Lobby, porta giratória, conflito de interesse. Esses são alguns dos temas que fazem parte do jogo político e estão por trás de muitas decisões importantes e afetam diretamente você. Para explicar esses conceitos e te ajudar a entender como grupos de grande poder econômico se relacionam com gestores públicos, influenciando e interferindo na política – e como a sociedade civil pode se organizar para que os interesses de uma minoria endinheirada não prevaleçam – o Intercept conversou com os cientistas políticos Vítor Oliveira e Juliana Sakai.
O que é lobby?
Lobby é a representação de interesses privados junto ao setor público, por meio de estratégias de relacionamento e convencimento. Empresas, entidades, associações ou representantes da sociedade civil se organizam e fazem lobby para convencer pessoas que estão em cargos de poder a decidirem de acordo com o desejo de determinados grupos. O Instituto Pensar Agro, criado por entidades do setor agropecuário para prestar assessoria à Frente Parlamentar da Agropecuária, é um exemplo da prática de lobby.
O lobby é crime?
Não. No Brasil, a prática ganhou a conotação de relações ilícitas de influência e de privilégio do setor privado com o público. Mas isso é, na verdade, corrupção ou advocacia administrativa – estas, sim, ilegais. Não se pode confundir uma prática que ocorre dentro de uma democracia liberal, como entidades dialogarem sobre seus interesses com quem tem cargo político, com o oferecimento de dinheiro ou outras vantagens a quem tem poder de decisão.
A confusão entre lobby e atividades criminosas e corruptas contribui para a criminalização da participação política feita dentro dos marcos democráticos. Por causa disso, vários grupos que fazem lobby não admitem a prática. O problema é que, embora o lobby aconteça, não há transparência. Não há um marco regulatório, nem regras que definem boas práticas.
Como os empresários fazem lobby?
Atores privados fazem lobby por meio de relacionamentos, convencimento e influência sobre os tomadores de decisão ou influenciadores. Eles precisam, em geral, se associar em grupos com interesses semelhantes, para projetar poder e serem reconhecidos como atores relevantes para opinar sobre determinados temas.
Há outras maneiras de projetar essa influência: laços socioeconômicos com os interlocutores no setor público, interesses em comuns e pertencimento a um mesmo grupo ou classe. No entanto, a maior parte dos grupos empresariais não pode se limitar a esses laços e relacionamentos pessoais. A concorrência entre eles exige que façam estudos técnicos para embasar a defesa de que seus interesses específicos são de interesse da sociedade.
O que é conflito de interesse?
O conflito de interesse ocorre quando um agente público toma decisões que atendem a interesses particulares e não atua em benefício da sociedade e do interesse público. Procuradores federais da Advocacia Geral da União, por exemplo, não poderiam ser sócios de uma franquia privada que faz mediação e arbitragem de conflitos entre pessoas ou empresas.
O conflito de interesse também diz respeito à existência de laços políticos, econômicos, ideológicos ou familiares que sejam contrários, de algum modo, ao exercício do mandato conferido ao representante ou tomador de decisão. Recentemente, o Supremo Tribunal Federal formou maioria para permitir que um juiz possa julgar casos que envolvam clientes de escritórios de advocacia de seus parentes – um óbvio conflito de interesse.
Já a pesquisadora Zila Sanchez, chefe do departamento de medicina preventiva da Universidade Federal de São Paulo, a Unifesp, destaca o conflito de interesse envolvendo entidades privadas, como no caso do Centro de Informações sobre Saúde e Álcool, o Cisa, que desenvolve pesquisas sobre as consequências do consumo de bebida alcoólica e é financiado pela Ambev e pela Heineken.
O que é porta giratória?
Porta giratória é quando uma pessoa ocupa um cargo público, tinha acesso a uma série de informações estratégicas do governo e, ao sair desse cargo, vai trabalhar em uma instituição privada que pode se beneficiar dessas informações.
