Em São Paulo, ontem, dia 29, manifestantes se reuniram para mostrar apoio à candidatura de Donald Trump e fazer acusações contra sua oponente, Hillary Clinton. Apesar de vários terem demonstrado no Facebook seu interesse em participar, apenas umas dúzias apareceram. O grupo de direita Juntos Pelo Brasil, organizador do evento, ridicularizou Clinton colocando-a como a “Dilma Americana”, afirmando que ambas as líderes “cometeram crimes, têm passado comunista, são absolutamente inaptas para comandar um país”. Assim como todo discurso de direita no Brasil, a propaganda feita pelos coordenadores do evento era repleta de um medo obsessivo de comunistas: a crença de que Clinton, de forma similar a Dilma, representaria uma espécie de caminho para Cuba, Venezuela e para a tirania do bolivarianismo. É praticamente impossível engatar um debate político com algum representante da extrema direita no Brasil que não termine com ele dizendo “vá para Cuba!”: um clichê que acusa implicitamente qualquer que não chegue a um Jair Bolsonaro de ser comunista.
O recorte simplista da realidade feito pelos manifestantes sobre Dilma, Clinton e Trump demonstra uma profunda ignorância sobre a política norte-americana, comum à direita brasileira. Hillary Clinton, como outros candidatos do Partido Democrata estabelecido, está praticamente tão longe do comunismo quanto um político poderia estar. Não é um exagero afirmar que, da mesma forma que Barack Obama foi antes, ela é a completa antítese desses clichês anticomunistas.
Mais do que a candidata favorita da classe trabalhadora, Hillary Clinton é amada pelos banqueiros e investidores de Wall Street. Em julho, o The Wall Street Journal – em uma matéria com a manchete: “O dinheiro dos fundos de investimento está mais para Hillary que para Trump” – informou que “dados mostram que apenas sete empresas financeiras geraram 47,6 milhões de dólares para grupos que trabalham para a Sra. Clinton. O total para Donald Trump: por volta de 19 mil dólares.” Donos de bancos em Wall Street afirmaram repetidas vezes que, embora Clinton vá utilizar uma retórica populista para ganhar a eleição, eles sabem que a candidata não vai agir de acordo com o que diz e que será uma forte aliada, protegendo seus interesses econômicos.
Há duas semanas, o Washington Post mostrou em detalhes o tamanho do apoio que Clinton recebeu dos capitalistas do país no artigo “Como mega doadores ajudaram a levantar $1 bilhão para Hillary Clinton”. Na semana passada, o USA Today publicou uma matéria intitulada “A proposta de Clinton em 2016 atrai mais investidores de Wall Street que Obama em 2012”. Por que isso é tão significativo? Porque, quando Obama concorreu à presidência em 2008, Wall Street deu muito mais dinheiro a ele do que ao seu oponente republicano; e, em 2012, “um terço do valor arrecadado pelos maiores eventos para levantar fundos [para Obama] veio do setor financeiro.” Em artigo bastante lido, publicado pela The Atlantic na semana passada, Matt Stoller mostra como o Partido Democrata, ao longo de décadas, deliberadamente se distanciou de seu populismo econômico para se tornar o partido das elites econômicas.
De fato, tanto Hillary quanto Trump se posicionaram no exato oposto de como os manifestantes brasileiros de direita entendem a política norte-americana. Em julho, Hank Paulson, ex-CEO do grupo financeiro Goldman Sachs e ex-Secretário do Tesouro no governo de George W. Bush, escreveu um artigo de opinião no Washington Post apoiando Clinton. Paulson disse que “acha particularmente estarrecedor o fato de que Trump, um homem de negócios, nos diga que não vai tocar nos programas sociais, no Medicare e no Medicaid.” Em outras palavras, Paulson acredita que Clinton vá fazer cortes em programas sociais para a população pobre, enquanto Trump os protegeria: então, Clinton faria exatamente o oposto do que um “comunista” faria, e Clinton – não Trump – está exatamente na posição que a direita brasileira afirma apoiar (medidas de austeridade).
Até mesmo um rápido olhar sobre o estilo de vida de Hillary Clinton e de seu marido, Bill, revela a farsa total em sugerir que ela tenha alguma afinidade com o comunismo. Ao longo dos últimos 15 anos, ambos os Clintons se tornaram extremamente ricos, principalmente por palestrarem para empresas de Wall Street, fundos de investimento, grandes conglomerados empresariais e outros campeões do capitalismo em troca de centenas de milhares de dólares em pagamentos. O Washington Post apurou que os Clintons arrecadaram, juntos, 2 bilhões de dólares, e que “construíram uma operação sem igual para levantar fundos, que logo alcançou cada setor econômico – das nobres instituições de Wall Street até as potências emergentes no Vale do Silício.”
É claro que, enquanto apenas uma extrema ignorância poderia fazer alguém considerar a “Dilma Americana” como um tipo de simpatizante do comunismo disposto a pavimentar o caminho até Caracas, algo bastante parecido poderia ser dito da própria “Dilma brasileira”. Embora ela tenha sido uma guerrilheira comunista no início dos anos 70, quando lutava contra a ditadura militar – há 45 anos – ela esteve muito, muito distante desse passado enquanto foi presidente do país. Na verdade, enquanto a direita no Brasil a acusava constantemente de ser uma combatente marxista arrastando o país na direção de Havana, ela e seu partido se envolveram em uma longa série de acordos com oligarquias, magnatas e grandes corporações no Brasil, na qual ambos os lados tiraram grandes benefícios do fervor capitalista. Como Alex Cuadros detalhou no Washington Post, o PT acabou “proporcionando ajustes fiscais para corporações” e “transferiu dinheiro para o topo da pirâmide de renda”: não exatamente a agenda prescrita no Manifesto Comunista.
No entanto, o que quer que se pense sobre Dilma, a noção de que Hillary Clinton seria uma proto-marxista e Donald Trump um rígido defensor do capitalismo não provocaria nada além de gargalhadas em qualquer pessoa com a menor familiaridade com a política norte-americana. E, isso, sem falar no espetáculo bizarro apresentado pelos manifestantes de direita, que decidiram que os desafios políticos de seu país tinham algo a ver com Trump: por que um brasileiro membro da direita iria querer que os EUA deportassem trabalhadores sem documentos, proibissem muçulmanos de entrar no país e construíssem uma aliança americana com Vladmir Putin? De que forma alguma dessas medidas promoveria remotamente a agenda do conservadorismo brasileiro?
Mas, apesar de tudo isso, lá estavam eles, cantando e marchando em apoio a Trump e oposição a Hillary Clinton. Como o vídeo de Ricardo Matias e Victor S. mostra acima, o que lhes falta em compreensão, discernimento e racionalidade, eles ao menos tentaram compensar com entusiasmo e coro. A obsessão da direita brasileira programada para chamar todos os seus críticos de “comunistas” faz deles não apenas burlescos ou tóxicos, mas revela uma impressionante ingenuidade a respeito da política moderna, tanto no mundo quanto no Brasil.
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