(este texto contém atualizações)
O que é, o que é o jogo em que o segundo colocado nas pesquisas de intenção de voto a prefeito fica de fora do primeiro debate realizado pela TV? A democracia brasileira. A brincadeira não tem nenhuma graça, mas foi exatamente o que aconteceu com Marcelo Freixo (PSOL), candidato a prefeito que ocupa o segundo lugar nas pesquisas no Rio de Janeiro, excluído no debate da TV Bandeirantes nesta quinta-feira, dia 25, pelos próprios oponentes.
Essa era a situação, pelo menos, até aproximadamente as 17h desta quinta-feira, 25, enquanto o Supremo Tribunal Federal votava sobre a manutenção da lei eleitoral. A maioria dos ministros defende que a lei não deve ser modificada, mas que candidatos já convidados pelas emissoras não podem ser vetados por seus concorrentes.
Procurado por The Intercept Brasil, Freixo comemorou o resultado do STF: “Toda a minha reclamação e a crítica que eu fazia à lei se confirmou, e o STF mostrou que estávamos corretos. É uma vitória, estaremos presentes nos próximos debates. Neste não será possível por questões burocráticas, não vai mais dar tempo. Manterei minha participação nos moldes de manifestação no Centro da cidade como havia marcado antes.”
Além de Freixo, no maior município brasileiro, São Paulo, sua colega de partido Luiza Erundina, empatada em 3º lugar com outros dois candidatos, também foi embarreirada. As duas situações são frutos de mudanças na legislação eleitoral que acabam beneficiando os interesses dos partidos mais fortes, ao custo de princípios democráticos fundamentais.
Segundo a nova lei eleitoral, para um candidato a prefeito ter presença obrigatória em um debate, seu partido precisa ter pelo menos dez deputados federais, e a presença de candidatos de partidos que não têm o mínimo exigido pode ser vetada pelos que têm lugar garantido no palco.
O que o trabalho de deputados que atuam na esfera legislativa federal tem a ver com a capacidade de um candidato agir no executivo em nível municipal?O resultado é que os votos de cidadãos dos demais estados e uma minoria de candidatos dos grandes partidos acabam pesando mais do que a opinião dos eleitores da própria cidade.
O que o trabalho de deputados que atuam na esfera legislativa federal tem a ver com a capacidade de um candidato agir no executivo em nível municipal? Nem mesmo especialistas conseguem responder com clareza. Mas quem votou pela mudança, é claro, foram os próprios deputados.
Como se não fosse o suficiente, alguns dos mesmos deputados que votaram pela mudança hoje são, justamente, os tais candidatos a prefeito que fazem parte da lista VIP nos debates.
Para entender a polêmica é preciso, primeiro, entender o que mudou. O texto da Lei 9504 foi alterado na minirreforma eleitoral presidida por Eduardo Cunha em setembro de 2015. Antes, para um candidato a prefeito ter lugar garantido nos debates, bastava seu partido ter apenas um deputado federal eleito. O critério era baseado na ideia de que o partido do candidato tivesse representatividade política. A alteração subiu para dez o número de deputados necessários, isolando os partidos menores, mais novos ou com foco regional. Outra mudança fez com que o número de participantes nos debates fosse decidido em um acordo feito pelas empresas de comunicação com os candidatos obrigatórios. Para que algum candidato além dos obrigatórios seja convidado, é preciso que dois terços dos obrigatórios aprovem o número. O presidente do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), ministro Dias Toffoli, diz que a lei “não promove a absoluta exclusão das legendas minoritárias dos debates eleitorais”. Ele afirmou que “os órgãos e os meios de comunicação poderão convidar todos os candidatos, independente do número de parlamentares que tenha (o partido)”.Na prática, porém, a consequência da mudança é que, para definir quantos candidatos podem participar de um debate, precisa-se resolver um problema de lógica parecido com as questões matemáticas colocadas em provas escolares:
RESOLVA O PROBLEMA: A cidade de Maria tem 11 candidatos a prefeito. Sete deles são de partidos com mais de nove deputados federais no Congresso, por isso, sua participação em debates é obrigatória. Para definir o número de participantes em seu primeiro debate, a emissora de TV de João precisa que pelo menos dois terços dos participantes obrigatórios concordem com o total de convidados. Marcelo é um dos 11 candidatos e está em segundo lugar nas pesquisas eleitorais. Ele quer participar do debate, mas seu partido tem apenas cinco deputados federais. Pedro, Flávio e Antônio estão entre os nove obrigatórios, mas não querem sua presença. Marcelo conseguirá participar?
