainda foi modificado para conseguir angariar a simpatia de partidos inicialmente contrários a uma discussão extremamente acelerada, como o PT. Em vez de alterar as regras definitivamente, um acordo entre os deputados estabeleceu que as regras seriam válidas apenas até o dia 31 de dezembro deste ano – nada que não possa ser eventualmente prorrogado posteriormente.

No início de julho, a poucos dias do recesso de meio de ano no Congresso, Esperidião Amin (PP), deputado catarinense de 68 anos, governador de Santa Catarina indicado pelo regime militar em 1975, e um dos políticos mais experientes da Câmara, recebeu um grupo de representantes das Forças Armadas em seu gabinete em Brasília. Eles estavam preocupados. Desde 2015, tentavam aprovar uma mudança nas regras do Código Penal Militar. Hoje, o código estabelece que militares do Exército, Marinha e Aeronáutica devem ser julgados pelo tribunal do júri quando cometerem crimes dolosos (com intenção de matar) contra civis. Eles acreditam que esses militares deveriam ter tratamento especial: serem julgados não por jurados civis, mas por um tribunal bastante fechado, formado por militares como eles.

O projeto original estava com a tramitação tumultuada, com muitos penduricalhos que não eram de pleno interesse dos militares e que tinha chance de aprovação muito menor. Foram nada menos que 12 anos de idas e vindas nos gabinetes da Câmara. “Parecia uma árvore de Natal”, disse Amin ao The Intercept Brasil, referindo-se à quantidade de propostas misturadas num mesmo processo. Era preciso, portanto, começar tudo do zero.

Às 18h26 de 6 de julho, o deputado Esperidião Amin protocolou um projeto de lei na Câmara. Desde as últimas eleições (posse em fevereiro de 2015), este foi o primeiro projeto relevante apresentado pelo deputado (outros três foram apresentados no período, um deles dava o título de “Capital Nacional do Frio” a uma cidade de seu estado). Mas não foi Amin quem escreveu o projeto. The Intercept Brasil verificou nos metadados do arquivo PDF entregue pelo deputado que o autor é registrado como um certo “Maj_Corbal Corbal”. Nos projetos anteriores do deputado, no campo do autor estão códigos numéricos pertencentes a assessores do parlamentar.

Questionado, Amin disse que não tem nenhum funcionário chamado Corbal e admitiu que não escreveu o texto, nem a justificativa do projeto.

“Pode ser que alguém tenha me entregado uma minuta do projeto para eu assinar”, disse.

Amin, contudo, defende o projeto com paixão. Diz que os militares fizeram uma ponderação a ele, que lhe “sensibilizou a apresentá-lo [o projeto]”.

Diz o deputado: “Se não tivermos uma perfeita adesão das Forças Armadas ao esforço de combater quaisquer tipos de atos nas Olimpíadas, como furto, roubos etc, vamos nos amargurar muito”.

Brazilian security forces stand guard outside the Maracana stadium in Rio de Janeiro on August 5, 2016, ahead of the opening ceremony of the Rio 2016 Olympic Games. A vast security blanket of 85,000 military personnel and police -- twice the number on duty at the 2012 London Games -- are draped over the city to ward off the threat of street crime and terror attacks. / AFP / Adrian DENNIS        (Photo credit should read ADRIAN DENNIS/AFP/Getty Images)

Militares na guarda fora do Estádio do Maracanã no Rio de Janeiro, dia 5 de agosto de 2016, antes da cerimônia de abertura dos Jogos Olímpicos. Foto: Adrian Dennis/AFP/Getty Images

Então é tudo por causa das Olimpíadas, certo? Errado. A justificativa do projeto assinado por Amin tem 561 palavras. Nenhuma delas é “Olimpíadas” ou “Jogos Olímpicos” ou “grandes eventos”. Eis o que o projeto apresenta como argumento para a criação de um foro especial para militares que matarem civis:

“Cumpre ressaltar que as Forças Armadas encontram-se, cada vez mais, presentes no cenário nacional atuando junto à sociedade, sobretudo em operações de garantia da lei e da ordem. Acerca de tal papel, vale citar algumas atuações mais recentes, tais como, a ocorrida na ocasião da greve da Polícia Militar da Bahia, na qual os militares das Forças Armadas fizeram o papel da polícia militar daquele Estado; a ocupação do Morro do Alemão, no Estado do Rio de Janeiro, em que as Forças Armadas se fizeram presentes por longos meses; e, por fim, a atuação no Complexo da Maré, que teve início em abril de 2014”.