Quando alguém deixa um cargo público, deve ficar em quarentena. Ou seja, não pode trabalhar por um tempo em empresas privadas que seriam favorecidas pelas informações estratégicas que essa pessoa tem. O não cumprimento da quarentena é ilegal. Mas, mesmo que ela seja cumprida, assumir esse novo cargo ainda pode ser questionado, pois as informações que a pessoa tinha não foram simplesmente esquecidas. A quarentena apenas serve como redução de danos para o uso de dados importantes a curto prazo.
Qual o problema de grupos poderosos interferirem em políticas públicas ou leis relacionadas aos seus interesses?
A participação de qualquer ator afetado por uma lei é fundamental e um valor positivo da democracia. Isso vale para grupos de luta por moradia na definição de políticas habitacionais, da mesma forma que para os grupos de empresas que construirão as residências, por exemplo. O problema é quando a participação política de grupos com grande poder econômico impede ou eclipsa a de outros.
O lobby pode favorecer pessoas comuns?
Como ferramenta política, o lobby pode ser praticado não apenas por empresas, mas por qualquer cidadão ou organização da sociedade civil – como sindicatos, associações de bairro ou movimentos sociais que não são ligados essencialmente a um fim econômico. É importante que essas entidades tenham acesso às negociações feitas pelos lobistas e que saibam com quais representantes do poder eles estão conversando. Assim, podem elaborar contra-estratégias para contrabalancear os interesses das empresas e fazer seu próprio lobby.
Quais os desafios para a sociedade se beneficiar do lobby?
Atualmente, não há transparência na prática do lobby. É difícil saber, por exemplo, quem está se reunindo com determinado parlamentar e com quem ele está deixando de se reunir. O relator de um projeto de lei que recebe determinados grupos com grande poder econômico deveria receber também representantes da sociedade civil que tenham interesse naquela pauta, mas nem sempre isso acontece.
Hoje, as grandes empresas têm muito mais poder de articulação, porque têm dinheiro. Por causa desse poder econômico, elas têm mais pessoas fazendo lobby no Congresso, no governo, nas agências reguladoras e até mesmo no STF. Enquanto as organizações da sociedade civil, muitas vezes, não têm acesso algum.
Para a diretora executiva da Transparência Brasil, Juliana Sakai, é preciso fazer a regulamentação do lobby de maneira adequada para dar transparência ao processo e definir igualdade de condições na defesa de interesses conflitantes. Reduzir as assimetrias é necessário, porque o desequilíbrio na participação política gera também o desequilíbrio nas políticas públicas.
O projeto de lei que regulamenta o lobby resolve a falta de transparência, igualdade e regras?
O PL que tramita no Senado, como está, favorece os lobistas, mas não garante a transparência necessária, nem contribui para reduzir o viés negativo que existe em torno do lobby como algo ilegal.
O PL do Lobby está muito aquém do que precisa ser regulamentado e não garante a paridade de armas entre os setores com poder econômico e a sociedade civil, segundo Sakai. Para o cientista político Vítor Oliveira, é importante garantir a transparência da agenda pública de tomadores de decisão, a divulgação obrigatória e proativa de conflitos de interesse e de laços econômicos por agentes públicos e a convocação obrigatória, em audiências públicas e privadas, de representantes de ideias opostas sobre o mesmo tema.
Que pontos da regulamentação do lobby merecem atenção?
Há algumas armadilhas na regulação do lobby. Pequenos movimentos sociais e coletivos, ou mesmo a ação de indivíduos, poderão ser negativamente afetados, caso a lei crie demandas financeiras, por exemplo. Oliveira defende que qualquer regulação precisa ser muito bem calibrada e prever apoio estatal para que grupos menos abastados não sejam prejudicados.
Outra barreira subestimada pelos defensores da regulamentação, segundo o cientista político, é a necessidade de cadastro de lobistas, que poderá prejudicar a participação espontânea e de atores sociais menos estruturados. A exigência de cadastro pode servir de desculpa para vedar o acesso de grupos não desejados em espaços decisórios.
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