RESPOSTA: Não.
(Esta é uma obra de ficção, mas qualquer semelhança com nomes, pessoas, fatos ou situações da vida real não terá sido mera coincidência.)
A Associação Brasileira de Emissoras de Rádio e Televisão (Abert) divulgou uma nota pública defendendo que “na falta de consenso, rádio e TV poderão realizar debates eleitorais, bastando convidar todos os candidatos aptos e aqueles não aptos que julguem de maior representatividade”. A Abert explica ainda que “essa escolha deve observar critérios objetivos, como o da posição nas pesquisas eleitorais”.
Segundo o presidente da Comissão Eleitoral da OAB-RJ, Eduardo Damian, a posição em pesquisas eleitorais não é um critério objetivo. “Por que um deputado bem ranqueado tem mais direito que outro? Um candidato pode liderar as pesquisas e perder a eleição”, explica o advogado, que foi chefe de gabinete do governo Sérgio Cabral (PMDB).
Para ele, convidar um candidato que não se enquadra na determinação da lei, mas é favorito nas pesquisas, é privilegiá-lo em detrimento dos demais: “Se os candidatos possuem os mesmos requisitos segundo a lei, uma emissora não pode convidar apenas um, o correto seria chamar todos”. Foi o que a rede Bandeirantes tentou fazer para o debate no Rio de Janeiro, que será veiculado nesta quinta-feira, 25, às 22h, mas não conseguiu.
O caso carioca ilustra perfeitamente a situação bizarra criada pela alteração da lei. Freixo foi barrado no debate porque três dos sete candidatos obrigatórios vetaram sua participação. A rede televisiva propôs, então, convidar todos os candidatos, mas parte dos políticos da lista VIP decidiu que já havia participantes suficientes.
Freixo tem 12% das intenções de voto. Os partidos PSOL e Rede entraram na justiça com uma Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) pedindo para participar dos debates em vários municípios.
Os ministros do Supremo Tribunal Federal votaram pela rejeição dos pedidos dos pequenos partidos, mantendo as regras como estão. Ao todo, foram abertas cinco ações por diferentes partidos, motivados por casos em várias cidades. O cientista político Leonardo Paz Neves, professor do Ibmec/RJ, considera essa uma consequência previsível para a minirreforma: “É possível predizer que o judiciário terá bastante trabalho para julgar o provável avalanche de recursos em função da insegurança regulatória”. Outros políticos estão sendo prejudicados pela alteração da lei. Em São Paulo, além de Erundina (PSOL), o PRTB também entrou na justiça pedindo direito de participação nos debates. “Queremos que a população conheça as propostas de todos os candidatos. O debate é uma ferramenta importante para isso”, defende o candidato da sigla à prefeitura, Levy Fidelix.
No Rio, os candidatos que vetaram a participação de Freixo no debate são Flávio Bolsonaro (PSC), Pedro Paulo (PMDB) e Índio da Costa (PSD). Todos pertencem a partidos que votaram a favor da alteração da lei.
Pedro Paulo conquistou 6% dos eleitores até o momento, mas seu partido elegeu nada menos que 80 deputados federais. Já Bolsonaro tem 11% das intenções de voto. Seu partido, o PSC, elegeu 11 deputados federais, mas hoje possui apenas sete deputados federais em exercício. Entre eles estão seu pai e seu irmão, que votaram a favor da mudança. Índio tem apenas 5% do eleitorado, e seu partido tem 42 deputados federais. Ele mesmo, inclusive, foi um dos deputados de seu partido que votou a favor da mudança que, agora, o privilegia.
Para Paz Neves, “o fato de termos um sistema que tende a privilegiar os partidos faz com que os candidatos ao executivo sirvam de cabo eleitoral para os candidatos ao legislativo. A mudança da lei irá na realidade reforçar esse laço na medida em que agora as campanhas para prefeito dependem da representatividade do legislativo”.O primeiro colocado, até agora, na disputa a prefeito carioca é Marcelo Crivella (PRB-PR-PTN), que tem 27% das intenções de voto. Os deputados de sua coligação partidária votaram contra a alteração da minirreforma. Questionado sobre a situação criada, Crivella disse que, ao vetar a participação de Freixo, os três oponentes “não estão pagando mico, estão pagando um gorila”.
ATUALIZAÇÃO: O texto foi atualizado para refletir a votação em andamento no STF. Até o momento, a maioria dos ministros concorda em manter a lei, porém considerando inconstitucional o veto à participação de candidatos já convidados pelas redes de televisão.
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