A justificativa não são as Olimpíadas, mas as ações militares cada vez mais comuns em favelas, como as citadas no trecho acima. Neste exato momento, num outro contexto, mas que também está inserido na lógica de “garantia da lei e da ordem”, uma crise grave ocorre no Rio Grande do Norte. No último dia 3, mil homens e mulheres do Exército desembarcavam em Natal para tentar debelar uma rebelião que já havia gerado 78 incêndios e tentativas de incêndio, além de sete episódios de tiros disparados contra prédios públicos.

Questionado sobre a ausência das Olimpíadas na justificativa do projeto, Amin, um ex-ungido do militarismo que dominou o Brasil entre as décadas de 60 e 80, disse: “Esse contexto foi discutido comigo, mas não foi escrito por mim”.

Amin também discorreu sobre a situação de excepcionalidade que justificaria o projeto, dizendo que ele só valeria para as Olimpíadas. De fato, o projeto aprovado pela Câmara diz que a lei tem vigência transitória – até 31 de dezembro deste ano. Mas o texto original, assinado por Amin, defendia uma mudança definitiva da regra.

Perguntamos ao deputado, então, por que a data de 31 de dezembro, se as Olimpíadas terminam em agosto. “Porque ainda tem as Paraolimpíadas”, respondeu. Questionado sobre o fato de que essa competição termina em setembro, respondeu: “31 de dezembro, 31 de outubro, 30 de novembro, tanto faz. O importante é que fosse transitória”. Amin disse, depois, que essa transitoriedade foi definida a pedido do PT e do PC do B.

Se alguém saiu de Brasília naquele dia às 18h25 com destino a Porto Alegre, entrou no avião sem que houvesse qualquer discussão a esse respeito e desembarcou com um projeto extremamente polêmico aprovado por nossos parlamentares.

Aquele dia 6 de julho ainda teria mais capítulos fora do normal. Além de tudo, era véspera da renúncia de Eduardo Cunha à Presidência da Câmara. Como já informado, Esperidião Amin apresentou o projeto escrito no computador do “Maj. Corbal” às 18h26. Depois de apenas 40 minutos, às 19h07, foi requerida a urgência por meio dos líderes de 9 partidos ou blocos partidários, além do líder do governo, André Moura (que responde na Justiça por tentativa de homicídio). O PT também assina o requerimento de urgência.

Naquela noite, o deputado Jair Bolsonaro fez questão de discursar apoiando a medida. “Parabéns ao Ministério da Defesa e ao Comando das Forças Armadas por se preocuparem com o possível julgamento de seus integrantes no caso de um imprevisto”.

Alguns deputados, como o notório opositor do desarmamento Alberto Fraga (DEM/DF), discordaram da proposta, mas acabaram votando “sim”. A divergência envolvia o entendimento de que o projeto era muito restrito. Eles queriam que todos os policiais militares passassem também a ter foro especial.

Às 21h02, o requerimento de urgência foi aprovado. No minuto seguinte, o deputado Júlio Lopes (PP-RJ) subiu à tribuna para ler um relatório de três linhas e um voto de cinco linhas onde, numa costura feita minutos antes com líderes partidários, chegou-se à ideia de estabelecer que a nova lei seria apenas temporária. Trinta e quatro minutos depois, o projeto propriamente dito foi aprovado simbolicamente (não houve necessidade de votação no painel) e seguiu para o Senado.

Se alguém saiu de Brasília naquele dia às 18h25 com destino a Porto Alegre, entrou no avião sem que houvesse qualquer discussão a esse respeito e desembarcou com um projeto extremamente polêmico aprovado por nossos parlamentares.

Somente PSOL, PC do B e Rede votaram contra a urgência da tramitação. O PT, embora tenha votado contra o projeto, endossou a necessidade de ele ser discutido em velocidade digna de Usain Bolt. O líder do partido, Pepe Vargas, disse no plenário que “a matéria é pacífica”.

Ao menos nos dois dias que se seguiram à aprovação do projeto pela Câmara, nenhum dos três maiores jornais do país publicou algo a respeito. Agora, ele está no Senado. Ao contrário da Câmara, os senadores rejeitaram pedido de urgência para a tramitação do projeto. Mas a tentativa aconteceu, e desta vez não foram representantes das Forças Armadas, mas o ministro Raul Jungmann (Defesa) em pessoa. Ele foi até o gabinete do senador Renan Calheiros pedir que fosse dada agilidade à votação do projeto. O plenário acabou rejeitando.

O projeto, de qualquer forma, está tramitando – os senadores não votaram no mérito, mas na necessidade de eliminar debates para aprovar logo a medida. Em princípio, o texto passaria apenas pela Comissão de Relações Exteriores e Defesa Nacional, antes de voltar para ser votado em plenário. O presidente da comissão é o senador tucano Aloysio Nunes Ferreira (SP), que vem a ser o líder do governo no Senado. A situação é curiosa. O senador, que começou sua trajetória política como integrante da luta armada contra o regime militar, agora defende diretamente os interesses do governo, que tem interesse na aprovação do projeto, na Casa. Segundo sua assessoria, ele é contra a proposta e “não vai dar agilidade nenhuma ao processo”.

Cabe a ele indicar o relator que emitirá parecer a respeito do texto. Pelo regimento do Senado, ele teria dois dias úteis a partir da volta do recesso para escolher esse relator. No entanto, na terça-feira, antes do fim deste prazo, o senador Paulo Paim (PT-RS) apresentou requerimento para fazer com que o projeto também seja discutido na Comissão de Direitos Humanos antes de ir a plenário. Esse requerimento ainda não foi votado.

Para críticos ao projeto, trata-se de uma verdadeira licença para matar. Afinal, o julgamento ocorreria em um tribunal potencialmente corporativista. O deputado Esperidião Amin nega que o projeto represente essa criação de “007” fardados.

“Não é licença para matar. Licença para matar seria extinguir a Justiça Militar. Isso é algo que eu gostaria de debater também”, afirmou ao The Intercept Brasil. “Entendo que a Justiça Militar funciona. Ela foi mantida na Constituição e nunca ouvi ninguém propor sua extinção”, concluiu Amin.

Seu colega Julio Lopes defende a tese de que existe rigor da Justiça Militar em relação a militares que cometem abusos. “A Justiça Militar não é diferente das demais. Não vai se permitir que ninguém mate ninguém, acho até que a Justiça Militar impõe um nível de rigor maior”, disse em entrevista ao jornal O Globo.

O advogado Fernando Gardinalli, do Instituto Brasileiro de Ciências Criminais, reforça a impressão de corporativismo da Justiça Militar, embora ressalve não ter dados concretos para apontar julgamentos mais favoráveis a militares naquele foro do que na Justiça comum. Mas ele vê claramente essa expectativa na lógica por trás do projeto.

“Talvez ele [o militar] se sinta com mais liberdade de agir de maneira mais violenta, se sinta mais à vontade para cometer uma arbitrariedade, uma vez que ele saberá que terá um julgamento excepcional, já que a lei, em si, é excepcional”, afirma Gardinalli.

Sua crítica mais central ao projeto é ao “casuísmo” da proposta. O fato de o texto prever que a lei será vigente somente num determinado período de tempo, o que foi considerado um avanço por alguns partidos, representa para ele a constatação de que se trata da criação de uma espécie de tribunal de exceção.

“No fundo, o que a lei tenta criar é uma competência específica para aqueles sujeitos naquele contexto. Um tribunal de exceção para determinadas pessoas”, avalia.

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